Comportamento Bancário sob a ótica da preferência pela liquidez

Por André Luis dos Santos Soares | 21/11/2017 | Economia

RESUMO

O presente trabalho realizou um estudo sobre o comportamento bancário sob a ótica da preferência pela liquidez. O objetivo do trabalho foi analisar se momentos de incerteza afetam o comportamento dos cinco maiores bancos do Brasil tanto pelo lado do ativo quanto do passivo, revelando assim sua preferência pela liquidez. A taxa de juros Selic foi utilizada como proxy para se mensurar a incerteza. Para retratar a preferência pela liquidez foram utilizados indicadores demonstrando a proporção de títulos e valores mobiliários em relação ao ativo total, além da relação entre depósitos a prazo sobre o passivo exigível. Os resultados demonstraram que alterações no patamar de incerteza afetam a preferência pela liquidez e que há uma diferença relevante entre o comportamento dos bancos públicos e privados.

Palavras-chave: Preferência pela liquidez. Keynes. Regime de metas de inflação.

1 INTRODUÇÃO

Com o passar dos anos e desenvolvimento do capitalismo, tanto em forma quanto tamanho, cada vez mais se torna notório o papel relevante dos bancos no cerne desse modelo econômico. O papel que o sistema bancário traz consigo, de administrador do sistema de pagamentos, fornecedor de liquidez e crédito, dentre outros, é peça fundamental para compreensão dinâmica de uma economia capitalista.

Apesar de não ter se referido de forma substancial sobre o comportamento bancário em seus trabalhos, John Maynard Keynes sempre evidenciou o papel crucial do sistema bancário na determinação do investimento, e como consequência no nível de atividade econômica. Ademais, Keynes se faz fundamental para compreensão deste estudo, pois, suas importantes contribuições sobre os pressupostos de uma economia monetária, tal como o papel da moeda na economia, a preferência pela liquidez, taxa de juros, formam a pedra angular deste estudo.

Como dito anteriormente, Keynes não abordou de forma densa o comportamento bancário, mas deixou como legado importantes contribuições, que, posteriormente, foram utilizadas na construção de uma teoria bancária baseadas em seus pressupostos, particularmente, a escola de pensamentopos-keynesiana criou uma teoria da firma bancária baseada em seus pensamentos. Além da visão pos-keynesiana, se faz necessário ressaltar outras duas visões sobre a teoria da firma bancária, a visão clássica, e a “visão nova”.

A visão clássica, desenvolvida por Gurley& Shaw (1955), entende como função principal de um banco ser mero intermediador entre os agentes superavitários e deficitários, não interferindo nas condições de financiamento da economia, pois como é apenas um intermediador, o volume de crédito ofertado depende exclusivamente dos agentes superavitários. (GUERREIRO, 2015)

A visão nova da firma bancária evolui da visão clássica e acrescenta algumas considerações, tal como o limite de crédito a ser ofertado pelos bancos não ser restringido pela disponibilidade dos agentes superavitários, já que os bancos podem recorrer a empréstimos do Banco Central, mercado interbancário ou pela venda de ativos. Mesmo que se apresente de forma mais flexível que a visão clássica, os bancos não tem capacidade de criar moeda, pois a quantidade desta é determinada exogenamente. Outro ponto diz respeito à preferência do público por determinadas instituições, interferindo no volume de depósitos à vista. Essa situação gera incertezas que levam os bancos a dividirem sua carteira de ativos em ativos líquidos (baixa rentabilidade e alta liquidez) e empréstimos e investimentos (baixa liquidez e alta rentabilidade) visando adequar seu balanço a incertezas derivadas dos depósitos à vista. (GUERREIRO, 2015)

A visão pós-keynesiana, leva em consideração um ambiente de incertezas, cujo objetivo da firma bancária é a maximização dos lucros. Os bancos sob essa perspectiva deixam de ser agentes passivos, como proposto pelas duas explicações anteriores, e passam a controlar ativamente os dois lados de seu balanço. Pelo lado do ativo, critica-se a dicotomia da visão nova que dividia os ativos em líquidos e ilíquidos, considerando que existem diversos ativos com diversos graus de liquidez, cabendo aos banqueiros administrar essa composição de acordo com seu grau de incertezas. Pelo lado do passivo, os bancos deixam de ser expectadores e passam a trabalhar de modo a modificar a estrutura do passivo utilizando taxas de juros mais altas para alongar os depósitos, além de influenciar as preferências dos depositantes através da publicidade. (PAULA; OREIRO, 2008)

Percebe-se com a leitura dos parágrafos anteriores que o fator incerteza permeia o comportamento de duas visões da firma bancária, a visão nova, em relação à preferência dos depósitos à vista, e a pós-keynesiana, que fundamenta a composição de seu balanço ativo/passivo em torno das incertezas que o futuro lhe reserva. John Maynard Keynes, através da preferência pela liquidez, trata desse tema ao considerar a moeda mais que um mero meio de troca (função neutra), considerando-a também uma forma de riqueza, ou seja, um ativo cuja principal característica é sua liquidez por excelência. Liquidez esta que se traduz aos agentes como forma de acalmar as inquietações diante das incertezas que o futuro proporciona. (CARVALHO et al, 2007)

Ao se considerar a moeda um porto seguro em meio a incertezas, torna-se racional retê-la. Dessa forma, parte da moeda deixa de circular no circuito produtivo, e, assim, a moeda influencia a economia real (produção, renda, emprego) tornando-se, portanto, não neutra. Levando-se esse fator em consideração, alterações quanto às expectativas dos agentes podem acarretar em mudanças na preferência pela liquidez destes, resultando em oscilações no produto, investimento e renda. (CARVALHO et al, 2007)

Depreende-se, portanto, que é relevante a manutenção de um ambiente econômico que proporcione segurança e previsibilidade, pois, alterações no ambiente econômico podem afetar a preferência pela liquidez dos agentes. Em um panorama brasileiro, percebe-se uma dificuldade crônica em se manter um ambiente econômico estável, que pode ser percebido pelas altas taxas de juros vigentes, historicamente, no país.

O indicativo que trouxe questionamentos e motivou essa pesquisa está no fato de que mesmo em momentos de dificuldades na economia, em que o aumento das taxas de juros gera um efeito colateral perverso na economia como um todo, o setor bancário continua com lucros elevados. Explicando de outra forma: em momentos de incertezas, quando os agentes tendem a se resguardarem, ou, preferirem a liquidez, e, consequentemente,há uma diminuição nos lucros, o setor bancário, no Brasil, consegue se destacar.

Nesse sentido, o presente estudo pretende analisar o comportamento bancário sob a ótica da preferência pela liquidez, pautado pelo seguinte questionamento: existe uma relação de causalidade entre a taxa de juros (SELIC) e a preferência pela liquidez dos bancos? Preferência pela liquidez que se retrata na quantidade de recursos destinados à aplicação de títulos e valores mobiliários (produtos que geram liquidez e baixo rendimento) em detrimento ao crédito (produto que gera baixa liquidez e maior rendimento)?

A partir desse questionamento, apresentar-se-á o referencial teórico a respeito da preferência pela liquidez e da teoria da firma bancária; assim como a descrição do regime de metas de inflação e suas peculiaridades já que é o regime monetário responsável pela determinação da taxa de juros (SELIC); além de se testar a causalidade entre taxa de juros e preferência pela liquidez dos bancos durante o regime de metas de inflação.

Esse questionamento se mostra relevante dada importância que os bancos têm em uma economia capitalista, tanto em momentos de euforia, quando se torna necessária a acomodação do crédito, que subsidia o crescimento econômico, quanto em momentos de retração, posto que, baseados na preferência pela liquidez os bancos se dirigem à liquidez e passam a retrair o crédito. Assim, é de suma importância avançar no entendimento ou questionamento sobre o comportamento dos bancos, dado sua importância para economia como um todo, além de se verificar a dimensão dos ganhos auferidos com a opção pela liquidez.

Com o intuito de se verificar se há uma relação entre preferência pela liquidez e oscilações da taxa de juros, ou ainda mais, saber se além de relações entre tais variáveis, se existe uma causalidade entre elas, será utilizado o teste de causalidade de Granger. Para subsidiar este teste serãoutilizados dados trimestrais dos balancetes dos cinco maiores bancos do país,que representarão uma proxy da preferência pela liquidez, além de médias trimestrais dos valores da taxa Selic. O intervalo temporal utilizado para ambas variáveis será do primeiro trimestre do ano 2000 ao quarto trimestre do ano de 2016.

O trabalho se divide em cinco capítulos além desta introdução. O capitulo dois apresentará o conceito de Preferência pela liquidez, desenvolvido por John Maynard Keynes, além da teoria da firma bancária de acordo com três visões diferentes: a clássica, “visão nova” e a visão pós-keynesiana. No terceiro capítuloserá apresentado o Regime de Metas de Inflação (RMI) e suas peculiaridades. No capítulo quatro será demonstrada a metodologia do teste econométrico, no quinto capítulo é apresentado a analise do comportamento bancário e o resultado dos testes econométricos, e por fim, no sexto capitulo, são apresentadas as observações conclusivas.

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