COMPENSAÇÃO: análise de seus limites e práticas
Por Laura Rita Sousa Cardoso | 26/10/2016 | DireitoLaura Rita Sousa Cardoso
Renara Castelo Branco de Mello[1]
RESUMO
O presente artigo visa explanar a respeito do negócio jurídico denominado de compensação: compensação é um modo de extinção das obrigações onde os sujeitos atuam mutuamente como credores e devedores. O foco do trabalho será nos limites impostos a compensação, visando algumas dívidas que não podem ser compensadas seja por motivos de interesse público ou por motivo de subsistência.
INTRODUÇÃO
Diversos negócios jurídicos acontecem todos os dias, sendo possível encontrar casos que se encaixem no perfil adequado à compensação, ou seja, quando uma pessoa assume em relação à outra pessoa ,ao mesmo tempo, o papel de credora e devedora.
O primeiro item do artigo ocupa-se em conceituar e qualificar a compensação, trazendo a definição dada pelo código civil e a interpretação doutrinaria. Em seguida comentam-se as espécies e tipos de compensação, dando ênfase a compensação legal por ser a “regra geral” do nosso ordenamento e possuir alguns requisitos de existência.
Por fim, mas não menos importante, encontra-se o foco do artigo que é enunciar os limites a pratica da compensação, ou seja, os casos em que dívidas não podem ser compensadas. Trata-se então de explanar os artigos 373, 375 do Código Civil e demais casos de dívidas incompensáveis.
- CONCEITO DE COMPENSAÇÃO
A doutrina tende a ser uniforme ao caracterizar compensação como uma forma de extinguir a obrigação onde os sujeitos atuam mutuamente como credores e devedores. Pautando-se no art. 368 da Constituição Federal que enuncia: “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”.
O final do artigo trás a tona a divisão entre compensação total e compensação parcial, onde o que ocorre na compensação total é que A deve a B um valor igual ao que B deve a A, portanto a dívida se extingue por total. Já no segundo caso, A deve 100 reais a B e B deve apenas 50 reais a A, nesse caso, a dívida se extingue parcialmente, pois após a compensação A continuará devendo 50 reais a B. Nas palavras de Silvio Rodrigues se os créditos forem de igual valor, ambos desaparecem integralmente; se forem de valores diferentes, o maior se reduz a importância correspondente ao menor.
A compensação apresenta diversos benefícios para o sistema, como um deles temos a solução rápida de uma obrigação, se economiza tempo e dinheiro, pois não será necessário pagar algo que você deve receber de valor igual. Isso nos leva a outro benefício que é evitar a insolvência por uma das partes, ou seja, evita que A pague B e B fique sem pagar a dívida com A.
Tal forma de extinção da obrigação funda-se no princípio da equidade, ou seja, baseado na noção de equivalência, igualdade. Motivado pelo senso de justiça e simplificação prática, é conveniente reconhecer o direito e dever de cada um e procurar formas eficientes de resolução de dívidas.
- ESPÉCIES E REQUISITOS PARA A COMPENSAÇÃO
O Código Civil de 2002 trás ainda alguns requisitos para que seja possível a realização de compensação, o art. 369 enuncia: “a compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.”.
Para facilitar o entendimento façamos uma breve explanação a respeito de cada requisito, começando por dívidas líquidas. Caracterizam-se como dívidas líquidas as dívidas cujo valor é certo e determinado. Segundo Caio Mário da Silva Pereira:
“A liquidez das obrigações não significa a menção de soma precisa nos respectivos títulos, mas que sejam uma e outra certas, isto é, tenham a sua existência positivada independentemente de qualquer processo de apuração, e determinado a respectivo quantum” (pg. 291).
Outro requisito é que as dívidas devem ser vencidas, tal requisito é autoexplicativo, visto que não haveria lógica de compensar uma dívida que ainda pode ser paga dentro do prazo estipulado, é necessário ser possível exigir que tal dívida seja paga. O vencimento pode se dar tanto pelo escoamento do prazo quanto em razão de uma antecipação prevista em lei.
O artigo trás a ainda que a compensação dar-se-á em função de coisas fungíveis, ou seja, com base no art. 85, CC tem-se que “são fungíveis os móveis que podem substituir-se por outro de mesma espécie, qualidade e quantidade”, compreende-se, portanto que as dívidas devem dizer respeito a coisas de mesma espécie, e que sejam fungíveis não apenas em si mesmas, mas ente si, ou seja, que as dívidas sejam homogêneas.
Outro requisito que não foram enunciados pelo artigo explicitamente, mas que é inerente a compensação é a reciprocidade sem a qual não existe compensação visto que é a compensação compõe-se da reciprocidade de dívidas, onde o sujeito assume ao mesmo tempo o papel de credo e de devedor.
A doutrina divide a compensação em três espécies, quais sejam:
- Compensação legal: é aquela que acontece automaticamente por força da lei, independente da vontade das partes, desde que se tenha uma dívida liquida, vencida e de coisas fungíveis. No mesmo instante em que o segundo crédito é constituído, extinguem-se as duas dívidas. É essa a espécie adotada pelo Código Civil brasileiro.
- Compensação convencional: depende da manifestação da vontade das partes, não se faz necessário o preenchimento dos requisitos impostos na compensação legal, desde que as partes entrem em acordo e oficializem a compensação.
- Compensação judicial: esta espécie de compensação é determinada pelo juiz, nos casos em que se preenchem os requisitos da compensação legal.
- DÍVIDAS QUE NÃO PODEM SER COMPENSADAS
ANÁLISE DOS ART.373 E 375 DO CÓDIGO CIVIL
Por questões didáticas comecemos expondo o que dispõe o art. 373 do Código Civil:
Art.373. A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto:
- Se provier de esbulho, furto ou roubo;
- Se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos;
- Se uma for de coisa suscetível de penhora
O inciso I trás como empecilho o fato do devedor querer compensar seu crédito com coisa que provenha de esbulho, furto ou roubo. Isto porque fatos de ordem ilícita não geram efeitos obrigacionais, sendo assim, ninguém pode fazer uso de condutas ilícitas para obter benefícios tais como a compensação de dívidas, não seria justo e feriria o principio da equidade.
No caso do inciso II, o comodato lida com coisas infungíveis logo não preenche um dos requisitos da compensação legal que é a fungibilidade das coisas. Ao deposito falta igualmente a homogeneidade da dívida, apesar da reciprocidade existir trata-se aqui da retenção e não compensação. O depositário deverá devolver coisa certa ao depositante.
No caso de alimentos trata-se de causa de subsistência, não se pode compensar tais casos, pois o objetivo da pensão alimentícia é garantir a subsistência do beneficiado, caso fosse aplicada a compensação nesses casos afetar-se-ia a existência do beneficiado. Para exemplificar e substanciar tal impedimento apresenta-se aqui a decisão da terceira turma do STJ de não reconhecer um recurso especial pedindo por flexibilização da não compensação em casos alimentícios (EM ANEXO).
O inciso III trás a impossibilidade de compensação quando uma dívida for suscetível de penhora, ou seja, coisas impenhoráveis encontram-se fora do comercio, logo a compensação trabalha apenas com coisas que possam ser judicialmente alienadas, transferidas do patrimônio de uma pessoa para a outra.
Outro artigo que trata da indisponibilidade do uso de compensação é o art.375 que dispõe: “Não haverá compensação quando as partes, por mutuo acordo a excluírem, ou no caso de renúncia prévia de uma delas.”. Esse artigo é bem autoexplicativo, caso as partes entrem em acordo de suspender a compensação, não há motivos para não acatar tal decisão.
- OUTROS CASOS DE IMPEDIMENTO
Um caso bem polêmico de aplicação da compensação, mas que nos contentaremos apenas em apresentar brevemente é o que acontece no direito tributário. De acordo com Caio Mario da Silva Pereira considera-se incompensáveis dívidas:
“D) Se se tratar de dívida de natureza fiscal, exceto nos casos em que a legislação especial da Fazenda permita o encontro de contas de devedor para com o Fisco federal, estadual ou municipal (Código Tributário Nacional, art.156, inciso II). Registra-se que a Lei nº 10.677/2003 revogou expressamente o art. 364do Código Civil de 2002, que previa regra sobre as dívidas ficais e o instituto de compensação.” ( pg.297).
A outro caso que se considera incompensável também relatado por Caio Mario da Silva Pereira que é:
“E) Se a compensação se fizer em prejuízo de direito de terceiros, não podendo o devedor que se torne credor de seu credor, depois de penhorado o crédito deste, opor ao exequente a compensação, de que contra o próprio credor disporia(Código Civil de 2002, art.380), porque a incidência da penhora sobre o crédito o torna incompensável. Assim, no propósito de resguardar direito de terceiro, o Código considera não compensável o crédito posterior a penhora contra o crédito do exequente.” ( Pg. 297-298)
O exemplo prático da impossibilidade relatada acima, Silvio Rodrigues nos demonstra:
“Tito é devedor de Celso de importância de cem e, para extinguir a obrigação, compra um crédito de igual importância, em que Celso figura como devedor. A reciprocidade das dívidas provocaria, ordinariamente, a compensação legal, extinguindo-se duas relações jurídicas. Entretanto, se o último dos débitos houvesse sido penhorado por algum credor de Celso, e em respeito ao interesse dessa pessoa, a cessão obtida por Tito não teria o efeito de provocar compensação”. (Pg. 222)
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