Como resistir à “felicidade”?

Por Central Press | 05/08/2013 | Crescimento

Por mais de duas semanas, o indivíduo sente-se triste, sem forças, sem autoestima. Sem causa aparente, afasta-se dos amigos, do trabalho, de si mesmo; parece desistir da vida e o isolamento torna-se uma possibilidade tentadora. As pessoas o aconselham a procurar um médico. No consultório, em menos de vinte minutos, é informado de que o que tem não é tristeza, mas tão somente um desequilíbrio químico, um transtorno de humor conhecido como depressão.

É medicado com substâncias que agem sobre seus neurotransmissores e em uma semana, volta à “vida” e a todas as situações que, um dia, o fizeram querer desaparecer em meio a um buraco no chão. Mas agora, as aflições cotidianas já não o atingem: desempenha suas funções na sociedade, trabalha, se relaciona, consume, faz dívidas... Sob o efeito de antidepressivos e ansiolíticos, está de volta à “normalidade”.

A história fictícia foi baseada em fatos reais: segundo dados da OMS, publicados em Outubro de 2012, mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de depressão. A OMS aponta também que a depressão possa se tornar a principal causa de afastamento do trabalho e morte entre a população adulta em 2030, tal qual são hoje, por exemplo, as doenças cardíacas.

A forma mais usual de tratamento da depressão e da ansiedade (quadros muitas vezes associados) é a administração de psicofármacos. Em casos de ansiedade, o nome mais conhecido é o ansiolítico vendido como Rivotril e em casos de depressão, Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina, como a Fluoxetina.

O consumo de psicofármacos cresceu nos últimos anos, especialmente em países emergentes, como o Brasil, Índia, Rússia, México, Turquia e Coréia: juntos representam 50% do consumo mundial desses medicamentos. Só no Brasil, a venda de antidepressivos e ansiolíticos aumentou 44,8% entre os anos de 2005 e 2009, sendo o Rivotril o segundo medicamento mais vendido nas farmácias brasileiras em 2009.

A mais recente versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM - 5), publicada pela Associação de Psiquiatria Americana (APA) neste mês, reforça a tese de que a tristeza prolongada por mais de duas semanas pode ser considerada depressão. No entanto, em que pese os avanços da psicofarmacologia nas últimas décadas, os casos diagnosticados como depressão só fizeram aumentar. Se isso significa uma maior exatidão nos diagnósticos, só nos resta acreditar que vivemos uma verdadeira epidemia de depressão e que os medicamentos para controlá-la não tem sido muito eficazes.

Por outro lado, não podemos também pensar que estamos vivendo uma situação de medicalização indiscriminada da mente, como forma de controlar comportamentos indesejados ao "bom andamento social", como a “tristeza improdutiva” que abate os indivíduos envolvidos no círculo vicioso trabalho-consumo–endividamento? Forma de vida que apresenta como única possibilidade de vislumbrar alguma felicidade a obtenção de cada vez mais dinheiro?

Se assim for, como resistir a um controle tão eficaz? As formas tradicionais de luta - as revoltas, os motins, as palavras de ordem - parecem despropositadas diante do novo quadro de sujeição que se afigura. Afinal, em tempos tão conturbados como o nosso, como resistir à “normalidade”, à “felicidade” e à “tranquilidade” artificiais comercializadas sob a forma de psicofármacos? Perceber e denunciar essa situação, talvez seja uma das únicas vias possíveis...

 

*Andréa Maria Carneiro Lobo é professora da Unibrasil e doutoranda em História pela UFPR.