Como falar da morte para a criança pequena?
Por Eliane Marques Daher Chedier | 09/04/2021 | PsicologiaComo falar da morte para a criança pequena?
“...trocar a dor da perda pela alegria das lembranças.”
(Frei Betto, Começo, meio e fim)
Por Eliane Marques Daher Chedier
Diretora do Centro de Educação Infantil Sagrada Família
Da Rede Municipal de Ensino de Petrópolis
Psicóloga e Psicanalista
Mãe do Emanuel e do Felipe
Hoje recebi uma triste notícia. Foi a notícia da morte da mãe de uma criança de 4 anos, que estuda na escola em que trabalho. Pouco sei dessa criança, apenas que ele tem 4 anos e se chama S. (prefiro não identificar o seu nome). Ele é aluno da escola, pois começou a estudar conosco esse ano. Devido à pandemia, e a suspensão das aulas presenciais, o contato com a mãe, no início do ano, foi por meio do telefone e de mensagens trocadas pelo WhatsApp. Nessas breves mensagens, a mãe nos contou que estava grávida, que precisava ficar de repouso por ser uma gravidez de alto risco e que não poderia acompanhar as atividades mais proximamente por conta do seu estado de saúde. A avó materna chegou a comparecer na escola e confirmou o estado de saúde debilitado da mãe.
Os dias se passaram, e hoje a tia de S. entrou em contato e disse que a mãe dele “não está mais entre nós”. Precisei confirmar perguntando diretamente se, realmente, a mãe dele havia morrido. A tia confirmou que sim e que ainda não falou nada para ele.
Fiquei muito triste com essa notícia, não só pela perda dessa mãe, que se mostrou cuidadosa e zelosa, mas pelo sentimento de tristeza que me invadiu em pensar que essa criança ainda não sabia o que realmente tinha acontecido com sua mãe.
De imediato, pensei na literatura infantil para ajudar essa família a lidar com essa dor tão grande e com o desafio de falar para S. que a sua mãe “não vive mais entre nós” - para destacar a dificuldade que o tema gera - em especial -, nessa família.
Mas, também comecei a pensar e a me colocar mediante a tal temática, e pus-me a pesquisar e a escrever para poder lidar melhor com esse assunto tão presente nos dias atuais, infelizmente. Não é o primeiro membro de uma família com crianças pequenas que morre, e que eu tenho esse mesmo sentimento de pesar, me colocando no lugar desse pai ou dessa mãe, que fica com os filhos pequenos, tendo que lidar com a dor da perda, e ao mesmo tempo, tendo que "sustentar” os sentimentos dos filhos, e acolhê-los. O sentimento de insegurança, de não sabe como fazer ao certo, e nem de como lidar com tudo isso junto e misturado, passa a ser uma questão perturbadora!
Realmente, lidar com o tema da morte não é fácil para ninguém, sejam crianças, adolescentes, adultos ou idosos. O fato é que, apesar de toda a dificuldade, não podemos deixar de ter clareza e sensibilidade para abordarmos esse assunto independentemente da idade. É claro que em cada etapa da vida o tema deverá ser explorado de um modo diferente. Especialistas são unânimes em dizer que não devemos usarmos eufemismos, por exemplo, com as crianças de 3 a 5 anos, pois poderão se sentir muito confusas e inseguras quando usamos frases como “sono profundo” e uma “viagem sem volta”. O medo da morte nos faz evitar de pronunciar o que ela é. Esses termos podem gerar confusão ou expectativas falsas na mente das crianças, que poderão se comportar com medo nas situações que se assemelham a tais ideias de comparação.
Então, como seria possível abordar esse assunto com a criança sobre a perda de um de seus pais? E, falando especificamente desse caso: o que dizer a S. sobre a morte de sua mãe?
Primeiro, encontrei algumas semelhanças nos artigos que li sobre o tema. Em todos os casos, é certo que devemos abordar a morte de acordo com o entendimento das crianças, ou a partir das perguntas que nos fazem, conforme o que compreendem e percebem o que está acontecendo a sua volta. Seria uma falsa crença acreditarmos que as crianças não entendem e que se distraem brincando e que acabam se esquecendo. Por mais duro e difícil que seja, as crianças captam no ar que algo está acontecendo. Elas conseguem perceber a tristeza das pessoas, os olhos vermelhos, o choro constante e contínuo, e tudo mais que cerca o ambiente nesse momento.
No caso específico de S., ele ainda vê o bebê recém-nascido, que está aos cuidados da avó, sem saber ao certo de onde ele veio, mas que provavelmente era “aquela barriga” que sua mãe tinha, e a fazia ficar mais deitada do que antes, e logo, logo, formulará a pergunta: “onde está a minha mãe?”. Adiar a fala sobre a morte da pessoa tão querida, nesse caso e em muitos outros, é tão doloroso quanto não falar sobre o que realmente aconteceu.
Depois da minha pesquisa e estudos, penso que posso contribuir com essa família, e com as pessoas que passam pela mesma dor (e apaziguar a minha também), dizendo que falar sobre a morte com a criança faz parte de um processo natural da vida. As crianças têm o direito de saber o que aconteceu! Quando negamos a possibilidade de falar com a criança sobre a morte, estamos negando-lhe a possibilidade de alcançar um processo inevitável na vida, que se refere ao processo de tomada de consciência sobre à perda da vida, inerente apenas aos seres humanos, claro que estamos falando de um nível de consciência possível para uma criança dessa idade. Só a espécie humana toma consciência da finitude da vida, nenhuma outra espécie sabe que um dia morrerá e que os demais seres também morrerão. Não falar, silenciar, ou negar respostas às crianças, apenas cria mais desconforto e dor para criança e todos a sua volta. Pensemos que acolher os sentimentos dessa criança fará com que ela se sinta amada, cuidada, e acima de tudo, protegida para experimentar a dor, a perda, a tristeza, assim como a saudade e a lembrança. Quando nos furtamos desse encontro, podemos até passar o contrário do que queremos à criança, que poderá a vir a se sentir insegura, impotente, criando fantasias mais dolorosas do que a realidade, até podendo se culpar pelo que aconteceu com a pessoa amada.
Sendo assim, um bom começo é ouvirmos a criança, estarmos atentos ao seu comportamento e convidarmos para uma conversa: “gostaria de falar, o que está sentindo e você gostaria de se despedir”. No site da Sociedade Brasileira de Pediatria, três dicas interessantes para propormos aos pequenos: “soltar um balão de gás, fazer um desenho ou cantar uma música”.
As experiências precoces sobre a morte não podem ser suprimidas, então nos cabem, enquanto familiares, educadores e amigos, ajudar a falar, a conversar, a escutar o que a criança tem a dizer, compartilhar os sentimentos, mostrando-nos também tristes, com saudades, com medo e com muita dor; nos mostrar impotentes diante da vida, sem saber o que dizer e fazer; e ainda, se possível, mostrar que estamos disponíveis para cuidar dela.
A morte é um caminho sem volta, mas estar presente e cuidando da criança e ajudando-a a entender minimante o que está se passando é o que podemos fazer de melhor por ela nesse momento.
Ademais, não temos uma receita de como começar a abordar tal assunto, sobretudo com essa criança em especial, porém é bem provável que ela expresse e dê sinais do que quer saber. E no caminhar da vida, vamos descobrir a “alegria das lembranças” que acalentam o seu coração e confortam sua imensa saudade...
Lembrando o início dessa narrativa, de como ajudar essa família a contar a S. sobre a morte de sua mãe, encontrei o livro infantil “O livro do Adeus”, de Todd Parr que, com delicadeza e sensibilidade, aborda o tema com maestria!
Referências da pesquisa:
www.ip.usp.br/revistapsico.usp. Falando da morte com crianças. Maria Júlia Kovács.
Parr, T. O livro do Adeus (vídeo no youtube)
Betto, Frei. Começo, meio e fim (sinopse)