COMO ENTENDER A REALIDADE DE UM BAIRRO? O BAIRRO DOUTOR SILVIO LEITE/BOA VISTA/RR

Por Jones Lopes Ribeiro | 10/03/2014 | Geografia

Jones Lopes Ribeiro*

  Silvia Cristina Roland Ferreira**

RESUMO: Este paper trata de caracterizar a realidade cotidiana do bairro Dr. Silvio Leite/Boa Vista – RR através do entendimento de como moradores do bairro “estudantes e idosos” se situam em relação ao próprio bairro identificando elementos como: tipos de sociabilidade, perfil, formas de vida, condições, estrutura física e subjetiva dos moradores. Para tanto, utilizamos a comparação de dados extraído da pesquisa de campo realizada no bairro e a conceitualização teórica de autores clássicos vistos na disciplina de Sociologia Urbana do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima no segundo semestre de 2013.

 Palavras chave: Realidade cotidiana, sociabilidade, bairro, estrutura, subjetividade.

1 - Palavras introdutórias

            O presente estudo nasceu de questões abordadas na disciplina Sociologia Urbana do curso de Ciências Sociais/UFRR no segundo semestre de 2013. Questões como definição de bairro, sociabilidade urbana, mobilidade, estrutura, identidade, entre outros, foram discutidas sob a ótica de algumas linhas teóricas. A partir do conhecimento adquirido e das nossas curiosidades despertadas no nosso cotidiano de futuros cientistas, nos propomos a relacionar a teoria com a realidade do bairro Dr. Silvio Leite localizado na cidade de Boa Vista, capital do Estado de Roraima.

            O bairro Dr. Silvio Leite consta na tabela de bairros criados ou que mudaram de nome entre 2000 e 2010 com proveniência (IBGE), sendo o código do distrito 05 e o código do bairro 036.  A descrição do bairro segundo o IBGE é: “Confluência do "Igarapé Caranã" com a "Av. Padre Anchieta". do ponto inicial segue pela "Av. Padre Anchieta" até sua bifurcação com a "Av. São Joaquim", por esta até a "Rua Z-2", por esta até a "Rua C-38", por esta até o "Igarapé Caranã", por este até o ponto inicial”.

            O bairro conta com as seguintes escolas: Estrelinha Mágica (Pré-escolar – municipal), E. Pré-escolar Mathias (Pré-ecolar e creche – rede privada), Escola Estadual Voltaire Pinto Ribeiro e Escola Estadual Senador Hélio da Costa Campos.

            No bairro funciona o Projeto Cabelos de Prata, sobre o qual há uma pesquisa desenvolvida por Almeida (s/d) que entrevistou 60 idosos dos 144 que participavam do Projeto. A pesquisadora constatou uma predominância de mulheres com idade entre 66 e 70 anos, analfabetas no Projeto.  Este é o único estudo que encontramos sobre o bairro.

            Ao estudar o bairro Dr. Silvio Leite nosso objetivo é alcançar um entendimento deste espaço social, a partir de uma pesquisa de campo realizada em duas escolas que oferecem o ensino fundamental e o ensino médio, nas quais aplicamos 76 questionários aos estudantes com idade entre 11 e 34 anos. Além do que, foram realizadas entrevistas com cinco idosos moradores do bairro que nos forneceram suas impressões e relatos para uma compreensão que pretendeu ir além da sua estrutura física.

            Se Dr. Silvio Leite é um bairro de Boa Vista/RR, fica a pergunta: o que é um bairro? Tomemos as definições de bairro e tipos de sociabilidade como bases norteadoras. Tais definições tratam das características físicas de referenciais administrativos e características sociais de referenciais subjetivos. Como essa dualidade de elementos “físico/subjetivo” é intrínseca às definições, compreendemos também que há um processo de construção de formas de interação social na unidade espacial denominada bairro.

1.1 - Definições de bairro

As definições de bairro são diversas e variadas em uma espécie de dualidade de elementos inerentes: estrutura física e administrativa como demarcação de limites territoriais, organização política em torno dos serviços disponíveis aos moradores e peculiaridades culturais ou formas de vida produzidas em um determinado espaço.

Temos então a questão da relação entre o material e o imaterial na construção da realidade social. Nesse contexto a estrutura física material concreta e a subjetividade são vetores um do outro em uma rede de funções de configuração da realidade a partir das interações sociais. Nessa dualidade há a questão da identidade funcionando como elo entre os dois vetores, conforme Sousa (1987 apud BEZERRA, 2011).

[...] além de determinado território, bairro se caracteriza por um segundo elemento, o “sentimento de localidade” existente nos seus moradores, e cuja formação depende não apenas da posição geográfica, mas também do intercambio entre famílias e as pessoas, vestindo por assim dizer o esqueleto topográfico. [...] O que é bairro?  - perguntei certa vez a um velho caipira, cuja resposta pronta exprimia numa frase o que se vem expondo aqui: - Bairro é uma naçãozinha. – Entenda-se: a proposição de terra a que os moradores têm consciência de pertencer, formando uma certa unidade diferente das outras (BEZERRA, 2011, p. 23).

            Vimos nessa definição um exemplo simples de como um espaço de terra relativamente amplo e demarcado em torno do individuo tem função de vetor social, de direcionador da construção subjetiva do sentimento de pertença a um espaço coletivo.

            Além da demarcação, observamos em outras definições e na própria pesquisa, que há uma rede de vetores estruturais concretos no interior de cada bairro, cada um exercendo uma função específica ou não, ainda que interligadas. Observamos esta configuração quando nos lançamos a este tipo de pesquisa. Fontes simples também nos remetem a essas observações como na definição do dicionário eletrônico Aurélio que diz. “(...) Cada uma das partes em que se costuma dividir uma cidade ou vila para mais precisa orientação das pessoas e mais fácil controle administrativo dos serviços públicos”. É um lugar estratégico para as políticas urbanas, assim como é o lugar mais próximo para obtenção de bens e serviços, de interações, de organização social, entre outros, conforme fica explícito abaixo:

(...) tal como nos indica Atkinson, Dowling y McGuirk (2009), para estas políticas el barrio se constituye como foco para la distribución de servicios; también, como base de intervención para objetivos de la triada regeneración, rehabilitación, rehabilitación; y finalmente -pero muy importante-, a partir del foco en el barrio los gobiernos han levantado sus agendas morales acerca de qué es lo que es cohesión social, capital social y ciudadanía. (TAPIA, 2013, p.1)

            Levando em consideração o processo histórico comum de fundação ou formação de um bairro, que obviamente nos remete lembrar que, nesse processo ocorre a mobilização de pessoa para ocupação deste, ocorre também o enquadramento de elementos culturais distintos levados por cada família de moradores, formando assim o espaço das relações entre o material e o imaterial no processo de construção da realidade.  Esse processo é relevante ainda mais quando falamos da cidade de Boa Vista, que historicamente foi construída sob o processo de migração nos leva a considerar a definição de Lefebvre (1975).

[...] a diferença mínima entre os espaços sociais múltiplos e diversificados, ordenados pelas instituições e pelos centros ativos. Seria o ponto de contato mais acessível entre o espaço geométrico e o espaço social, o ponto de transição entre um e outro; a porta de entrada e saída entre espaços qualificados e espaços quantificados, o lugar onde se faz a tradução (para e pelos usuários) dos espaços sociais (econômicos, políticos, culturais e etc.) em espaço comum, quer dizer, geométrico. (LEFEBVRE, 1975, p.200-201, apud SOUSA, 2011, p. 27).

            E ainda:

O bairro é uma pura e simples sobrevivência [...] é uma unidade sociológica relativa, subordinada, que define a realidade social [...] É ele o maior dos pequenos grupos e o menor de grandes. A proximidade no espaço e no tempo substituem as distancias sociais, espaciais e temporais. (LEFEBVRE, 1975, p. 201, apud SOUSA, 2011, p, 29).

            Com estas definições de bairro falaremos mais especificamente dos dados obtidos na pesquisa sobre o bairro Silvio Leite, o qual tivemos a sensação de ser esquecido pelo poder público e lembrado apenas nos anos de eleições quando os políticos reconhecem que ele ainda é muito carente de equipamentos urbanos e se apropriam da necessidade de seus moradores para obter votos.

1.2 - O bairro Dr. Silvio Leite/Boa Vista-RR

 

Localizado na zona oeste de Boa Vista, surgiu em 1986 motivado pelo loteamento por uma imobiliária da área pertencente à antiga fazenda Jardim Equatorial, tendo sua primeira nomeação como Equatorial I, II e III. Entretanto, no final da década passada ocorreu a mudança de nomes e o Equatorial I passou a ser chamar Dr. Sílvio Leite, uma homenagem ao prefeito assassinado de Boa Vista, o equatorial II passou a se chamar Alvorada e o Equatorial III passou a denominação de Equatorial.

      Segundo pesquisa da Secretaria Municipal de Gestão Participativa e Cidadania (SEMGEP), realizada em 2007, grande parte dos terrenos foram invadidos por ex-garimpeiros que migraram para o Estado em busca de melhores condições de vida e, por não obterem êxito na atividade de extração mineral não tinham condições de retornar à terra de origem, acabando por permanecer em Boa Vista em áreas invadidas, casas alugadas ou cedidas, ou casa de parentes.

            A culpa pelas invasões foi atribuída à má estruturação e a falta de planejamento das ruas do bairro Silvio Leite. Entretanto, mesmo com todos os problemas comuns em seu início, o bairro que foi uma grande área de lavrado e servia de pasto para o rebanho bovino já contava no Censo de 2010 com 8.849 habitantes (3.1% da população de Boa Vista).

Sobre o nome do bairro, o advogado Sílvio Sebastião de Castro Leite foi o 62º prefeito de Boa Vista. Ele assumiu a Prefeitura da capital em 1º de janeiro de 1986, mas em 09 de outubro de 1987 foi assassinado em frente ao Parque Anauá[1].

2 - A escolha do bairro/a pesquisa

            A escolha do bairro foi, sobretudo pelo fato de o frequentarmos cotidianamente, por morarmos próximo a ele, por termos parentes, amigos e conhecidos no mesmo, além de ser o local de trabalho de um dos pesquisadores.

O questionário aplicado aos estudantes moradores do bairro Dr. Sílvio Leite versou sobre diferentes assuntos. As escolas pelas quais optamos são Escola Estadual Voltaire Pinto Ribeiro, Escola Estadual Senador Hélio da Costa Campos, bem como com os alunos do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) que funciona no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). Os questionários foram aplicados pelos acadêmicos Jones Lopes Ribeiro e Sílvia Cristina Roland Ferreira, ambos do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima no mês de dezembro de 2013.

Para evitar a dispersão de informação, optamos aplicar dois tipos de questionário: um para os estudantes moradores do próprio bairro e outro para os estudantes das escolas pelas quais optamos que não são moradores do bairro. Os primeiros responderam a 76 questionários e os segundos a 54. As entrevistas foram realizadas com cinco idosos com idades de 65 anos ou mais participantes de um projeto social criado pela prefeita Teresa Surita, na cidade de Boa Vista-RR, chamado “Cabelos de Prata”.

2.1 - Perfis dos estudantes moradores do bairro Dr. Sílvio Leite que responderam ao questionário

No que concerne aos estudantes moradores do bairro aplicamos 39 questionários aos estudantes da Escola Estadual Voltaire Pinto Ribeiro, 26 alunos da Escola Estadual Senador Hélio da Costa Campos e 11 aos participantes do PETI. Do total destes, 27 são do sexo masculino e 49 do feminino. Sendo que 59% fazem o 3º ano do ensino médio, 17% o nono ano do ensino fundamental, 13% o oitavo ano, 5% o sétimo anos, 4% o sexto ano e 2% o quinto ano do ensino fundamental.

Como se trata de escolaridade diferente, encontramos diferentes faixas etárias, ainda que haja prevalecido fixa entre 11 e 34 anos de idade como pode ser constatado no gráfico a seguir.

Dentre as perguntas do questionário, uma se direcionou, a saber, qual a religião ou culto dos inquiridos. O gráfico a seguir revela a porcentagem das religiões ou cultos praticados pelos entrevistados:

Observamos que nessa questão os dados revelam a diversidade de práticas religiosas corroborando com elemento migratório intricico da historia de formação do bairro, não levamos em cosideração a necessidade de investigar mais a fundo o estudo da prítica religioso diversa entre os moradores do bairro dentro dessa pesquisa, mas, certamente fica um registro de que o bairro está inserido na lógica moderna da diversidade doutrinaria quando constatamos 34% de evangélicos pois logo ficou subentendido que a denominação “evangelicos” nesse contexto é uma categoria que enquadra uma série de doutrinas diferentes, porem, ditas evangelicas, vejamos o gráfico obtido das respostas dos evangelicos que identificaram sua igreja:

Sem questionarmos os fundamentos desse lógica moderna de expansão diversificada das religiões evangelicas, mas, considerando a função de instituição socializadora, a preponderancia dessas religiões no bairro é um elemento positivo de sociabilidade que perpassa os limites espaciais das igrejas e casas dos praticantes aos lugares coletivos como escolas, programas sociais e a própria rua, porém, os dados revelam que há um desafio à essa função socializadora pois os jovens que declaram ser ateus, não ter nenhuma religião e não responderama pergunta representam 37% dos entrevistados.

            Entre as questões 7 e 8 do questionário, nas quais foi perguntado aos entrevistados onde nasceram e onde seus pais nasceram, obtivemos o processo migratório revelado nas respostas condizentes com o período em que o bairro foi fundado. Onde a maioria dos entrevistados são roraimenses de nascimento, porém seus pais, na grande maioria são imigrantes de outros estados brasileiros, vindo a maior parte destes do estado do (Maranhão 35%) e do (Pará 23%) naturais de (Roraima 14%) os outro 28% vieram de estados como Ceará, Rio Grande do Norte e Amazonas.

            No que diz respeito à questão nove, referente ao tempo que os entrevistados moram no bairro, foi dividido as respostas por faixa de tempo. Obtivemos as seguintes porcentagens: 53% estão no bairro entre 10 e 20 anos, 39% até 10 anos e 8% moram no bairro a menos de 1 ano.

            Em relação ao tipo de moradia dos entrevistados, obtivemos as seguintes porcentagens: 70% moram em casa própria, 21% em casa alugada e 7% em casa cedida. Sendo que entre os que moram em casas cedidas, foi perguntado por quem foi cedida a moradia e tivemos como respostas que, 60% moram em casa cedida pelo tio, 20% por avós e 20% pelos pais.

            Em relação à localização da moradia 76% responderam que no terreno onde moram há apenas a sua casa própria, 6% moram em condomínio, 5% moram em casas construídas nos fundos de outra, outros 5% moram em casas que dividem o terreno com outras, 4% responderam que moram na casa da frente do terreno e outros 4% não responderam. Nessas moradias residem em média de 3 à 7 pessoas, essa faixa corresponde à 91% das respostas, 3% responderam que moram apenas duas pessoas na casa, 5% responderam que moram entre 8 e 10 pessoas na casa e 1% não responderam.

            Em relação à quantidade de pessoas que habitam a mesma residência dos entrevistados, não dispensamos a oportunidade de perguntar quantas pessoas da casa frequentam a escola no próprio bairro e nos deparamos com a seguinte porcentagem: 83% das respostas representam uma média de uma a três pessoas por casa frequentam a escola, 7% das respostas representam uma média de 4 a 5 pessoas que frequentando a escola e 10% dos entrevistados responderam que nenhuma pessoa além deles frequenta escola no bairro. Esse número é invertido quando perguntamos sobre a quantidade de pessoas da casa dos entrevistados frequentam escola fora do bairro conforme gráfico abaixo:

           

            Observamos que apenas 30% dos entrevistados responderam que têm familiares que estudam em escolas fora do bairro, e destes, em média apenas uma ou duas pessoas, mas, o dado relevante é que a causa de estudarem fora do bairro foi pouco citada pelos entrevistados, 70% dos que têm parentes estudando fora não responderam o motivo, 12% declararam não saber o motivo e entre os motivos citados apenas 5% disseram que não havia vaga nas escolas do bairro, os outros motivos como: não havia a série nas escolas do bairro; faziam faculdade ou cursinho; opção dos pais ou achavam as escolas do bairro ruim, variaram entre 2% e 4% das respostas.

2.2- Mobilidade e sociabilidade no bairro e fora do bairro

Em se tratando de mobilidade, pode-se perceber nas questões 16 e 17, que a pergunta “Quantas pessoas da sua casa trabalham no próprio bairro?”, a maioria, 68% responderam “nenhuma”, apenas 19% responderam uma, 1% responderam duas e 12% não responderam a questão. Já na questão 17, “Quantas pessoas da sua casa trabalham fora do bairro?”, 31% responderam pelo menos uma pessoa, 30% duas, 8% três, 7% quatro, 3% cinco, 1% seis, 16% nenhuma e 4% não responderam. Baseado nessas respostas pode-se perceber que para a maioria é necessário se deslocar do seu bairro para outros bairros para trabalhar. Isso é típico elemento da cidade urbana, onde o fator “trabalho” é fundamental para a sobrevivência na cidade. E na maioria das vezes os postos de trabalho encontram-se em um ponto estabelecido da cidade, como por exemplo: No Centro, fazendo com que a necessidade do trabalho seja indutiva a mobilidade no bairro.

A interação entre vizinhos no bairro também é um elemento de mobilidade no bairro Dr. Sílvio Leite, pois 82% dos entrevistados conhecem seus vizinhos pessoalmente e 88% afirmaram serem amigos dos seus vizinhos e ex-vizinhos. Isso é um elemento da sociabilidade ampla e da subjetividade, imperando na realidade cotidiana entre os jovens entrevistados do bairro, pois 84% consideram importante a amizade com pessoas do bairro.

Na pesquisa esse nível de interação se mostra recíproco, ao que se refere às trocas de favores entre os vizinhos do bairro. Pois 82% afirmaram ter prestado favores aos seus vizinhos e 74% afirmaram ter recebido favores dos mesmos. Mais uma vez este elemento de sociabilidade que remete a mobilidade, também expressa o fator da relação material-imaterial. Pois quando perguntado se era frequente a troca de favores, houve um equilíbrio nas respostas: 38% disseram que sim e 41% que não. Porém consideramos que a apreensão da frequência dessa relação de troca, por parte dos entrevistados, exigiria um grau elevado de observação dessa relação no dia-a-dia. Mas, esta questão da interação entre os vizinhos nos revela que há pelo menos uma predisposição subjetiva à reciprocidade dessa relação.

De acordo com D’Incao, 1994 um dos principais elementos a sociabilidade ampla é o contato pessoal historicamente construído por formas de vida tradicionais, mesmo que em um ambiente urbano ou não, através de brincadeiras de criança na rua, relação parental ou entre grupos diferentes e etc... “... A sociabilidade ampla pressupunha uma convivência com diferentes grupos sociais, uma relação ampla com as ruas e uma ausência de privacidade dos grupos e do espaço” (D’Incao. 1994).

Para o entendermos este elemento no bairro Silvio Leite, encontramos nas respostas de como os entrevistados se comunicavam mais frequentemente com pessoas do bairro. 58% responderam que se comunicavam pessoalmente, enquanto os elementos que caracterizam a sociabilidade restrita como: interação por telefone e internet ficarem entre 39% das respostas, apenas 3% não responderam essa questão. Porem, essa comunicação pessoal encontra-se com maior frequência dentro da unidade bairro, se levarmos em consideração que o elemento “interação” caracteriza formas de vida na realidade cotidiana, este dado corrobora com a definição de bairro de Sousa (1987) citado por Bezerra (2011). Na ocasião, segundo o autor define-se o bairro não apenas pelos limites territoriais, mas, também pelo intercambio entre pessoas e famílias, certamente, essa dinâmica de interação diferenciada no interior do bairro subjetivamente tem um elo com o sentimento de localidade, de “pertença e identidade”.

A interação é diferenciada no interior do bairro porque segundo dados da pesquisa, a mesma questão de comunicação em relação às pessoas de fora do bairro apresentou dados diferentes, 72% responderam que utilizam telefones ou internet para se comunicar apenas 25% se comunicam pessoalmente, 3% não responderam. Observamos com base nesses dados que a tecnologias de comunicação é um recurso veicular para encurtar distancias preestabelecida pelos limites territoriais do bairro na cidade urbana, configurando assim a sociabilidade restrita entre pessoas de fora do bairro.    

O sentimento de pertença entre os moradores do bairro pode ser considerado histórico, pois a pesquisa mostra que há coerência entre as respostas dos entrevistados e a historia de formação do próprio bairro relatado anteriormente. Nela, vimos que as motivações do processo de povoamento foi o loteamento imobiliário e a invasão por parte de ex-garimpeiros. Observamos que o sonho da casa própria e tranquilidade configuram a demanda para o processo de loteamento, enquanto ligação parental e invasão configuram o processo de migração. Vejamos os dados quando perguntamos por que sua família escolheu o bairro para morar:

            Ainda em relação à mobilidade e sociabilidade vimos que, a locomoção a pé, bicicleta e transportes coletivos como ônibus e lotação aparecem em 55% das respostas quando perguntado sobre que tipo de transporte utilizam para se deslocar dentro e fora do bairro. Enquanto 40% utilizam carro, moto e taxi, para se deslocarem dentro e fora do bairro e os outros 5% não responderam.

            Observamos nestes dados que há apenas 15% de diferença entre os elementos de sociabilidade ampla e restrita na mobilidade, levando em consideração que a questão refere-se à mobilidade dentro e fora do bairro, justifica-se pelo fato da limitação espacial favorecer este tipo de mobilidade, pois os elementos de sociabilidade restrita como carro e moto são comumente utilizados para superar distancias assim como os transportes coletivos também os são. Essa questão é ainda mais justificada quando questionamos quanto tempo levavam para chegar à escola e quais lugares costumavam frequentar além da escola, vejamos os percentuais: 60% levam menos de 10 minutos para chegar à escola, 28% levam de 10 a 30 minutos, 4% mais de 30 minutos e 8% não responderam.

            Em relação aos lugares frequentados no seu bairro, se obteve uma configuração de toda uma estrutura física de referenciais diversificados, funcionando na dinâmica cotidiana do bairro. Vejamos o gráfico abaixo:

           

            De acordo com gráfico acima, a sociabilidade e mobilidade no bairro Dr. Sílvio Leite, giram em torno dos pontos referenciais de forma diversificada, como a igreja e a escola que são instituições socializadoras. Farmácia, posto de saúde e feira são serviços essenciais à realidade cotidiana continuada do bairro. Enquanto a academia, praças e bares, restaurantes, pizzarias, supermercado e quadra de esportes são referenciais de relação de consumo e de socialização secundária.

            Em relação ao ponto de vista dos entrevistados, quanto aos aspectos positivos do bairro, a grande maioria deles, 23% disseram que não há aspectos positivos no bairro, enquanto a “tranquilidade” foi citada por 16% dos entrevistados, 11% citaram comércios. Nesta questão os entrevistados mostraram o entendimento em relação à necessidade de uma boa estrutura física do bairro, como: Asfaltamento, boas ruas, limpeza e iluminação, que foram citados por 11%. Instituições socializadoras como igreja e programas sociais foram citadas por 10% deles. Enquanto 17% citaram aspectos de sociabilidade e suas estruturas, como amigos, boa vizinhança, pizzarias, sorveterias, praças, quadras de esportes e etc...

            Já os nos aspectos negativos, vimos a mesma rede de referenciais físicos e subjetivos operando no entendimento dos entrevistados, uma vez que o ponto de vista destes expressam uma apreensão da realidade cotidiana do bairro, vejamos como esse elementos aparecem no gráfico abaixo.

           

            Com base nesses dados, entendemos que a questão instigou os entrevistados a tomarem posição diante da sua realidade cotidiana, isso foi de imenso valor para a pesquisa, pois diante da diversidade de aspectos citados os entrevistados expressaram uma concepção um tanto generalizada da realidade. É certo que, para quem não pertence ao bairro pode ser fácil apontar aspectos positivos e negativos, mas para quem mora no bairro, no ato de apontar tais aspectos, certamente ascende à identidade subjetiva, “os sentimentos de localidade e de pertença”, que fazem com que essas respostas tenham uma carga de complexidade e se aproximem bastante do que podemos entender como recortes verídicos da realidade do bairro Dr. Silvio Leite.

            Nesta pesquisa também foi realizado a entrevista oral com cinco idosos com idade entre 65 e 72 anos, participantes do projeto social “Cabelo de Prata”, que funciona no Centro de Referencia de Assistência Social (CRAS) do bairro Dr. Sílvio Leite, que são também moradores do bairro.

            Na ocasião perguntamos sobre o estado de origem de cada um deles. Três deles são naturais do Maranhão, um do Piauí e um de Roraima. Também foi perguntado há quanto tempo moram no bairro, o Sr. André mora há 22 anos, a Sra. Elza mora há 16 anos, Sr. Nunes há 10 anos, a Sra. Paula mora há 4 anos e a Sra. Rita mora há 9 anos. Sendo que três deles trabalham ou trabalharam no bairro.

            Segundo os mesmos, quando chegaram ao bairro, o Sr. André e a Sra. Elza relataram que o bairro era um lavrado com poucas casas, já os outros disseram ser calmo e “fracassado” (com pouco desenvolvimento).

            Os cinco relataram que, quando chegaram ao bairro à vizinhança era boa, utilizaram termos como: a vizinhança se dava bem, muito boa e ótima.

            Nas perguntas “Como as crianças vivenciavam a infância quando chegou no bairro?” e “Como é hoje a infância das crianças do bairro?” , os idosos que moram há mais tempo no bairro responderam que existia muitas crianças e que elas brincavam nas ruas, porém hoje não é mais possível brincar nas ruas, devido a rua ser movimentadas, porque hoje em dia são asfaltadas. Já os idosos que moram há pouco tempo, disseram que as crianças são presas em casa, que existem muros altos, diferente de antigamente, que havia cercas de madeira separando as casas. Alguns ressaltaram que houve uma melhora na educação e projetos sociais para crianças.

            Em se tratando da mobilidade, quando chegaram ao bairro os entrevistados relataram que a vida era muito restrita a casa, e as saídas de casa eram esporádicas, quando necessário. Palavras do Sr. Nunes: “Foi o colégio Antônio Lucena, que minha filha começou estudar lá, né? E eu sempre fui levar e buscar ela”.

            No que se refere aos lugares mais frequentados atualmente por esses idosos, as respostas se resumiram em: Comércios, igrejas e o CRAS.

            Três destes idosos tem parentes que moram ou já moraram no bairro e se comunicam pessoalmente e por telefone. Dois deles responderam não ter parentes que moraram ou moram no bairro, pois são de outros estados. Eles também têm amigos no bairro e costumam se encontrar para conversar ou às vezes se falam por telefone. Costumam ter boa convivência com seus vizinhos, pois em seus relatos usaram termos como: ótimo, muito bem, vizinhos legais e etc. Para falar da convivência com estes.

            Quando questionados sobre as principais qualidades de problemas do bairro, os mesmo citaram como positivos: natureza, coleta de lixo, transporte, escolas e segurança. Como negativos: falta de asfalto, insegurança, precariedade no serviço de saúde e lixo.

3- Conclusão

O estudo do bairro Dr. Silvio Leite revelou que os conceitos e definições dos autores vistos na disciplina de Sociologia Urbana estão presentes na atual realidade do bairro. Logo os dados da pesquisa corroboram nosso referencial teórico.

Indispensavelmente o estudo nos remeteu à necessidade de analisar um lugar espacialmente delimitado em relação ao seu interior e seu exterior. Levando em consideração que o bairro segundo Lefebvre é o maior dos menores grupos sociais, vimos que o bairro comporta uma complexa condição estrutural com diversos vetores físicos e subjetivos que configuram a existência de aspectos da sociabilidade ampla no interior do bairro. Porém, na relação bairro-bairros ou bairro-cidade, vimos aspectos da sociabilidade restrita. As definições de bairro e os conceitos de sociabilidade ampla e restritas em relação aos dados da pesquisa ficam mais bem compreendidos quando analisados pela ótica dos conceitos de espaço de Certeau (2008). Segundo o autor:

[...] Espaço é um lugar praticado. Exemplo: uma rua enquanto rua definida geometricamente por um urbanista é um “lugar”, uma estrutura espacial. Porem transformada em espaço pela estrutura espacializante “ação do home em movimento ou em narrativa” como no objeto antropológico que é o ser situado em relação com o meio. (CERTEAU, p.201,2008).

            Com isso, vimos que certamente a dinâmica de interação entre moradores do bairro com moradores de fora do bairro se intensificará conforme o desenvolvimento econômico da cidade e consequentemente do bairro, para isso, prevalecerá o uso dos recursos tecnológicos e o bairro cada vez mais se transformará de forma adaptativa à conformidade dos grandes espaços urbanos, para esse contexto, está se desenvolvendo a sociabilidade restrita que, aos poucos vai suprimindo as formas de vida tradicionais que ainda expressão alguns aspectos no bairro Dr. Silvio Leite. 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Tamires Mendes. O impacto do benefício de prestação continuada (bpc) para os idosos do programa cabelos de prata do bairro Sílvio Leite na cidade de Boa Vista-Roraima. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/artigos/o-impacto-do-beneficio-de-prestacao-continuada-bpc-para-os-idosos-do-programa-cabelos-de-prata-do-bairro-silvio-leite-na-cidade-de-boa-vista-roraima>. Acesso em: 20 jan. 2014.

BEZERRA, José Alencar – Como definir o bairro. GEO Temas, Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil, v.1, n.1, p. 21-31, 2011.

CERTEAU, Michel de – A invenção do cotidiano: Artes de Fazer. Relatos de espaço. 14° ed. Tradução Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ. Vozes. 2008.

D’INCAO, Maria Angela - Modos de ser e de viver: A sociabilidade urbana. Tempos Social: Ver. Social. USP. São Paulo. Volume 1(1). 1994.

IBGE. Censo 2010 Bairros proveniência IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000000482.xls>. Aceso em: 20 jan. 2014.

BAIRRO HOMENAGEIA EX-PREFEITO DE BV. Jornal Folha de Boa Vista, Boa Vista. 05/01/2009. Disponível em: <http://www.folhabv.com.br/noticia.php?id=53520. Acesso em: 11 jan. 2014.

TAPIA, Verónica. El concepto de barrio y el problema de su delimitación: Aportes de una aproximación cualitativa y etnográfica. Talca/Chile: Revista Bifurcaciones. Revista de Estudios Culturales Urbanos. Vol. 12, oct. 2013.



*    Acadêmico do Curso de Ciências Sociais – habilitação em Sociologia - Universidade Federal de Roraima. e-mail: jhoneslopes@hotmail.com

*    *       Acadêmica do Curso de Ciências Sociais – habilitação em Sociologia - Universidade Federal de Roraima. e-mail: tinarolandferreira@hotmail.com

[1]             Parque com muita área verde, mas que tem espaço coberto para shows, pista de bicicross pista de kart, anfiteatro, museu, parques infantis, parque aquático público, espaço para aeromodelismo, restaurantes, lanchonetes, lago, fontes e a Escola de Musica de Roraima/EMUR.