Comentário Sobre Odradek
Por Albio Fabian Melchioretto | 21/09/2008 | FilosofiaAlguns derivam do eslavo a palavra Odradek e querem explicar sua formação mediante essa origem. Outros a derivam do alemão e admitem apenas uma influência do eslavo. A incerteza de ambas as interpretações é a melhor prova de que são falsas; além disso, nenhuma delas nos dá uma explicação da palavra.
Naturalmente ninguém perderia tempo em tais estudos se não existisse realmente um ser chamado Odradek. Seu aspecto é o de um carretel de linha, achatado e em forma de estrela, e a verdade é que se parece feito de linha, mas de pedaços de linha, cortados, velhos, emaranhados e cheios de nós, de todos os tipos e cores diferentes. Não é apenas um carretel; do centro da estrela sai uma
hastezinha e nesta se articula outra em 6angulo reto. Com a ajuda desta última de um lado e um dos raios da estrela do outro, o conjunto pode ficar em pé como se tivesse duas pernas.
Seriamos tentados e crer que esta estrutura teve alguma vez uma forma adequada e uma função, e que agora apenas está quebrada. Entretanto, esse não parece ser o caso; não há pelo menos nenhum sinal disso; em parte alguma se vêem remendos ou rupturas; o conjunto parece sem sentido, porém completo à sua maneira. Nada mais podemos dizer, porque Odradek tem extraordinária mobilidade e não se deixa capturar.
Tanto pode estar no forro, como no Vão da escada, nos corredores, no saguão. Ás vezes passam-se meses sem que alguém o veja. Terá se aninhado nas casas vizinhas, mas sempre volta à nossa. Muitas vezes, quando cruzamos a porta e o vemos lá embaixo, encostado ao balaústre da escada, temos vontade de falar-lhe.
Naturalmente não se fazem a ele perguntas difíceis, mas sim o tratamos - seu diminuto tamanho nos leva a isso - tal qual uma criança. "Como te chamas?"perguntam-lhe. "Odradek",diz. "E onde moras?" "Domicilio Incerto", responde , e ri, mas é um riso sem pulmões. Soa como um sussurro de folhas secas.
Geralmente o diálogo acaba aí. Nem sempre se conseguem essas respostas; por vezes guarda um silêncio, como a madeira de que parece ser feito. Inutilmente me pergunto o que acontecerá a ele. Pode morrer? Tudo que morre teve antes um objetivo, uma espécie de atividade, e assim se gastou; isto Não acontece com Odradek. Descerá a escada arrastando fiapos frente aos pés de meus filhos e dos filhos de meus filhos? Não faz mal à ninguém mas a idéia de que possa sobreviver-me é quase dolorosa para mim.
(FRANZ KAFKA, Odradek, http://www.noxinvitro.com)
Segue a interpretação de Lelaine Luzia Reinert
Acredito que Odradek seja uma espécie de ser imaginário. Não um amigo imaginário, do tipo criado pelas pessoas na infância, mas nossa consciência transformada em "ser". Ser este presente em nossas decisões e conduta. Quando li o texto, fiquei imaginando a cena de um quadro que minha vó tinha pendurado na sala.
Era um retrato de uma criança que tinha sobre os ombros de um lado um anjo e do outro um demônio. Assim imagino Odradek, um ser com extraordinária mobilidade. Nossa consciência é assim, ora isso, ora aquilo. Feito de linha, cortados velhos, emaranhados e cheio de nós, de todos os tipos e cores diferentes.
Somos o que contribuímos durante anos, nossa educação ainda na infância, como os cortados velhos é parte importante em Odradek. Cheio de nós, como as dúvidas que vão surgindo no decorrer do caminhar as incertezas que confundem nossas decisões. Tipos e cores diferentes. Afinal, somos os mesmos desde sempre? Ou nossa consciência muda conforme uma situação de possibilidade?
Às vezes, parece quebrada sem sentido, momentos difíceis, escolhas erradas e sensações frustrantes. Outras vezes completa à sua maneira, fazendo sentido, cada escolha, cada atitude parece acertada mesmo que primeiro não pareça, mas de repente "bingo", acertei em cheio, as coisas saíram melhor do que esperava.
Odradek está em qualquer parte: na rua, em casa, no trabalho, no claro ou no escuro. Por vezes o invocamos, por vezes o ignoramos.
Perguntas fáceis? Sim? Afinal, queremos respostas fáceis, saídas vitoriosas e sensações ele satisfação.
O silêncio pode ser o de aprovação ou reprovação. O que acontecerá e Odradek? Não sei. Dependerá de mim, da importância que dou aos que me rodeiam e da força de Odradek.
Ele não morrerá, descerá as escadas arrastando fiapos frente aos pés dos meus filhos dos filhos, pois minha consciência será reflexo em minhas escolhas e atitudes e portanto presente do desenrolar de minha vida e das pessoas presentes em mim.
Assim, preocupo-me com a idéia de que possa sobreviver-me pois sem sempre o ombro certou falou mais alto.