COLCHA DE RETALHOS
Por JUNIA PIRES FALCAO | 26/01/2010 | CrônicasAlguém veio me oferecer uma bonita colcha de retalhos, impecavelmente confeccionada, mas custava, como se diz, os olhos da cara: mil paus! Cruzes, falei. Compro não!
Será que ainda existe alguém que tenha uma daquelas colchas coloridas, algunsas chamavam de colchas de taco, daquelas que antigamente eram costuradas pachorrentamente numa máquina de mão, naqueles tempos em que quase não haviacomo se passar o tempo?Elas eram tão bem feitas e duráveis que chegavam a aquecer mais de uma geração, e seu aconchego era disputado por filhos, netos e sobrinhos, sendo lavadas e passadas com cuidados especiais para não desbotarem nem se rasgarem. Cada pedacinho de pano ali costurado tinha uma história, sempre relembradas e contadas pelas tias e avós da família, enquanto botavam as crianças para dormir. Um pequeno retângulo foi o tiquinho que sobrou de uma fazenda que quase não deu pra fazer o vestido da sobrinha fulaninha; outro era uma tirinha que sobrou da camisa de caipira feita para o afilhado, filho da vizinha, que hoje já é médico; outro pedacinho lembrava uma antiga saia comprida da bisa ou um avental da vovó ou da mamãe. Outro foi um pedaço do vestido de uma boneca da neta mais velha. E assim ficavam gravadas na colcha aquelas histórias, pequenas lembranças que iam se dissipando com o passar do tempo enquanto as crianças cresciam e até já sabiam todas de cor. Outras crianças nasciam e já nem se interessavam por elas, enquanto os mais velhos partiam levando consigo as lembranças de cada história escritanos pedacinhos de pano daquela colcha de retalhos, feita por uma velha bá ou por uma tia já falecida.
Lembro-me de uma colcha dessas, que pertenceu à minha avó materna e ficou com a minha mãe sob os protestos de uma tia, que também a queria e dizia saber da história de todos os pedacinhos da colcha, pois era quase dez anos mais velha que minha mãe. Mas como tudo um dia tem fim, infelizmente a colcha foi levada pela forte correnteza do rio numa tarde de ventania, enquanto dona Pequena, a lavadeira, distraidamente ensaboava outras roupas sobre uma pedra. Com certeza o nosso amado cobertor foi parar nas mãos de quem jamais lhe deu o lugar de honra a que ele estava acostumado. De um momento para outro perdeu a tradição, perdeu o nosso carinho e a sua história, mas deixou em nós a sua lembrança e a saudade do seu aconchego macio.
Hoje os tempos mudaram e aquelas colchas tão amadas cederam lugar às luxuosas e perfeitas colchas de fábrica, caríssimas, de tamanho king, lindas, porém frias e inexpressivas peças, feitas por mãos estranhas e em máquinas industriais, sem amor, sem carinho e sem história.
Júnia – 2010