Coisa Julgada No Processo Civil

Por Bruno Landim Maia | 01/11/2007 | Direito

Enquanto a sentença ainda estiver sujeita a recurso, não se encontra apta a produzir seus regulares efeitos. Significa que ela ainda pode vir a sofrer alterações, dado o consagrado duplo grau de jurisdição. Portanto, enquanto sujeita a recurso, o Estado ainda não prestou a tutela jurisdicional final, atuando a vontade do ordenamento jurídico ao caso concreto em juízo deduzido. Há, no entanto, um momento, em que a sentença encontra estabilidade e se torna incólume, seja porque esgotados os recursos, seja porque este não foram utilizados nos prazos legais.

Desde que não mais sujeita a recurso, a sentença transita em julgado, isto é, torna-se inatacável. A coisa julgada, assim, está ligada à idéia de término, de encerramento do processo e a imutabilidade daquilo que ali foi decidido.

O instituto da coisa julgada objetiva a segurança na sociedade, impedindo que os conflitos se prolonguem indefinidamente, ou que possam ser repetidos ao arbítrio dos interessado. Ao Estado, como meio de ordenação com vistas à realização do interesse geral, não interessa a perenização dos conflitos. Para isso deve estar garantida a segurança, que se entende também presente na idéia de justiça, escopo maior do Estado. O instituto é de tão grande importância, que, pertinenentemente à coisa julgada material, constitui garantia insculpida no art. 5, XXXVI, ca Constituição Federal: A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Em doutrina já se ensinou, que o principal efeito da sentença seria a formação da coisa julgada. Outra corrente, majoritariamente aceita, entende que a coisa julgada é uma qualidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença[1]. Para a teoria dominante, que é a de Liebman, a coisa julgada é a imutabilidade do comando emergente de uma sentença[2]. Não é efeito da sentença, mas a qualidade dela, representada pela sua imutabilidade ou a de seus efeitos.

O Código de Processo Civil, no artigo 463, preceitua que o efeito principal da sentença é o de esgotar a função jurisdicional. A coisa julgada é de aí, não o efeito, mas a qualidade que torna imutáveis os efeitos da sentença, não mais sujeita a recursos.
Coisa julgada formal e material

Desde que não mais sujeita a recurso, a sentença transita em julgado, isto é, torna-se inatacável. A Lei Processual, no art. 467, limita-se a definir a coisa julgada material, quando textua: Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. A coisa julgada, todavia, deve ser considerada em seus dois aspectos: formal e material. Não sendo mais possível a impugnação da sentença no processo em que foi proferida, ocorre o que se denomina de coisa julgada formal, ou seja a imutabilidade da sentença dentro do processo. Entre uma e outra, na afirma a doutrina[3], não existe diferença senão de grau de um mesmo fenômeno. Esta, a coisa julgada formal, é uma qualidade da sentença quando não mais recorrível, aquela, a coisa julgada material, uma eficácia específica da sentença, a autoridade da coisa julgada, condicionada à formação da primeira.

A coisa julgada formal está ligada a idéia de término do processo. Consiste na imutabilidade da sentença da sentença pela preclusão dos prazos para recurso. Decorre que, da impossibilidade de interposição de recursos, seja pelo decurso de prazo, seja porque não cabíveis, seja pelo desinteresse do vencido, a sentença se torna imutável naquele processo onde foi proferida. Com isto, o Estado cumpre seu dever na entrega da prestação jurisdicional[4]. Desse modo, ao seu tempo, todas as sentenças, sejam terminativas ou definitivas, fazem coisa julgada formal. A coisa julgada formal pode incidir, sem que incida a coisa julgada material. É o caso das sentenças terminativas, que somente extinguem o processo, sem conhecer do mérito. Razão por que, nesses casos, em que atua somente dentro do processo, não impede que se o discuta em outro processo.

A coisa julgada material, por seu turno, só ocorre nas sentenças de mérito. Para estas, ocorrendo a coisa julgada formal, via de regra, ocorre também a coisa julgada material. É que o exaurimento dos recursos, faz com que se torne imutável o comando emergente da sentença, que se projeta não só no processo, como além dos limites deste. A partir do trânsito em julgado material a sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas (art. 468, CPC). Revelando-se lei entre as partes, a imutabilidade dos efeitos da sentença, incidem não somente no processo, como também impedem que a mesma demanda volte a ser decidida em qualquer outro processo, em qualquer juízo ou tribunal.
Limites objetivos da coisa julgada

Já se viu que a sentença transita em julgado, quando não lhe socorre mais recurso. A questão dos limites objetivos, diz respeito à extensão da autoridade da coisa julgada, isto é, sobre o que efetivamente incide. Trata-se de saber o que, na sentença, torna-se imutável, o que transita em julgado. Afinal, é processual a essência da coisa julgada. Isto é, com ela fica vedada qualquer nova decisão sobre a mesma questão já decidida, seja pelo órgão que a proferiu seja por qualquer outro. Desse modo para que fique bem delineado o exato alcance do comando emergente da sentença, é necessário também a identificação precisa da relação jurídica material, sobre a qual incidirá o provimento[5].

A sentença é composta de três elementos, que lhe são essenciais, como se tem do art. 458, do Código de Processo Civil. Mas, não são todos esses elementos que se acobertam de imutabilidade. A imutabilidade decorrente do trânsito em julgado reveste o conteúdo decisório[6], portanto, o dispositivo da sentença. O art. 468, do CPC, dispõe que a sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. A expressão lide, no nosso sistema, designa o objeto do processo (Streitgegenstand)[7], isto é, a pretensão ali deduzida: o mérito. Mas, se a pretensão no processo deduzida é o objeto material do processo, não se pode esquecer que ao lado desse, há também um objeto formal do processo, que é o próprio processo. Para a fixação dos limites da autoridade da coisa julgada, no entanto, importa é aquilo sobre o que a sentença decidir, o mérito; ou seja, sobre a pretensão posta pelo autor na petição inicial. Nunca é demais lembrar, que o pedido fixa os limites da lide (arts. 128 e 460 CPC).

Com o pedido e a causa de pedir ficam fixados os limites do julgamento que incidirá sobre a relação jurídica entre as partes. Decidindo a lide, o juiz decide sobre o pedido, daí que a coisa julgada tem como objeto o pedido[8]. Portanto, é o dispositivo da sentença, que opera coisa julgada material.

O artigo 469, do Código de Processo Civil, autoriza a conclusão, de que somente a parte dispositiva é que se acoberta da autoridade da coisa julgada. O referido texto, dispõe que não fazem coisa: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença; III -  a apreciação de questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.

A despeito de sua importância para o deslinde da demanda posta em juízo, razão por que sobre ela o juiz se manifesta, a matéria contemplada no dispositivo legal, não faz coisa julgada, podendo ser reapreciadas em outra ação. No entanto, a decisão sobre questão prejudicial operará coisa julgada, quando a parte o requerer, o juiz for competente para conhecer da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide (art. 470, CPC).
Limites subjetivos da coisa julgada

A despeito de ser a sentença ato do poder estatal, por uma de suas funções, e ser eficaz contra todos, a coisa julgada opera, de regra, somente entre as partes. Isto quer dizer, que todos devem respeito à decisão do órgão jurisdicional, mas a autoridade da coisa julgada, não pode prejudicar, nem beneficiar que não foi parte no processo. É princípio, que data dos romanos e que orienta o alcance subjetivo da coisa julgada. Corresponde à própria natureza processual do instituto, já que, se foram as partes que objetivamente estabeleceram o conteúdo da decisão transitada em julgado, somente a elas deve se restringir, não alcançando terceiros estranhos ao processo. É o que dispõe a lei processual, no seu artigo 472: A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros...

Desse modo, os terceiros não podem ser atingidos pela imutabilidade da sentença, mas podem ser atingidos indiretamente pelos efeitos da sentença. Trata-se aqui da preconizada distinção de eficácia natural da sentença e autoridade da coisa julgada formulada por Liebman[9], pela qual a primeira vale para todos e a segunda somente para as partes. Por não serem atingidos pela autoridade da coisa julgada, desde que prejudicados pelos efeitos da sentença, os terceiros podem a ela se opor. Porém, somente os terceiros que tenham um interesse jurídico, que conflite com a decisão proferida, e que em razão dela sofra um prejuízo também jurídico, é que pode a ela opor-se. Não basta um interesse e respectivo prejuízo econômicos, para legitimar o terceiro a opor-se à decisão proferida, posto que nesses casos não há incompatibilidade entre o seu direito e aquele contemplado na sentença[10].

Liebman classifica três categorias de terceiros, pelo grau de influência que os efeitos de uma sentença possa ter sobre os mesmos[11]. No primeiro grupo, trata dos terceiros juridicamente indiferentes, para quem a sentença produz nenhum prejuízo, nada lhes restando senão reconhecer a eficácia da decisão proferida. No segundo grupo, são elencados os terceiros, com interesse de fato, ou seja, prático ou econômico, tangenciado pela eficácia da decisão proferida, e que por isso mesmo, não têm seu direito incompatibilizado com aquele contemplado na sentença. A eles a sentença nenhum prejuízo trás, e por isso também não podem a ele opor-se. O último grupo contempla os terceiros juridicamente interessados, subdivididos em dois outros grupos: os de interesse igual ao das partes e os de interesse inferior ao das partes. Na primeira subdivisão encontram-se os terceiros, que podem opor-se a sentença, por lhe trazer prejuízo ao seu direito. Exemplo dessa categoria de terceiros[12]: a ação reivindicatória de imóvel de A contra B, julgada procedente, mas cujo proprietário é, na verdade, C. Este ao tomar conhecimento da decisão proferida, pode contra ela opor-se, intentando ação própria para pleitear seu direito contra aquela beneficiado pela sentença, visto não estar sujeito à autoridade da coisa julgada. Nesse caso, o terceiro não discutirá aquela sentença, mas obterá uma nova decisão, declarando o seu direito. No segundo subgrupo encontram-se os terceiros com interesse jurídico ou subordinado aos das partes, porque titulares de relações jurídicas dependentes da relação sobre a qual foi proferida a sentença. Estes, embora terceiros com relação processo, não poderão opor-se à coisa julgada para obter o mesmo bem discutido naquele processo, mas podem dela insurgir-se, através de ação própria para obter o que lhe confere a ordem jurídica material, alegando injustiça ou ilegalidade da decisão. Assim, por exemplo, a sentença que condenou o Estado a indenizar o dano causado por ato de funcionário, que não é parte no processo, não opera coisa julgada em face do mesmo. Este, na ação de regresso que lhe move o Estado, poderá insurgir-se contra a sentença condenatória, alegando sua injustiça ou ilegalidade e, por este meio, exonerar-se da obrigação de repor o valor indenizado pelo Estado[13].

Nas ações de estado, o Código de Processo Civil, que a coisa julgada opera contra todos. Dispõe o artigo 472, segunda sentença: Nas causas relativas ao estado das pessoas, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. Nesses casos a autoridade da coisa julgada opera erga omnnes, não sendo possível a ninguém opor-se a ela.

Na verdade, crê-se que o dispositivo não propicia nenhuma exceção à regra norteadora dos limites subjetivos da coisa julgada, se circunscreverem às partes no processo. Para Santos[14], mesmo nesses casos a coisa julgada não atingiria terceiros, visto que a condição para que isso acontecesse é que fossem citados todos os interessados diretos ou juridicamente interessados, em litisconsórico necessário, não restando, dessa forma, terceiros que pudessem ser considerados prejudicados pela sentença[15].
Bibliografia

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A./GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil, 2a. edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000.

BEDAQUE, José Roberto. Direito e processdo - Influência do direito material sobre o processo, 2a. edição, Malheiros Editores, São Paulo, 1997.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, vol. I, Editora Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1999.

COSTA, Lopes. Manual elementar de direito processual civil, 3a. edição, atualizada por Sálvio de Figueiredo Teixeira, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1982.

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual Civil brasileiro, vol. 2, Editora Saraiva, São Paulo, 1996, pág. 252.

LIEBMAN, Enrico Tulio. Eficácia e autoridade da sentença, 2a. edição, tradução de Alfredo Buzadi e Benvindo Aires, e textos posteriores por Ada Pallegrini Grinover, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1981. Enquanto a sentença ainda estiver sujeita a recurso, não se encontra apta a produzir seus regulares efeitos. Significa que ela ainda pode vir a sofrer alterações, dado o consagrado duplo grau de jurisdição. Portanto, enquanto sujeita a recurso, o Estado ainda não prestou a tutela jurisdicional final, atuando a vontade do ordenamento jurídico ao caso concreto em juízo deduzido. Há, no entanto, um momento, em que a sentença encontra estabilidade e se torna incólume, seja porque esgotados os recursos, seja porque este não foram utilizados nos prazos legais.

Desde que não mais sujeita a recurso, a sentença transita em julgado, isto é, torna-se inatacável. A coisa julgada, assim, está ligada à idéia de término, de encerramento do processo e a imutabilidade daquilo que ali foi decidido.

O instituto da coisa julgada objetiva a segurança na sociedade, impedindo que os conflitos se prolonguem indefinidamente, ou que possam ser repetidos ao arbítrio dos interessado. Ao Estado, como meio de ordenação com vistas à realização do interesse geral, não interessa a perenização dos conflitos. Para isso deve estar garantida a segurança, que se entende também presente na idéia de justiça, escopo maior do Estado. O instituto é de tão grande importância, que, pertinenentemente à coisa julgada material, constitui garantia insculpida no art. 5, XXXVI, ca Constituição Federal: A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Em doutrina já se ensinou, que o principal efeito da sentença seria a formação da coisa julgada. Outra corrente, majoritariamente aceita, entende que a coisa julgada é uma qualidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença[1]. Para a teoria dominante, que é a de Liebman, a coisa julgada é a imutabilidade do comando emergente de uma sentença[2]. Não é efeito da sentença, mas a qualidade dela, representada pela sua imutabilidade ou a de seus efeitos.

O Código de Processo Civil, no artigo 463, preceitua que o efeito principal da sentença é o de esgotar a função jurisdicional. A coisa julgada é de aí, não o efeito, mas a qualidade que torna imutáveis os efeitos da sentença, não mais sujeita a recursos.
Coisa julgada formal e material

Desde que não mais sujeita a recurso, a sentença transita em julgado, isto é, torna-se inatacável. A Lei Processual, no art. 467, limita-se a definir a coisa julgada material, quando textua: Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. A coisa julgada, todavia, deve ser considerada em seus dois aspectos: formal e material. Não sendo mais possível a impugnação da sentença no processo em que foi proferida, ocorre o que se denomina de coisa julgada formal, ou seja a imutabilidade da sentença dentro do processo. Entre uma e outra, na afirma a doutrina[3], não existe diferença senão de grau de um mesmo fenômeno. Esta, a coisa julgada formal, é uma qualidade da sentença quando não mais recorrível, aquela, a coisa julgada material, uma eficácia específica da sentença, a autoridade da coisa julgada, condicionada à formação da primeira.

A coisa julgada formal está ligada a idéia de término do processo. Consiste na imutabilidade da sentença da sentença pela preclusão dos prazos para recurso. Decorre que, da impossibilidade de interposição de recursos, seja pelo decurso de prazo, seja porque não cabíveis, seja pelo desinteresse do vencido, a sentença se torna imutável naquele processo onde foi proferida. Com isto, o Estado cumpre seu dever na entrega da prestação jurisdicional[4]. Desse modo, ao seu tempo, todas as sentenças, sejam terminativas ou definitivas, fazem coisa julgada formal. A coisa julgada formal pode incidir, sem que incida a coisa julgada material. É o caso das sentenças terminativas, que somente extinguem o processo, sem conhecer do mérito. Razão por que, nesses casos, em que atua somente dentro do processo, não impede que se o discuta em outro processo.

A coisa julgada material, por seu turno, só ocorre nas sentenças de mérito. Para estas, ocorrendo a coisa julgada formal, via de regra, ocorre também a coisa julgada material. É que o exaurimento dos recursos, faz com que se torne imutável o comando emergente da sentença, que se projeta não só no processo, como além dos limites deste. A partir do trânsito em julgado material a sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas (art. 468, CPC). Revelando-se lei entre as partes, a imutabilidade dos efeitos da sentença, incidem não somente no processo, como também impedem que a mesma demanda volte a ser decidida em qualquer outro processo, em qualquer juízo ou tribunal.
Limites objetivos da coisa julgada

Já se viu que a sentença transita em julgado, quando não lhe socorre mais recurso. A questão dos limites objetivos, diz respeito à extensão da autoridade da coisa julgada, isto é, sobre o que efetivamente incide. Trata-se de saber o que, na sentença, torna-se imutável, o que transita em julgado. Afinal, é processual a essência da coisa julgada. Isto é, com ela fica vedada qualquer nova decisão sobre a mesma questão já decidida, seja pelo órgão que a proferiu seja por qualquer outro. Desse modo para que fique bem delineado o exato alcance do comando emergente da sentença, é necessário também a identificação precisa da relação jurídica material, sobre a qual incidirá o provimento[5].

A sentença é composta de três elementos, que lhe são essenciais, como se tem do art. 458, do Código de Processo Civil. Mas, não são todos esses elementos que se acobertam de imutabilidade. A imutabilidade decorrente do trânsito em julgado reveste o conteúdo decisório[6], portanto, o dispositivo da sentença. O art. 468, do CPC, dispõe que a sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. A expressão lide, no nosso sistema, designa o objeto do processo (Streitgegenstand)[7], isto é, a pretensão ali deduzida: o mérito. Mas, se a pretensão no processo deduzida é o objeto material do processo, não se pode esquecer que ao lado desse, há também um objeto formal do processo, que é o próprio processo. Para a fixação dos limites da autoridade da coisa julgada, no entanto, importa é aquilo sobre o que a sentença decidir, o mérito; ou seja, sobre a pretensão posta pelo autor na petição inicial. Nunca é demais lembrar, que o pedido fixa os limites da lide (arts. 128 e 460 CPC).

Com o pedido e a causa de pedir ficam fixados os limites do julgamento que incidirá sobre a relação jurídica entre as partes. Decidindo a lide, o juiz decide sobre o pedido, daí que a coisa julgada tem como objeto o pedido[8]. Portanto, é o dispositivo da sentença, que opera coisa julgada material.

O artigo 469, do Código de Processo Civil, autoriza a conclusão, de que somente a parte dispositiva é que se acoberta da autoridade da coisa julgada. O referido texto, dispõe que não fazem coisa: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença; III -  a apreciação de questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.

A despeito de sua importância para o deslinde da demanda posta em juízo, razão por que sobre ela o juiz se manifesta, a matéria contemplada no dispositivo legal, não faz coisa julgada, podendo ser reapreciadas em outra ação. No entanto, a decisão sobre questão prejudicial operará coisa julgada, quando a parte o requerer, o juiz for competente para conhecer da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide (art. 470, CPC).
Limites subjetivos da coisa julgada

A despeito de ser a sentença ato do poder estatal, por uma de suas funções, e ser eficaz contra todos, a coisa julgada opera, de regra, somente entre as partes. Isto quer dizer, que todos devem respeito à decisão do órgão jurisdicional, mas a autoridade da coisa julgada, não pode prejudicar, nem beneficiar que não foi parte no processo. É princípio, que data dos romanos e que orienta o alcance subjetivo da coisa julgada. Corresponde à própria natureza processual do instituto, já que, se foram as partes que objetivamente estabeleceram o conteúdo da decisão transitada em julgado, somente a elas deve se restringir, não alcançando terceiros estranhos ao processo. É o que dispõe a lei processual, no seu artigo 472: A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros...

Desse modo, os terceiros não podem ser atingidos pela imutabilidade da sentença, mas podem ser atingidos indiretamente pelos efeitos da sentença. Trata-se aqui da preconizada distinção de eficácia natural da sentença e autoridade da coisa julgada formulada por Liebman[9], pela qual a primeira vale para todos e a segunda somente para as partes. Por não serem atingidos pela autoridade da coisa julgada, desde que prejudicados pelos efeitos da sentença, os terceiros podem a ela se opor. Porém, somente os terceiros que tenham um interesse jurídico, que conflite com a decisão proferida, e que em razão dela sofra um prejuízo também jurídico, é que pode a ela opor-se. Não basta um interesse e respectivo prejuízo econômicos, para legitimar o terceiro a opor-se à decisão proferida, posto que nesses casos não há incompatibilidade entre o seu direito e aquele contemplado na sentença[10].

Liebman classifica três categorias de terceiros, pelo grau de influência que os efeitos de uma sentença possa ter sobre os mesmos[11]. No primeiro grupo, trata dos terceiros juridicamente indiferentes, para quem a sentença produz nenhum prejuízo, nada lhes restando senão reconhecer a eficácia da decisão proferida. No segundo grupo, são elencados os terceiros, com interesse de fato, ou seja, prático ou econômico, tangenciado pela eficácia da decisão proferida, e que por isso mesmo, não têm seu direito incompatibilizado com aquele contemplado na sentença. A eles a sentença nenhum prejuízo trás, e por isso também não podem a ele opor-se. O último grupo contempla os terceiros juridicamente interessados, subdivididos em dois outros grupos: os de interesse igual ao das partes e os de interesse inferior ao das partes. Na primeira subdivisão encontram-se os terceiros, que podem opor-se a sentença, por lhe trazer prejuízo ao seu direito. Exemplo dessa categoria de terceiros[12]: a ação reivindicatória de imóvel de A contra B, julgada procedente, mas cujo proprietário é, na verdade, C. Este ao tomar conhecimento da decisão proferida, pode contra ela opor-se, intentando ação própria para pleitear seu direito contra aquela beneficiado pela sentença, visto não estar sujeito à autoridade da coisa julgada. Nesse caso, o terceiro não discutirá aquela sentença, mas obterá uma nova decisão, declarando o seu direito. No segundo subgrupo encontram-se os terceiros com interesse jurídico ou subordinado aos das partes, porque titulares de relações jurídicas dependentes da relação sobre a qual foi proferida a sentença. Estes, embora terceiros com relação processo, não poderão opor-se à coisa julgada para obter o mesmo bem discutido naquele processo, mas podem dela insurgir-se, através de ação própria para obter o que lhe confere a ordem jurídica material, alegando injustiça ou ilegalidade da decisão. Assim, por exemplo, a sentença que condenou o Estado a indenizar o dano causado por ato de funcionário, que não é parte no processo, não opera coisa julgada em face do mesmo. Este, na ação de regresso que lhe move o Estado, poderá insurgir-se contra a sentença condenatória, alegando sua injustiça ou ilegalidade e, por este meio, exonerar-se da obrigação de repor o valor indenizado pelo Estado[13].

Nas ações de estado, o Código de Processo Civil, que a coisa julgada opera contra todos. Dispõe o artigo 472, segunda sentença: Nas causas relativas ao estado das pessoas, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. Nesses casos a autoridade da coisa julgada opera erga omnnes, não sendo possível a ninguém opor-se a ela.

Na verdade, crê-se que o dispositivo não propicia nenhuma exceção à regra norteadora dos limites subjetivos da coisa julgada, se circunscreverem às partes no processo. Para Santos[14], mesmo nesses casos a coisa julgada não atingiria terceiros, visto que a condição para que isso acontecesse é que fossem citados todos os interessados diretos ou juridicamente interessados, em litisconsórico necessário, não restando, dessa forma, terceiros que pudessem ser considerados prejudicados pela sentença[15].

Bibliografia

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A./GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil, 2a. edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000.

BEDAQUE, José Roberto. Direito e processdo - Influência do direito material sobre o processo, 2a. edição, Malheiros Editores, São Paulo, 1997.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, vol. I, Editora Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1999.

COSTA, Lopes. Manual elementar de direito processual civil, 3a. edição, atualizada por Sálvio de Figueiredo Teixeira, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1982.

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual Civil brasileiro, vol. 2, Editora Saraiva, São Paulo, 1996, pág. 252.