Cognitivismo - o fenômeno social, o domínio linguístico e a consciência segundo Maturana e Varela
Por Paula Patrícia Santos Oliveira Martins | 04/11/2020 | PsicologiaCognitivismo - o fenômeno social, o domínio linguístico e a consciência segundo Maturana e Varela
A relevância da obra de Maturana e Varela está no ato reflexivo da observação do indivíduo em sua totalidade, partindo do meio social em que vive à compreensão do mundo. A partir de um pressuposto biológico da cognição humana, como elemento fundamental para a conservação de nossa organização e adaptação, os autores constroem a ideia de que o fenômeno social não se limita somente aos homens, mas a todos os seres vivos entendidos como sistemas determinados estruturalmente. Em “Biologia del fenómeno social”, Maturana explica o que são os seres vivos, utilizando-se de argumentos que evidenciem os processos internos que se realizam dentro do próprio sistema, como estrutura fechada, em que os seres vivos são parte de um sistema em contínua mudança estrutural, como resultado das interações com o meio, a partir de uma estrutura inicial, compreendendo todos os fenômenos sociais (Naputano; Justo, 2018).
Levando em consideração os pilares conceituais da biologia, quanto à conservação e a variação, como pressupostos que se constituem mutuamente, privilegia-se a autopoiesis como a possibilidade da construção de um mecanismo fundamental que permite a interação entre os sistemas sociais humanos. Conclui-se, então, que o mecanismo basilar que permite a interação entre esses sistemas é a linguagem, elemento central para a compreensão da teoria de Maturana. Mas, não é a análise da linguagem que encontramos nas estruturas de Saussure ou Chomsky, ou nos atos linguísticos de Wittgenstein que evidenciam a linguagem como uma ação social construtiva (Amerio, 2007), é na construção da história evolutiva do homem, que Maturana concebe a ideia da linguagem como organização de comportamento primário, que possibilita o entendimento da elaboração de um mundo crivado de elementos sociais, de uma auto-observação, diferenciando o “eu” dos “outros” (Naputano; Justo, 2018).
Ao analisarmos a linguagem como um aspecto especial e aprimorado de interação entre os seres vivos, compreende-se que quando há interações um pode modificar o comportamento do outro – a) gerando uma cadeia de comportamento fechado, através do comportamento de ambos, de forma que o comportamento subsequente de cada um é sempre estritamente dependente do comportamento do outro. b) gerando interações independentes e paralelas, mesmo sem nenhuma cadeia de comportamento ser diretamente gerada. O comportamento de um organismo orienta o comportamento do outro, inexistindo dependência estrita, mas apenas parcial. O que se observa é que na primeira situação, os organismos simplesmente interagem, já na segunda, há uma comunicação, e tem-se aí a essência de todo comportamento linguístico. Dessa forma, conceitua-se comunicação como um tipo original de comportamento coordenado entre os membros de uma unidade social. E sendo um comportamento, é possível a deferência entre a comunicação intuitiva - filogênica e aprendida – ontogênica (Ramos, 2020).
Para Maturana, os comportamentos que são adquiridos ontogenicamente, no processo comunicativo de um fenômeno social, e que se mantem invariáveis por gerações, geram os comportamentos linguísticos. Quando se observa a recorrência de interações entre dois ou mais organismos, temos um acoplamento social, destes acoplamentos, os comportamentos adquiridos, são os domínios linguísticos, estes suscetíveis a descrições semânticas, o que constituem o cerne da linguagem, gerando assim uma ação reflexa, ou seja, uma ação que coordena outras ações, constituindo-se em distinções linguísticas. Desta forma, entende-se que toda descrição semântica, manifesta uma função denotativa à linguagem, e para tal é necessário o domínio cognitivo, operacionalizado na interação comunicativa dos agentes emissor e receptor.
O fenômeno social humano e sua dependência linguística criou o binômio mente e consciência humana. Segundo Ramos, a linguagem torna os humanos capazes de descrever a si mesmos e as circunstâncias através das quais as distinções linguísticas se processam. A autoconsciência emerge como um fenômeno de auto-descrição através da aplicação de um processo recursivo de descrições. Percebe-se, então, que quando há uma interação com as descrições linguísticas, há uma observância de si próprio (auto-observação), adquirindo, assim a autoconsciência.
O fato é que, é através do linguajar que o ato do conhecimento, da coordenação comportamental que é a linguagem, constitui um mundo. Nós elaboramos nossas vidas numa mútua dependência linguística, não porque a linguagem nos permite revelar a nós mesmos mas porque somos constituídos na linguagem em uma contínua evolução que produzimos uns com os outros. Encontramos a nós mesmos nesta dependência co-ontogênica, não como uma referência já existente nem com referência a uma origem, mas como uma contínua transformação na evolução do mundo lingüístico que construímos com os outros seres humanos." (Maturana, 1992:234).
Referencias Bibliográficas
AMERIO, P. Fondamenti di psicologia sociale. Bolonha: Il Mulino, 2007.
MATURANA, H. R. Emoções e linguagem na educação e ana política. Editora da UFMG. Belo Horizonte, 1999.
MATURANA, H. R. Biología del fenómeno social. In: MATURANA, H. R. Desde la biología a la psicología. 4. ed. Santiago: Editorial Universitaria, 2006.
NAPUTANO, Marcelo; JUSTO, José Sterza. A biologia do conhecer de Maturana e algumas considerações aplicadas à educação. Ciênc. Educ. vol.24, no.3, Bauru. Set. 2018. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
Acesso em 16 de setembro de 2020.
RAMOS, Edla M. F. O trabalho de Humberto Maturana e Francisco Varela. UFSC, 2020. Disponível em: https://aneste.org/o-trabalho-de-humberto-maturana-e-francisco-varela.html
Acesso em 16 de setembro de 2020.