Cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho e os entendimentos dos Tribunais Brasileiros

Por Steffani Carvalho de Santana | 10/05/2017 | Direito

No Direito do Trabalho, o acordo de não concorrência consiste na obrigação pela qual o empregado se compromete a não praticar, pessoalmente ou por meio de terceiro, ato de concorrência para com o empregador durante a vigência do contrato de trabalho.

A concorrência durante a vigência do contrato de trabalho torna-se inadmissível, por ser um dever elementar, ou seja, o trabalhador não pode servir a dois empregadores com interesses opostos ou exercer por conta atividade concorrente com seu empregador, caracterizando-se, inclusive, como falta grave, a justificar a rescisão por justa causa do contrato de trabalho, conforme art. 482, "c", da CLT[1].

Dessa forma, na vigência do contrato de trabalho, o dever de não concorrência é obrigação integrante e inerente a todo e qualquer contrato de trabalho, eis que seu descumprimento pode gerar demissão por justa causa.

Não obstante, para que gere maior clareza e segurança jurídica para ambas as partes, é sempre ideal que a pactuação quanto a não concorrência seja prevista de forma expressa no contrato de trabalho.

De outro lado, ressaltamos que em todos os julgados analisados verificou-se ser pacífica a possibilidade de existência de cláusula de não concorrência específica no contrato de trabalho para período pós-vigência do contrato de trabalho.

Sua possibilidade de contratação é fruto do artigo 444 da CLT[2] que permite a livre contratação entre as partes de tudo aquilo que não for contrário ao sistema jurídico nacional.

Dessa forma, já no momento da contratação e da assinatura do contrato de trabalho é possível (e recomendável) que se preveja cláusula de não concorrência para o período de vigência do contrato e para o período posterior, de forma a se poder executar essa obrigação ou não uma vez findo o contrato, ficando a opção por parte do empregador.

No tocante aos contratos de trabalho já celebrado e que não tenham essa obrigação, defende-se a aplicação do art. 468 da CLT[3], no qual entende que desde que por mutuo consentimento e que não resulte, direta ou indiretamente, em prejuízo para o empregado, as alterações nos contratos individuais de trabalho são licitas.

Entretanto, analisando caso de inclusão dessa cláusula em contrato de trabalho já celebrado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) no Recurso de Revista nº 1948-28.2010.5.02.0007, em acórdão publicado em 30/05/2014 no DJE, entendeu que a cláusula de não concorrência deve ser estipulada no ato da contratação do empregado, para que não se configure alteração prejudicial do contrato do trabalho.

Por outro lado, há uma corrente minoritária que entende pela não validade da cláusula de não concorrência para período após o término do contrato de trabalho, tendo em vista a garantia constitucionalmente no qual é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais (art. 5º, XIII da CF)[4], não podendo, tal direito, ser limitado por um pacto entre as partes.

Ainda que a corrente majoritária entenda pela existência e validade do pacto de não concorrência para período posterior ao término do contrato de trabalho, para que isso tenha plena validade, devem ser observados alguns requisitos de forma concomitante, em suma:

  1. Limitação temporal do referido compromisso, podendo (devendo) utilizar, por analogia, o prazo máximo de 02 anos (art. 445, caput, da CLT e período de possibilidade de ingresso de reclamação trabalhista)[5];
  2. Compensação financeira adequada a ser paga após o término do contrato, não sendo possível o pagamento “antecipado” desse valor;
  3. Limitação específica das atividades vedadas, de forma a guardar relação direta com as atividades desempenhadas, de forma a evidenciar todas as restrições, indicando campo de atuação vedada, forma de atuação proibida e eventuais detalhes técnicos;
  4. A limitação geográfica do acordo, a qual irá depender da dimensão espacial onde se dá ou onde se tem influência da atividade econômica do empregador.

A não observância de qualquer dos itens acima torna a cláusula nula e ineficaz, sendo certo ainda que mesmo no caso de todos os requisitos estarem presente e serem cumpridos, o judiciário eventualmente pode invalidar a cláusula de acordo com entendimento minoritário sobre o tema.

Abaixo, o entendimento dos nossos Tribunais do Trabalho que fundamentam a opinião legal acima:

  1. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

RECURSO DE REVISTA. NULIDADE. ACÓRDÃO REGIONAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. QUESTÃO JURÍDICA. O Colegiado de origem consignou expressamente as razões do seu convencimento, restando expedidos fundamentos suficientes à compreensão da lide, não havendo falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional. Registre-se, de qualquer sorte, que eventual omissão relativa a questões jurídicas trazidas no recurso ordinário e nos embargos de declaração não ensejaria a nulidade da decisão recorrida, a teor do item III da Súmula 297 do TST. Ilesos os arts. 93, IX, da Constituição da República, 832 da CLT e 458 do CPC. Recurso de revista não conhecido, no tema. TERMO DE CONFIDENCIALIDADE E NÃO CONCORRÊNCIA. NULIDADE. ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO DE TRABALHO. CONDIÇÃO POTESTATIVA. ASSINATURA APENAS DO TRABALHADOR. 1. Hipótese em que consignado pelo TRT que - as partes pactuaram cláusulas especiais mediante Termo de Confidencialidade e Não Concorrência (fls.47/50) dois meses após a admissão do réu, na forma de adendo, tendo a relação empregatícia vigorado de 21 de agosto de 2006 a 27 de abril de 2010, ou seja, o Termo foi ajustado ainda no início da vigência contratual, sendo certo que nenhum vício de consentimento restou comprovado pelo recorrente, a fim de infirmar a validade do pacto -. 2. A teor do art. 444 da CLT, as relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação entre as partes, desde que observadas as disposições de proteção ao trabalho, as normas coletivas aplicáveis e as decisões das autoridades competentes. 3. Por sua vez, prescreve o art. 468 da CLT que, - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições, por mútuo consentimento, e, ainda assim, desse que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia -. 4. No caso, o TRT concluiu pela validade da alteração do contrato de trabalho, haja vista que não restou comprovado o vício de consentimento, tampouco caracterizado prejuízo, de modo a invalidar a avença. 5. Todavia, a estipulação de cláusula de confidencialidade e não concorrência, a par de cingir-se à esfera dos interesses meramente privados, somente pode ser reputada válida mediante juízo de ponderação, ante a colisão de direitos fundamentais tais como o livre exercício de trabalho ou profissão, a proteção da propriedade privada e o primado da livre iniciativa, dentre outros princípios. 6. Imprescindível, por sinal, a concessão de vantagens recíprocas, de modo a justificar a restrição temporária convencionada. 7. Por certo, a contrapartida oferecida pela empresa, consistente no pagamento mensal equivalente ao último salário do réu, que o TRT considerou proporcional à obrigação imposta, não possui o condão, por si só, de revestir de validade a restrição imposta no curso do contrato de trabalho. 8. É incontroverso, no caso, que em 21.8.2006, o reclamante foi contratado para desempenhar a função de Diretor de Tecnologia e Serviços da Autora, e que, nessa qualidade, exerceu atividades que o TRT entende justificar a celebração do Termo de Confidencialidade. Registrado, por sua vez, que somente após o interstício de dois meses, ou seja, com o contrato já em curso, foi celebrado aditivo ao contrato de trabalho, em que avençada referida - quarentena -. Não há, por sua vez, notícia acerca de qualquer alteração nas condições de trabalho do réu, pela qual se tenha agregado alguma vantagem ao trabalhador. 9. Não há como se depreender, em tal contexto, que restrição de tamanha importância decorra de livre estipulação, em que as partes se encontram em pé de igualdade, ainda que o réu ostente a qualidade de alto empregado, pois tal situação não afasta a condição de hipossuficiência do réu. Aliás, a impossibilidade de o réu desempenhar atividades análogas a que exercia, durante o período de um ano, pode inclusive resultar em significativo entrave à reinserção do réu em um mercado de trabalho que se sabe muito competitivo, mormente considerando a ausência de limitação territorial na cláusula de confidencialidade e não concorrência, o que leva concluir pela sua abrangência em todo o territorial nacional. 10. Soma-se a isso a evidente desproporção entre a contraprestação oferecida pela empresa - pagamento de salário mensal pelo período da restrição - e a multa em caso de descumprimento da obrigação pelo ex-empregado (multa não compensatória correspondente ao valor resultante da multiplicação do último salário do réu por 25), sem prejuízo da indenização decorrente da responsabilidade civil. Além disso, conquanto a empresa, em caso de descumprimento de sua obrigação, estivesse também sujeita a multa, tal seria calculada no importe de 12 vezes o salário do reclamante, ou seja, em montante inferior àquele devido pelo réu. Soma-se a isso, que a empresa poderia, a seu critério exclusivo, dispensar o reclamante de sua obrigação e, por conseguinte, a autora ficaria desobrigada do pagamento dos salários e da própria multa. 11. Não se olvida, por sua vez, que a contraprestação eventualmente paga pela empresa equivale ao último salário, o que, por sinal, não se confunde com remuneração. Desse modo, concebido que a cláusula de confidencialidade e não concorrência não estava definida no momento da contratação, como uma condição para a admissão do réu no cargo de Diretor de Tecnologia, conclui-se pela alteração prejudicial das condições de trabalho, pela submissão do réu aos termos do pacto. Recurso de revista conhecido e provido. (RR 19482820105020007 - Órgão Julgador 1ª Turma - Publicação DEJT 30/05/2014 - Julgamento 21 de Maio de 2014 - Relator Hugo Carlos Scheuermann) 

  1. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2º REGIÃO 

CLÁUSULA DE NAO CONCORRÊNCIA. VALIDADE. É válida a inserção de cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, desde que restrita a determinado segmento de mercado e estabelecida por tempo razoável, além de prever indenização compensatória. Não há que se falar em alteração contratual lesiva (CLT, art. 468) na medida em que as normas contratuais decorreram de mútuo consentimento e não acarretaram prejuízo ao Reclamante, observando os princípios e normas legais. Referida cláusula tem como justo objetivo proteger segredos industriais entre empresas concorrentes, procurando evitar a quebra de sigilo. Na verdade, tal dispositivo contratual visa preservar os princípios da lealdade e da boa-fé (art. 422 do Código Civil), inexistindo mácula a respaldar a pretendida nulidade. (TRT-2 - RECORD: 1344200207802007 SP 01344-2002-078-02-00-7, Relator: SERGIO WINNIK, Data de Julgamento: 04/12/2007, 4ª TURMA, Data de Publicação: 14/12/2007)

 

RECURSO DA RECLAMADA. NULIDADE. TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DE ISENÇAO DE ÂNIMO PARA DEPOR. (...) CLÁUSULA DE NAO CONCORRÊNCIA. Dos termos do contrato firmado entre as partes, constata-se a nulidade da cláusula de não concorrência, tendo em vista que o valor da compensação estava englobado no salário e, portanto, foi pago antes mesmo do término da relação de trabalho, não cumprindo sua finalidade de indenização pelo período que deveria a recorrente estar afastada de colocação no mercado de trabalho. (...) (TRT-2 - RO: 1784200604002005 SP 01784-2006-040-02-00-5, Relator: LUIZ CARLOS GOMES GODOI, Data de Julgamento: 16/09/2009, 2ª TURMA, Data de Publicação: 06/10/2009)

 

  1. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA TERCEIRA REGIÃO

 

CLÁUSULA DE SIGILO E NÃO CONCORRÊNCIA. LIBERDADE DE TRABALHO. A condição imposta através de um pacto de sigilo e não concorrência para não se revelar as informações confidenciais, mesmo após o término da relação empregatícia, deve ser estabelecida dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. Isto porque a regulação de tais pactos não pode ser considerada como restritiva, de forma inconstitucional, a ponto de afetar o princípio fundamental do valor social do trabalho. (TRT-3 - RO: 01184201209703000 0001184-65.2012.5.03.0097, Relator: Convocada Maria Cecilia Alves Pinto, Quarta Turma, Data de Publicação: 02/09/2013,30/08/2013. DEJT. Página 147. Boletim: Sim.)

 

  1. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA QUARTA REGIÃO

INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO AO TRABALHADOR. Não havendo demonstração de que a observância de cláusula de não concorrência existente no contrato de trabalho prévio tenha impossibilitado a contratação do trabalhador por outra empresa ou impedido, de qualquer forma, o posterior desempenho de suas atividades profissionais, inexiste prejuízo capaz de ensejar o deferimento da indenização reparatória pretendida. Negado provimento ao recurso do reclamante. (TRT-4 - RO: 00017812720105040404 RS 0001781-27.2010.5.04.0404, Relator: RAUL ZORATTO SANVICENTE, Data de Julgamento: 25/09/2013, 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul) 

  1. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA DECIMA QUINTA REGIÃO 

CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA - VIGÊNCIA APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO TEMPORAL, TERRITORIAL E DE OBJETO - IMPOSSIBILIDADE - ATO ILÍCITO DO EMPREGADOR - Cláusula de não-concorrência pactuada entre as partes sem conter limitação, seja de caráter temporal, territorial ou delimitação do objeto da restrição de atividades, com projeção após a rescisão contratual é nula de pleno direito, porque fere a autonomia de vontade do trabalhador e cria óbice à sua nova colocação. (TRT-15 - RO: 27957 SP 027957/2003, Relator: ELENCY PEREIRA NEVES, Data de Publicação: 19/09/2003) 

Salvo melhor juízo, conforme atestam os julgados transcritos acima, a cláusula de não concorrência para período após a vigência do contrato de trabalho, para ter validade (que sempre poderá ser discutida pelo ex-empregado), deve: (i) ser feita de forma expressa e preferencialmente no momento da contratação, (ii) delimite um território específico de forma mais limitada possível, (iii) delimite um período de não concorrência, (iv) delimite as atividades vedas de forma mais restrita possível, e que (v) haja indenização posterior que não integre o salário do empregado.

Ainda assim, a depender do caso concreto sempre será possível a discussão judicial, tendo em vista que a jurisprudência e interpretação das normas podem mudar ao longo do tempo.

Por fim, importante salientar que a não concorrência não se confunde com a obrigação de sigilo. A obrigação de sigilo é dever jurídico baseado em pressuposto ético, que exige resguardar informações necessárias ao cumprimento da atividade do empregador. Há obrigação, portanto, de não revelar o que se sabe, especialmente se utilizado após o término do contrato para benefício de um concorrente.

A violação de sigilo da empresa é base, inclusive, para demissão por justa causa, nos termos do art. 482, “g”, da CLT. É hipótese comum no campo da espionagem industrial. Métodos de trabalho (know-how), segredos de fabricação e invenção, são cobiçados pela concorrência desleal. Conforme Alice Monteiro de Barros:

O comportamento assume maior gravidade quando os beneficiários da infidelidade forem concorrentes do empregador. Incorre na prática desse ato faltoso, por exemplo, o empregado que desenvolvia ‘software’ para uso do empregador e o passava para outra empresa.[6]

Violação de sigilo (ou segredo) é também considerada crime, nos termos do art. 195, XI, da Lei 9.279/96. Como diz Regiane Teresinha de Mello João, não há de se confundir utilização da experiência profissional do empregado, por força do contrato de trabalho, com obrigação de manter sigilo:

É tênue a delimitação entre a habilidade pessoal, adquirida pela experiência profissional, e o uso de conhecimento de dados ou informações confidenciais do ex-empregador, aos quais o empregado teve acesso em decorrência da prestação de trabalho e para uso exclusivo nos limites dessa atividade.[7]

O dever de sigilo, portanto, é impositivo e sequer precisa ser previsto em contrato, de forma que não se confunde com o dever de não concorrência, são deveres/direitos diversos e autônomos entre si. 

Referências:

[1]Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: (...)

  1. c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

[2] Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

[3] Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

[4] Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

[5] Art. 445 - O contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos.

[6] Curso de direito do trabalho, p. 905

[7] Cláusula de não concorrência no Contrato de Trabalho, p. 32.