CLASSIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO

Por david schnaid | 28/03/2011 | Filosofia


David Schnaid*

1- O estudo do conhecimento pertence ao campo da filosofia denominado Gnoseologia. A classificação do conhecimento não dispensa a gnoseologia, mas limitada a investigação ao tema proposto, abstraem-se aqui estes prolegômenos e se adentra logo a Epistemologia que tem por objeto exatamente demarcar os limites das diversas modalidades do conhecimento, os critérios de aferição do seu valor, os seus respetivos métodos e lógica.
2- Existem várias classificações, que podemos reunir em dois grandes grupos: a biblioteconômica, destinada a faci.litar coleções de papéis ou livros; e a filosófica, ou valorativa, ou por conteúdo, assim designadas por obedecerem a uma ordem de conteúdo respctivo. Em geral, elas obedecem a elementos identificadores existentes nos objetos do conhecimento: o cosmo, a natureza, o homem, os animais, os inanimados etc. O tema tem preocupou pensadores como Jeremias Bentham, John Locke, Augusto Comte, Herbert Spencer, sem falar na antiguidade Clássica, por exemplo, em Aristóteles; e na Idade Média, e as classificações escolásticas.
3- Divergindo, aqui se fez a classificação das diversas modalidades de conhecimento, obedecendo aos critérios de aferição do seu valor, seu método e sua lógica, que variam segundo a modalidade, como se vê a seguir. Essa classificação é preferida pelo seu potencial para o desenvolvimento do discurso, da pesquisa, da análise de todo o conhecimento, o que lhe proporciona enorme aplicação.
Por esses critérios, diferenciamos as diversas formas de conhecimento, reunindo-os em seis categorias: vulgar ou mundano, científico, filosófico, metafísico, místico e tecnológico.
2-O conhecimento vulgar não tem preocupação crítica. É adquirido pela experiência. É particularizado, de maneira fragmentária, para atender às necessidades do dia-a-dia. Por exemplo, aprendemos a ler, a escrever, a dirigir um automóvel, a aplicar o nosso dinheiro, a dirigir nossos negócios, a apreciar a arte, sempre através da experiência. Mas em todos essas e muitas ourtras atividades, lidamos com coisas concretas, não com abstrações: distinguimos o certo de o errado, o verdadeiro de o falso, sem preocupação filosófica de investigar o que é o certo, o que é a verdade. O conhecimento vulgar é particularizado, esta casa, aquela, estas pessoas, aquelas, estas operações financeiras, estes negócios, não A casa, não O homem, não A economia..
O método e o processo lógico são primários, predominando a intuição dos dados da experiência e a aceitação da ideologia dominante no meio social. O critério de aferição desse conhecimento é o bom senso, através do qual os juízos formados e emitidos são aceitos ou não.
3- O conhecimento científico, ao contrário do anterior, é eminentemente crítico, isto é, preocupado com a validade dos juízos. O juízo é uma enunciação, contendo sujeito, predicado e o verbo. O conhecimento científico se vale do método e do uso da lógica. Trabalha não mais com o particular mas com conceitos, não obstante só os individuais existirem como realidade, e os conceitos só como suposição. Aristóteles examinou 158 constituições para chegar aos conceitos formulados em sua Política, valendo-se, assim, do método indutivo para chegar ao eidos contido nos conceitos. Os elemento comuns à espécie de objetos permitem a generalização, com abstração dos diferenciais. Por um processo de indução, através de generalização, chega-se aos conceitos, tais como força, potência, círculo, ângulo, homem, animal, vegetal, corpo, espírito, valor, espaço, tempo, norma, direito.. Conhecimento empírico, construído a partir das sensações percebidas pelos sentidos, seus objetos são quantificáveis e, assim, mensuráveis e suscetíveis de identificação numérica. As características do conhecimento científico são:
3.1 -é ontológico, isto é procura conhecer o ser das coisas. Por exemplo, a realidade sobre o homem, a vida, a alma, as formas, a matéria, o átomo, a Terra, o Universo, os processos como ocorrem, tais como o que provoca uma infecção, a relação de causa e feito entre pobreza e criminalidade etc..
3.2 - é fenomênico. Lida com a realidade fenomênica, não com a realidade-e-si: com números, unidades, formas, relações entre fenômenos, e, por mais generalizado e abstrato que possa ser, nunca deixa de ser empírico. A teoria científica é um instrumento conveniente para calcular e prever fenômenos ou aparências; não pode ser considerado uma descrição verdadeira da realidade. Os filósofos da ciência, de Barkeley a Mach, Duhem, Poincaré, Karl R. Popper, Bachelard, afirmam que o objetivo da ciência não é explicar ou descobrir a a "essência oculta das coisas", mas só o que é perceptível pela ciência humana. E concluem que "as teorias científicas são meros instrumentos" , desmistificando a pretensão de verdades absolutas das ciências naturais, assim como de sua neutralidade em relação ao ideológico. Thomaz S. Kuhn demonstrou que toda investigação científica não dispensa uma visão do mundo e uma metodologia, que são ifluenciados por juízos de valor e critérios subjetivos de preferência por umas hipóteses, teorias, terminologia As concepções tradicionais foram abaladas pela elaboração ou descoberta da geometria não?euclidiana, da física quântica, da teoria da relatividade, do cálculo infinitesimal, de novas lógicas. Na concepção de Ferdinan Schiller, "o que determina a sua verdade" é a sua aplicabilidade aos fatos correntes dos quais inicialmente dela seja abstraído.". Admite que "as leis da natureza são hipóteses e fórmulas inventadas para manipular os fatos (...) a abstração da individualidade das coisas é aceita por sua conveniência prática, na medida em que nos permite prever a futura conduta das coisas, para fazer concordar com ela nossa própria conduta.."
3.3- - procura formular leis, relações necessárias entre fenômenos, nexos que se repetem ligando os conseqüentes aos antecedentes, numa relação diática.. Das relações constantes entre fenômenos, podemos formular leis naturais e equações matemáticas. Por exemplo., um teorema matemático como "a superfície da esfera é o quádruplo da superfície de um círculo máximo". Na Ótica geométrica, sempre o "fator de reflexão será a razão entre o fluxo luminoso refletido e o fluxo luminoso incidente.". Em Química, sempre "o grau de ionização será a razão entre o número de moléculas ionizadas do ácido e o número de moléculas inicialmente dissolvidas no ácido." A Biologia nos fornece as classificações dos vegetais e animais, os tipos e espécies, os atributos, os órgãos, as funções de cada um, os processos de reprodução, nutrição, adaptação, as relações do ser vivo com o meio ambiente.
3.4 -- tem método próprio: parte da observação para a hipótese, que é confirmada ou não pela experimentação. Somente é científico o que pode ser experimentado e comprovado.
3.5 - -O critério de aferição de um conhecimento científico é a evidência resultante da comprovação experimental. Um juízo científico é verdadeiro se comprovado. A verdade pode ser sempre demonstrada através da repetição do experimento. Pode prever-se que, em idênticas condições, se ocorrer A se seguirá B, sendo aquele causa e este efeito. Verdade é a virtude de um enunciado de somente ele ser válido referente a algum aspecto do objeto, num determinado momento..
4- O conhecimento filosófico, como o anterior, é ontológico, eminentemente criítico, é fenomênico, trabalha com conceitos, a que se chega por um processo de indução,- mas é distinto.
4.1- É ontológico, porque voltado para o ser das coisas: a realidade do ser humano, da vida, do universo, de Deus, da matéria, da energia, da criação, do próprio conhecer, como também de coisas menores, como o riso ( há um estudo de Bérgson a respeito), o sonho, o desenvolvimento da linguagem, o processo de aprendizagem etc, mas sempre do ser integrado na realidade global, pantológico. Para John Dewey, a filosofia deve procurar entender " os problemas humanos" e soluciona-los, visando libertar a vida dos homens por meio da razão de toda a escravidão decorrente da routine da tradição e egoísmo.
4.2- Dizemos que é crítico, porque invade o desconhecido, busca a verdade. Ao contrário do conhecimento vulgar, que é prático e se alimenta da práxis. O conhecimento filosófico não se contenta com as aparências, parte da dúvida, investiga, formula hipóteses e submete estas a um crivo severo e impiedoso de análise, sob todos os aspetos possíveis. Daí a origem etimológica da palavra: filos (amigo) e sofos (verdade). Esta busca da verdade, do acerto, é mais do que um método, é uma atitude, um comprometimento, um propósito.
John L. Austin diz que a filosofia deve ser considerada "como uma indagação que não tem fim; mas esperamos (...) que nos iremos aproximando progressivamente, se não à verdade, ao menos à claridade mais completa."
4.3- É fenomênico, lidando com os fenômenos, a realidade fenomênica, a única que pode conhecer, embora busque sempre transbordar esses limites e entrar no campo proibido da Metafísica.
4.4 -O conhecimento filosófico se distingue do científico porque não consegue formular leis nem demonstrar a verdade de suas proposições através da experimentação. Aqui não se chega a relações necessárias entre fenômenos, de tal maneira que ocorrendo A se possa prever B, este conseqüente àquele, E as hipóteses não podem ser experimentalmente comprovadas.
4.5- No conhecimento científico, este é o método de chegar à verdade. Já no conhecimento filosófico, não há verdades e inverdades, um juízo filosófico não é verdadeiro ou falso, mas sim válido ou não.. Já Platão, em diálogo com Sócrates reconhecia que há assuntos sobre os quais é muito difícil conhecer exatamente, " e neste caso, é preciso escolher a doutrina que nos pareça a melhor, a mais resistente à refutação. Apoiado nela, como uma peça de madeira que flutua, devemos navegar pela vida arrostando os perigos, até que surja a oportunidade de encontrar alguma coisa mais forte e confiável, menos perigosa".
Com o progresso da civilização, o homem vai conseguindo ampliar o campo de seu conhecimento científico, e o que era mera especulação filosófica passou a integrar a ciência. Bartrand Russel afirma, com certa dose de cinismo, que "a ciência é o que conhecemos e a filosofia tudo o que não conhecemos." Para ele, a filosofia seria uma espécie de classificação, que se reserva àquilo que não pode ser ainda tratado cientificamente, de forma que à medida que o homem progride em seu saber se produz um deslocamento das questões, que inicialmente se haviam planteado no âmbito filosófico, para o científico. Também é o posicionamento de J. M. Bochenski, que, em Introdução ao Pensamento Filosófico, na p. 22, diz: "Assim, se designam filosóficas unicamente determinadas tentativas de resolver ou esclarecer diversos problemas ainda imaturos.". John Langshaw Austin, em Ifs and Cans, p. 109, se vale de uma bonita imagem: " Na história da investigação humana, a filosofia ocupa o lugar do sol central inicial, seminal e tumultuoso; de tempos em tempos, se desprende alguma porção de si mesmo que toma posição como uma ciência, um planeta tíbio e bem regulado, que progride regularmente até um distante estado final. Isto sucedeu há tempos com o nascimento da matemática e depois com o nascimento da física; somente no século passado (século XIX) presenciamos o mesmo processo uma vez mais, lento e em seu tempo quase imperceptível, quando se produziu o nascimento da ciência da Lógica Matemática, mediante o trabalho conjunto de filósofos e matemáticos." A teoria física de Einstein, ainda em 1919, era considerada altamente abstrata e especulativa, não faltando quem a debatesse e refutasse. Não se podia considera-la um conhecimento científico, até que fosse, como foi, testada e comprovada.
Na Antiguidade Clássica, todo o saber era objeto da filosofia. Enrico Pattaro, da Universidade de Bolonha, sobre a emancipação das ciências particulares anteriormente tutelados pela filosofia, assim se expressa: "Uma mostra da lentidão do processo a encontramos em que inclusive em épocas mais próximas a nós, como ser os séculos XV ao XVII, disciplinas do tipo da física ou a biologia se consideravam ainda partes da Filosofia natural, e dele persiste um testemunho ainda mais próximo no fato, recordado por M. Schlick, de que ainda em nossos dias algumas cátedras universitárias de Física teórica se denominam oficialmente cátedra de "filosofia natural". Só em um período mais recente, entre fins do XVIII e inícios de XX, a psicologia- que até então era um ramo da filosofia que tratava com escasso êxito de compreender os atos e pensamentos humanos- se separou do corpus filosófico, ao qual, inobstante, permaneceu ligado, em alguns paises, do ponto de vista acadêmico, até princípios do século XX."
4.6. - Seu método e sua lógica. O conhecimento filosófico tem seu método e sua lógica. O método é o argumentativo , e a lógica é o convencimento crítico dos juízos, resultado de uma a dialética racional. . A proposição é submetida a um bombardeio crítico, que começa com a dúvida e termina com a análise exaustiva que inclui o confronto com os fenômenos da realidade objetiva e todo o universo de conhecimentos adquiridos. . Para isso é indispensável examinar os juízos formulados não só com a concepção global da realidade, como com os fatos conhecidos ou dedutíveis para comparação e concordância.
4.7-- Qual, então, o critério de avaliação de um juízo ou uma proposição filosófica, para concluir de sua validade, a validatio cognitionis?
Nesse campo do conhecimento filosófico, não se trabalha com leis nem com verdades demonstráveis. O critério de aferição da validez de um juízo ou sistema filosóficos é o do convencimento crítico a que se chega através da dialética racional.
O convencimento crítico, em parte, é subjetivo e em parte deve ser objetivo. O convencimento objetivo é aquele que não é validamente refutável. Equivale ao critério designado por Popper, de aceitação por parte da comunidade científica. A refutação indireta pode ser científica, isto é, experimentalmente demonstrada, seja em laboratório, seja matematicamente, e ainda pela História. Quando aceito como válida a afirmação de E. Kant, de que nosso aparelho cognoscente não pode apreender a realidade noumênica, não tenho como comprovar experimentalmente a verdade desse juízo. A sua aceitação se dá após o processo mental que leva ao convencimento crítico.
Apesar de não permitir a previsibilidade nem a verdade científica, o conhecimento filosófico, graças ao seu método e à sua lógica, é de imensa importância para o homem. Com diz Chaim Perelman , "Conhecendo suas limitações, o filósofo sabe que seus esforços nunca produzirão uma obra definitiva e completa. (...) Caberá a outros, depois dele, continuar o esforço que será empreendido por mais racionalidade e justiça, e menos violência, nas relações humanas." Pode-se concordar com Moritz Schlick , quando diz que "enquanto as ciências consideram a verdade dos enunciados, a filosofia se ocupa do que os enunciados significam."
Mas a filosofia é algo mais. Sem a fiosofic ? já foi dito- o universo é caóiico, em pedaços, no qual o excesso de informações gera a desinformação. A ela compete reunir os estilhaços, as peças do grande quebra-cabeça da realidade.
5- O conhecimento tenológico. Essa forma de conhecimento se distingue de todos os demais, por ser dirigido, teleológico; essencialmente, ele busca atingir objetivos, realiza-los. Tendo propósitos, busca os meios de atingí-los. Exemplo de um propósito: combater a inflação: busca-se conhecer as suas causas e os meios de combatê-la e de implementar uma política de resultados. Desenvolve-se todo um conhecimento dirigido a esse propósito. Propósitos igualmente são construir um prédio, uma ponte, debelar as doenças, acabar com a criminalidade, permitir a vida dos homens em sociedade, onde possam gozar de segurança, justiça, ajuda recíproca. Designamos a este conhecimento de tecnológico. Os gregos o chamavam de práxis a atividade dirigida a um fim, com um propósito. É um conhecimento engajado, direcionado, provocado e explicado pelo propósito (causa finalis). O saber e o fazer estão intimamente condicionados, não se dispensa a teoria crítica e esta se enriquece com a práxis. Não é um conhecimento meramente teórico, o saber pelo saber, pura contemplação. É um conhecimento prático. Werner Goldschmidt diz isso com outras palavras: "As ciências práticas buscam o conhecimento, não para conhecer, senão para procurar com as ações o bem do homem (um bem distinto do puro ato de conhecer a verdade). A Filosofia Prática, por sua vez, ou é filosofia do "fazer" ou Arte, ou é filosofia do "agir" ou Moral. Muito clara a exposição de . C. Perelman: "As reflexões consagradas desde Aristóteles (Moral a Nicomaco, Livro III) até O. Globot ( La logique des jugements du Valeur, Paris, 1927), os raciocínios práticos, a elaboração e a lógica dos juízos de valor têm insistido sobretudo no aspecto técnico desses raciocínios. Busca-se um fim e há que estabelecer quais são os melhores meios para chegar a ele, os obstáculos que há que superar, de maneira que unicamente os valores instrumentais ou derivados são objeto de deliberação ou de uma reflexão da que se desprende a lógica." Como diz o jurista Benjamim N. Cardozo, "o direito assim como outros ramos das ciências sociais, deve satisfazer-se com o provar a validez de suas conclusões pela lógica das probabilidades, sem exigir a lógica da certeza." E, sobre o mesmo tema, Alf Ross adita ... "tenho sustentado que o princípio da pureza da ciência não fica violado sempre que se ponha de manifesto que esta parte da política jurídica não é de natureza científica. Na prática isso significa que as diretivas devem ser apresentadas não como conclusões científicas, vestidas de autoridade, como leis cientificamente descobertas, mas como um conselho, uma recomendação."
No conhecimento tecnológico, a teoria não se desvanece em noções abstratas, mas se integra à práxis. Essa associação entre o conhecimento e a ação visa sempre resultados. Não é um conhecimento ontológico, não visa descobrir a verdade das coisas, não se preocupa com o ser das coisas..
5.1- O conhecimento tecnológico é avaliado pela sua validade, não pela veracidade: é válido, se o resultado é o almejado; inválido, se não o atingiu. Por conseguinte, o critério de aferição de validade deste conhecimento é a sua eficiência. "Correta em relação ao seu escopo", diz Hiering : "A verdade é o escopo do conhecimento, mas não da conduta. A verdade é sempre uma, de forma que todo desvio dela, constitui erro. A oposição entre a verdade e o erro é absoluta. Para o agir (...) não há critério absoluto (...) A precisão do conteúdo volitivo gira em função de sua finalidade. Segundo este fator de ?direção? à finalidade (...) o idioma caracteriza a conduta como ?correta? ou como ?incorreta?. A correção assinala a consonância da vontade com aquilo que deve ser, ao passo que a verdade significa a concordância da idéia com aquilo que é."
São igualmente válidas as prescrições do médico para curar, e do assassino para envenenar suas vítimas. São avaliados e compreendidos em relação ao fim visado.. Se uma teoria sobre a inflação desenvolvida pela Escola de Chicago, merecedora do Prêmio Nobel, exitosa nos Estados Unidos e na Inglaterra, se aplicada no Brasil sem êxito, não foi válida. Uma prática médica sem nenhuma base científica, mas muito eficiente no combate a uma doença, é válida. As leis editadas para evitar a fraude nos negócios de câmbio, se não forem eficientes, terão que ser mudadas. Se um candidato político observa que seus meios de propaganda estão dando pouco resultado, deve buscar outros. Um medicamento analgésico é bom (válido) se minora a dor e pelo mínimo de contra-indicações. Escolhe-se a escola para nossos filhos pela educação proporcionada.
Pelo aqui exposto, se vê que o conhecimento tecnológico busca primeiro conhecer os propósitos, e dados estes, procura chegas aos meios de realiza-los. Um estadista, na chefia de um país, por exemplo, precisa conhecer muito bem a problemática nacional, desde os recursos de que pode dispor até as necessidades devidamente hierarquizadas. Com todas essas informações, compete-lhe estabelecer uma hierarquia, quais os escopos são mais urgentes, ou mais factíveis, ou mais importante; estabelecidos os propósitos e sua hierarquia, resta=lhe conhecer os meios e pôr em prática esses meios legislativos, administrativos, fiscais. Todo o conhecimento aí desenvolvido é dirigido, sempre tem um propósito, o qual somente pode ser compreendido e avaliado em função do fim visado. É o que E. Kant denomina de Razão Prática. E ao propósito, determinante de uma ação ou omissão, chamou de Imperativo Categórico.
5.2- O conhecimento tecnológico, além de ter valores distintos, que levam à eficiência, tem também um método próprio e uma lógica, também chamada de paralógica, voltados não para a busca da verdade, mas sim da validade. Por meio da lógica e da paralógica se busca conhecer, não o ser, mas o ser-para das coisas, pois elas somente podem ser compreendidas quando relacionadas ao escopo, numa relação de fim/meio. Rudolf Ihering assim expressa o aqui dito: "A pedra não cai com a finalidade de cair, mas porque deve, i.é., por lhe ter sido retirado o apoio; o homem, entretanto, que age, faz não em razão de um ?por que?, mas de um ?para que? ? e desta forma, conseguir algo."
Do exposto, fica claro que na ciência e na filosofia, o nexo é ôntico (objeto/idéia), e numa tecnologia, o nexo é deôntico (fim/meio). A distinção é fundamental. Stammler, em sua teoria do conhecimento jurídico, distingue o conhecimento que busca o conhecer, e o que busca o agir. O primeiro é acessível em função da causalidade; já o segundo é inteligível enquanto meio-para-fim. Só então ganha sentido e pode ser estudado como forma pura, compondo um conhecimento in genere, uniforme e certo.
5.3- O conhecimento tecnológico além de dirigido, é crítico, é empírico, é pragmático. Crítico, na medida em que suas afirmações se baseiam em argumentos racionais, e são aceitos ou não pelo convencimento induzido. Empírico, por decorrer da experiência, da observação. Pragmático, quando é avaliado pelos resultados, exclusivamente.
Conhecimento tecnológico não é a mesma coisa que técnica, mero conjunto de práticas recomendadas, eficientes, a serem seguidas, que se repetem, sem mais investigação. Assim, a técnica pianística não é a mesma coisa que a arte musical, esta sim um conhecimento tecnológico. A técnica só indica quais meios são necessários empregar para a consecução de um escopo, em que grau ou medida são válidos, seu significado é puramente instrumental. Não diz nada sobre o valor, positivo ou negativo, dos desígnios a que serva, sobre o ético dos propósitos
5.4- O conhecimento tecnológico quando orgânico, sistematizado, com método e lógica próprios, em torno de um objeto, como por exemplo, o Direito, a Música, a Política, a Sociologia, passa a constituir uma Tecnologia, ou, como também a denominam, Ciência Aplicada, Ciência Operacional, Ciência do Comportamento. Preferimos a expressão ?tecnológico? para distingui-lo do âmbito das ciências propriamente ditas,
O termo "ciência" tem comportado vários significados: pode designar não só o conhecimento científico organizado em torno de um objeto ou qualquer conhecimento desde que sistematizado, lógico, metódico, crítico. Esta postura dá margem a confusão.
Não podemos chamar um jurista, um médico, um músico, um político, de cientista. É um tecnólogo.
5.4.1- O direito é um repositório de normas de conduta, impostas coercitivamente, visando adequar a conduta dos indivíduos aos objetivos de cada estadoi: ubi societas ibi jus. Toda norma jurídica é criada, e aplicada, com determinado propósito. Se um governo planeja combater a inflação, baixa normas de restrição do crédito, arrocho salarial, aumento dos juros, visando enxugar a demanda. Se o estado se propõe incentivar a produção, ao contrário, criará estímulos, como juros baixos, melhores salários, redução das tarifas de exportação, abrirá linhas de crédito aos produtores. Um estado que defende a propriedade privada dos bens de produção tem o sistema jurídico bem diferente daquele que condena a propriedade privada e só admite a produção pelo estado. A mesma diferença radical encontramos entre estados que defendem a liberal-democracia e aqueles de organização fascista ou soviética O direito num estado escravocrata é um, diferente daquele abolicionista. E assim por diante..
Em todo estado, há necessidade de ordem social, segurança à integridade das pessoas e à propriedade, proteção aos direitos fundamentais dos homens, respeito à palavra livremente empenhada, autonomia estatal contra ataques e ingerências externos, progresso econômico e cultural, preservação das conquistas da civilização etc A manutenção do statu quo só é possível graças às normas impostas pelo estado, coercitivamente, acompanhadas de sanções severas para os infratores. O direito é uma exigência da vida estatal: ubi homo, ibi societas; ubi societas, ibi jus.
A doutrina jurídica teve um grande surto de desenvolvimento quando passou a ser tratada como um conhecimento tecnológico, como reconhecem Ricaséns Siches, ; C. Perelman, Alf Ross.. A expressão técnica jurídica se divulgou entre os juristas, desde seu uso por Savigny, Ihering, Geny. Passou-se a considerar o conhecimento jurídico como dirigido, um conhecimento teleológico. Sobre o conhecimento jurídico, diz este último: ... "tenho sustentado que o princípko da pureza da ciência não fica violado sempre que se ponha de manifesto que esta parte da política jurídica não é de natureza científica. Na prática isso significa que as diretivas devem ser apresentadas não como conclusões científicas, vestidas de autoridade, como leis cientificamente descobertas, mas como um conselho, uma recomendação."
Eugen Ehrlich, corifeu da Escola do Direito Livre (Freie Rechschule), ma das mais svançadas filosofias do Direito, já advertiu que aquilo que se chama tradicionalmente Ciência do Direito, Dogmática Jurtídica, não deve ser qualificado como ciência, e sim como uma Ciência Aplicada. Três obras suas, Contribuição para a teoria das fontes do direito, Sociologia do direito, Lógica jurídica, causaram grande impacto no pensamento jurídico, assim como no pensamento de seguidores, como Sitelmann, Kantorowicz, Fuchs, todos tratando o conhecimento jurídico coincidente com nossa exposição. Roscoe Pound iniciou nos Estados Unidos uma nova visão do Direito, que ficou conhecida como Escola da Jurisprudência Sociológica. Sua visão é perfeitamente cômpar com as características acima, do conhecimento tecnológico, dirigido. Para essa Escola, a lógica do jurista é uma lógica em razão das conseqüências da aplicação da lei, as quais, embora só prováveis, constituem o verdadeiro centro de gravidade da lógica jurídica. É , igualmente, a opinião de Tercio Sampaio Ferraz Jr : "Mantemos, por isso, a idéia diretriz que comanda nossa exposição, qual seja, de que o pensamento jurídico é um pensamento tecnológico específico, voltado para o problema de decidibilidade normativa de conflitos". Julius Hermann Von Kirchmann sempre negou qualquer dimensão científica aos estudos jurídicos, sendo célebre sua citação: "O sol, a lua, as estrelas brilham hoje como há já milênios, a rosa segue florescendo hoje como no paraíso; o direito, em troca, sempre variou com o tempo. O matrimônio, a família, o estado, passaram pelas formas mais variadas.. Se após grandes esforços chegou a descobrir as leis da natureza e de suas forças, essas leis valem tanto para o presente como para os tempos primitivos e seguirão sendo verdadeiras em todo o futuro. Não sucede, em troca, o mesmo com a disciplina do direito(...) Duas palavras retificadoras do legislador bastam para converter bibliotecas inteiras em lixo" Com o mesmo ceticismo, escreveu Pascal sobre a justiça dos homens: Verité ao deça dês Pyrénées, erreur ao dela.
5.4.2- O engenheiro não precisa saber a composição química ou atômica do ferro com que trabalha, ou da areia, do cimento, da madeira, se esse conhecimento é ou não da coisa- em-si . Preocupa=se com as propriedades desses materiais e de como melhor utiliza-los para suas construções, seus cálculos de resistência, durabilidade, resistência etc. O seu conhecimento inclui, é verdade, muita ciência, como Física, nas suas modalidades, a matéria e suas propriedades, como massa, extensão, impenetrabilidade, inércia , os seus elementos, os fenômenos físicos e químicos, a Mecânica Cinemática, Estática e Dinâmica, que estuda o movimento, as forças, a gravidade; a Eletricidade Estática,, Dinâmica, o Magnetismo; a Termometria e a dilatação térmica, as equações dimensionais dos coeficientes de dilatação térmica, as equações dimensionais dos coeficientes de dilatação dos materiais; a Calorimetria e a fusão, a solidificação, a vaporização, a condensação e as curvas dimensionais dos coeficientes de condutibilidade térmica; a Higrometria, a Termodinâmica, a Acústica, - suas leis, suas equações, os princípios, as constantes, as evolução e os pontos críticos. Mas enquanto o estudo desenvolvido com pesquisa é do cientista, para o engenheiro são conhecimentos de que se valerá para desenvolver atividades pragmáticas (profissionais).
Alf Ross dá alguns exemplos de interligação de copnhecimentos na órbita do jurídico: "Mediante sanção legislativa se aprova um orçamento, se impõem tributos e taxas e se lançam empréstimos. Não obstante, os problemas que caem debaixo dessas rubricas não são considerados próprios da política jurídica, mas questões que pertencem à política financeira e à esfera de competência dos economistas. Do mesmo modo, os problemas da regulamentação das relações entre as classes sociais (em particular, a regulamentação das condições de trabalho e da previdência social e de ajuda aos necessitados) pertence à política social, por mais que tais medidas sejam levadas a cabo por meio da legislação; os problemas de câmbio, produção e distribuição, à política industrial e da produção; os problemas educativos, religiosos etc., à política cultural; os tratados, à política exterior; as questões militares, à política de defesa nacional; e assim sucessivamente."
A medicina é um conhecimento tecnológico, com escopos voltados ao tratamento das doenças, minoração do sofrimento, prolongação da vida. E se vale dos progressos da ciência médica, as pesquisas sobre as células embrionárias, sobre os genes; da botânica, e a importância das plantas como fontes de essência\s medicamentosas; da engenharia, que cria próteses e instrumentais; da infectologia e higiene hospitalar etc.
Por ai se vê que as modalidades de conhecimento se interpenetram, uma ajudando a formular as idéias da outra, complementando-a, sem desnatura-la.. Uma filosofia não ignora os dados científicos, uma tecnologia se vale dos conhecimentos filosóficos e científicos e vice versa, se auxiliando e se complementando.mutuamente.
6- O conhecimento místico Baseia se na fé, a crença dogmática em certa doutrina e fatos. A professão desta crença é essencial ao raciocínio místico. Para quem não está dentro, para quem não tem acesso a esta ordem de realidade, suas afirmações parecerão abusivas. Os não maometanos se perguntam como pessoas tão esclarecidas e inteligentes podem crer que Maomé esteve ainda vivo no Paraiso, que lá negociou com Deus quantas orações diárias deviam ser feitas, havendo ele lhe ordenado que os seus seguidores deviam rezar cincoenta vezes ao dia. Mas, ao encontrar Moisés este lhe disse que o seu povo seria incapaz de cumprir o mandamento, ele também tentara mas vira que o seu povo não conseguira. Voltou Maomé ao Senhor, que então o liberou de 10 orações. De novo, Moisés lhe recomendou para voltar e pedir uma redução maior, e, assim sucessivamente, até que explicou que o Senhor mandara que seu povo orasse cinco vezes ao dia, e que não mais voltaria a incomodar a Deus, dando-se por satisfeito e resignado: esta a explicação de um dos pilares do islamismo: as cinco orações diárias. Os não cristãos não podem entender como é possível acreditar que no dia do Juízo Final, as pessoas ressuscitarão com seu corpo inteiro ( de quando criança? Adolescente? Adulto? Velho? Aquele do momento da morte, com os órgãos em falência? ) E que o Céu e o Inferno existem concretamente, e os pecadores estão condenadas a queimarem por toda a eternidade. Essas crenças são pregadas até nossos dias, como o fez o papa Bento XVI, no século XXI, e pessoas cultas também as aceitam como revelações divinas. A ciência demonstra que o planeta tem bilhões de anos, mas a Bíblia garante que foi criado por Deus apenas 10.000 anos atrás. A Igreja Católica entrou em rota de colisão aberta com outras fantástica descobertas científica. Foi contra o heliocentrismo. A Terra, como obra de Deus, não poderia deixar de ser o centro do universo. A Igreja foi contra o estudo da anatomia em cadáveres e até se insurgiu contra o número zero, noção central para a evolução da matemática. Desagradou-lhe o pára-raios, cuja invenção nos dispensou de temer um Deus que nos enviava descargas elétricas punitivas de vez em quando, Foi contra a abolição da escravidão; contra o progresso e a alegria de viver, que satisfazem o corpo, não o espírito; e rejeitou liminarmente as teorias de Charles Darwin, de evolução das espécies animais até o homem, segundo o princípio da seleção natural, que discordava da afirmação bíblica de que Deus fez o homem do barro e Eva de sua costela. J. B S.HALDANE propôs aos que questionam a evolução: Basta um fóssil de coelho no Pré-cambriano para destruir minha crença.
7.1- A continuidade da vida após a morte tem sido um princípio fundamental de muitas religiões. Na mitologia grega, os mortos destinavam-se ao mundo sombrio do deus Hades, guardado por monstros como Cérbero, o cão de muitas cabeças. A idéia de imortalidade da alma provavelmente tem a sua origem, no culto de Dionísio, na Grécia antiga. Nele, o pensamento da morte está presente em todas as manifestações da vida, são suscitadas as idéias do sacrifício expiatório, da purificação pela qual a alma se livra dos laços do corpo e vive uma vida digna e eterna. Entre os romanos e outros povos antigos, era costume enterrar os entes queridos, sacralizados, na terra de propriedade da família. Isso tornava essa terra sagrada, ali se realizando os ritos religiosos. Durante a Idade Média, algumas práticas pagâs ainda se mantinham. A morte era encarada antes do cristianismo como um fenômeno biológico, ao lado das outras fases da vida, o nascimento, a puberdade, a maturidade e a velhice. Como tal, a pessoa podia dispor de sua vida, praticar a autanásia. O cristianismo foi mudando o conceito de morte, que passou a ser considerada como uma passagem para se alcançar a verdadeira vida. A vida é criada por Deus, e só Ele pode tira-la. Assim, o direito se transformou em dever de viver, mesmo que prolongando inutilmente o sofrimento do paciente. Mas em qualquer tempo, sempre a morte assustou o homem, que dela procurou fugir se valendo de sem número de fantasias e conceitos logopáticos. O budismo afirma que a morte não é o fim completo da existência, havendo o renascimento. Para o induista, cada alma é imortal, e passa por muitas reencarnações, e a morte faz parte do ciclo da vida. O cristão crê que os justos irão para a companhia de Deus, no céu, Os maometanos prometem o paraíso, que descrevem como um lugar maravilhoso (para os vivos, não os mortos). Por mais que se repita a experiência em nossas vidas, com ela não nos acostumamos. Ela obriga os homens a deparar-se com a própria fragilidade, a defrontar-se com sua finitude. O homem procura consolo e força na religião, que lhe promete a continuidade da vida após a morte, uma alma imortal. Quando a sociedade institucionalizada não possuía ainda o aparato necessário para impor sanções aos violadores das normas de existência comunal, as religiões monoteístas se valiam da idéia da salvação e do castigo após a morte, para imposição de seus princípios morais do bem e do mal. O homem moderno, em sua maioria, encara a morte com mais naturalidade. Tem noção de que toda as partes de seu corpo e sua mente estão envelhecendo aos poucos, perdendo vitalidade e morrendo, e a vida só é possível a custa da outras vidas, Com o enorme progresso dos meios de comunicação, transmitindo diariamente um sem número de acidentes e mortes violentas, está ocorrendo a banalização da morte.
6.1- Os mitos foram criados in illo tempore, quando se formaram as religiões naturais, com dois grandes sentidos. Um, deontológico, explicando a origem das coisas, como as coisas começaram, foram criadas e depois reveladas aos homens. E um sentido ético, pois encerram todos um preceito moral, módulos de conduta, a santidade de certos comportamentos, a proibição de outros, tudo amparado por um poder tão grande que infundia pavor na alma humana. Aliás, esta é uma cara cterística do sagrado, Diferente do profano, o sagrado ultrapassa a experiência humana, e ligando o natural ao sobrenatural o homem se assemelha aos seres superiores. Há uma hierofania, coisas e atos que são considerados manifestações de algo que não é deste mundo, são de ordem transcendente. Uma pedra, uma árovore, os atos fisiológicos, como o nascimento, a maioridade, o casamento, a morte, são sacralizados, são hierofanias. A água usada no batismo não é mais água, no sentido comum, e é capaz de lavar os pecados, purificar a alma, iniciar no culto. Os judeus crêm que a Bíblia lhes foi revelada, e é uma história sagrada, como a criação do mundo, dos seres vivos, inclusive do homem, da mulher, da razão e da morte, com atores e figuras super-humanas.
6.1.1- Os mitos sobre a água são comuns em territórios ilhados pelo mar, ou muito secos e desérticos. Os rios têm um papel de agregação muito forte, e mais ainda, na Antiguidade. Na Grécia o rio Meandro era considerado uma dádiva sagrada, e venerado. Para ao gregos, a Terra tinha o formato arredondado e achatado, e era contornado pelo rio Oceano. Para além, encontrava-se a Casa de Hades, a morada dos mortos. No centro desse universo se localiza a Grécia e o mais alto ponto da Terra era, por sua vez, o Monte Olimpo, habitat dos deuses. As divisórias da Terra eram determinadas pelo Mar Mediterrâneo e sua continuação, conhecida como Ponto Euxino, eram os únicos mares conhecidos então pelos gregos.
O mar era vital para os gregos, como meio de comunicação e de trocas com outros povos, simbolicamente representava tanto a vida como a morte. Daí o mito do dilúvio. Segundo os gregos, a Terra passou por quatro Idades, a do ouro, a da prata, a do bronze e a do ferro. Na do Bronze, surgiram as primeiras armas, na do Ferro, irromperam o crime, a corrupção, a mentira e a injustiça, deixando a terra úmida do sangue derramado, razão pela quale os deuses resolveram inundar a Terra, varre-la pelas águas, com exceção do Monte Parnaso, onde se refugiaram Deucalião e sua esposa, Pirra. O mito do dilúvio é o mais comum nas diversas culturas, revelando um desejo latente de renovação da humanidade.
6.1.2- O mito da terra mater é encontrado em todas partes do mundo. Ela dá nascimento aos seres, é sua origem e destino. Em muitas nações, era costume parir no chão e depor o recém nascido no solo. Vários símbolos ligados à terra, como árvores, as plantas, representavam a ressureição. A ávore representava a experiência da vida, a sabedoria, ou a imortalidade, O Antigo Testamento faz referência à árvore da sabedoria, cujos frutos provou Adão.
6.2- A precariedade de explicação sobre como se processam os fenômenos da natureza e, principalmente, da vida humana, leva o pensamento místico a crer em milagres, os mais inverossímeis. Pessoas com alto nível de conhecimentos especializados, como médicos, juristas, administradores, economistas, são capazes de crer neles, sem mais questionamentos. A mente mística é influenciável a deixar-se levar pela imaginação e penetrar no mundo da ilusão. Facina a população, que recebe sofregamente, sem exame, tudo o que adula a superstição e promove o maravilhoso. Milagres e profecias têm surgido em todos os tempos e lugares, e que acabam no olvido, desacreditados.
Todas as religiões antigas se cercam de milagres e de feitos sobrenaturais, que impressionam os crentes, cegando-os aos absurdos neles contidos, e à motivação que levou ao seu surgimento. No Brasil há um site, Meu Santo é um Sucesso, que conquistou milhões de usuários entre católicos. Apresenta uma lista de santos, mais de 200, para o interessado escolher um e fazer-lhe um pedido, e, atendido lhe cumpre comunicar ao site, com o agradecimento, pela graça recebida. São As investigações médicas deste século XXI ajudam a compreender esse fenômeno, demonstrando os efeitos da crença, da fé, no cérebro, com maior secreção de serotonina e outros neurotransmissores, o que explica muitos efeitos milagrosos.
6.3-- A modernidade procurou expurgar da reflexão filosófica toda e qualquer referência à religião, exceto quando se tratasse de uma crítica avaliativa, para buscar o seu sentido. JURGEN HABERMAS diz que o pensamento mítico, religioso, metafísico, foi indispensável para a gênese evolutiva da racionalidade teórica. Mas que não é mais necessária para o pleno desenvolvimento das estruturas racionais, agora secularizadas, emancipadas. A interpretação religiosa do mundo, neste pós-modernismo, não convence e está desvalorizada. A fé vai se resumindo ao campo subjetivo das pessoas, se vai privatizando e é neste campo que ainda fornece um sentido do todo, um plano de salvação e as regras de conduta moral.

7- o conhecimento metaf[ísico. O conhecimento metafísico é, em parte filosófico, já que é ontológico, busca conhecer o ser das coisas, as causas primeiras, a origem da totalidade do mundo sensível, e, como todo conhecimento fiosófico, não chega às leis, às relações necessárias.
Dele se distingue porque se o conhecimento filosófico é empírico, originário da percepção pelos sentidos, da experiência, aceito pela razão ou não pela sua credibilidade crítica, já o conhecimento metafísico é metaempírico, puramente especulativo, meramente dogmático.
Os conhecimentos se distinguem pelo seu grau de verificabilidade: este grau é maior no conhecimento. científico, menor no filosófico e impossível no metafísico. Este último é um pensamento especulativo, de impossível verificação direta ou indiretamente através do conhecimento empírico, e é antinômico: qualquer teoria metafísica admite outra negando-a, sem possibilidade de uma prevalecer sobre a outra, a não ser dogmaticamente. É resultado de nossa limitação cerebral, anatômica, intransponível. Como bem disse E. Kant, não pode a metafísica pretender aplicar o princípio da causalidade fora do campo do sensível, fora do espaço e do tempo. Seria pretender dar uma causa supra-sensível a um fenômeno sensível.
7.1- As teorias deontológicas sobre a existência de uma alma, de Deus, de um escopo da vida ou do ser humano, os por quês da existência do mundo, do seu começo ou fim; a realidade noumênica fora do tempo e do espaço, subjacente à outra, a fenomênica,-- são todas metafísicas, indemonstráveis pela razão, aceitas ou recusadas dogmaticamente. As respostas a estas magnas questões, o homem vai procura-las no conhecimento místico, não na filosofia ou na metafísica.
Suas proposições não se originam do conhecimento empírico, intuído através dos sentidos, como o conhecimento cientifico e o filosófico. É um conhecimento inteiramente especulativo, ideológico, sem as condições da intuição observacional que tornam possível a experiência, o teste verificador. É impossível testar a validade do conhecimento metafísico. Por essa razão, Platão dizia que era um conhecimento eidético, de "eidos" que significa aquilo que jamais é percebido pelos sentidos do corpo
A filosofia pode dizer-se que comporta a divisão em antes e após Emannuel Kant. Para E. Kant, as tese metafísicas são sofísticas, são antinômicas. A antinomia consiste em que as afirmações contrárias têm igualmente fundamentos de afirmação válidos. Kant enumera várias antinomias: tese: o mundo tem um começo no tempo e é por isso limitado no espaço; antítese: o mundo não tem nem começo nem limites no espaço; é infinito no tempo quanto no espaço. Tese:Toda substância composta, no mundo, é constituída por partes simples e não existe nada mais que o simples ou o composto pelo simples; antítese: nenhuma coisa composta, no mundo, é constituída por partes simples, nem no mundo existe nada que seja simples. Tese: A causalidade segundo as leis da natureza não é a única origem dos fenômenos do mundo no seu conjunto. Há ainda uma causalidade pela liberdade que é necessário admitir para explicá-los.; antítese: Não há liberdade, porém tudo no mundo acontece unicamente devido a leis naturais.
Tanto posso afirmar a existência da alma, distinta do corpo, como nega-la, atribuindo todas suas propriedades à atividade cerebral. Os argumentos deontológicos a favor da existência de Deus são tão convincentes como os da sua negação. Afirmar que o homem existe para uma finalidade conhecida, como afirmar o contrário. O universo tendo começo ou não. O espaço sendo infinito ou não. O tempo eterno, ou tendo um começo e um término. Assim também, são as definições da matéria, da energia, das forças, das essências, da vida. Incognoscíveis.
A metafísica é composta de questões, não de respostas. Sobre a vida, só podemos defini-la por suas funções específicas. Todos os seres vivos são finitos, nascem e morrem, contém informações hereditárias, codificadas em moléculas de ácidos nucléicos e reproduzíveis através dos genes, reagem a estímulos externos, trocam matéria e energia com o meio ambiente sem alterar suas propriedades gerais, processam o metabolismo e o regulam através de enzimas. São funções naturais e comuns: a nutrição, a metabolização de elementos inorgânicos em orgânicos, a excreção, a necessidade de oxigênio, o crescimento, a reprodução, a interação com o meio ambiente.
Daí porque alguns filósofos, neoempiristas, como Rudolf Carnap, Ludwig Wittgenstein, Moritz Schlick, dizerem que falta sentido à metafísica, e que esta consiste em pseudo-proposições carentes de significado e de referentes objetivos, uma flatus vocis..
7.2- Do ser como tal nada mais restou. Para o existenciaismo, o ser "não é", ele "acontece", e, em seu lugar ficou apenas o abismo da ausência de fundamento, criado pela falência da metafísica.. A filosofia pós-moderna -, com as cicatrizes deixadas pelos horrores ocorridos no século XX, suas duas guerras mundiais, o advento do fascismo e do nazismo, o holocausto, - inaugura uma nova forma de filosofar, entranhada de kantismo, substitui a aspiração à universalidade, as sínteses dialéticas da dimensão do transcendental, - por imperativos hipotéticos baseados em razões pragmáticas e utilitaristas, que borram todos os horizontes de significado e de salvação. O novo impulso criador liberta as forças do universo simbólico, derruba os absolutos do dogmatismo, dos absolutos metafísicos do pensamento ocidental, busca a coerência determinístico-finita com o dado sensível.
A espiritualidade da era moderna não gira em torno de um conceito de Deus administrador de nossas vidas com um linha moral unívoca marcando um caminho a seguir e de pecados ameaçando as ovelhas desencaminhadas. Há um esforço criador da racionalidade para superar o nihilismo que decorre da falência da metafísica, para não cair na paralisia, no irracionalismo, num vale-tudo, na renúncia ao humanismo. Um esforço para superar a fortíssima vontade de retornar à realidade formal, e refugiar-se nas moradas mais seguras da objetividade, da verdade aceita, dos fundamentos, das normas, mesmo que sejam falsos, ilusórios. O homem comum prefere viver longe das dificuldades de um universo fragmentado, múltiplo, cindido. Não é comum, pensar como John Dewey, em seu A Filosofia em Reconstrução; " A filosofia que renuncia ao seu mais ou menos estéril monopólio de tratar da Última e Absoluta Realidade, encontrará compensação no trazer à luz as forças morais que movem a humanidade e em contribuir para as aspirações dos homens a alcançar uma felicidade mais ordenada e inteligente."


BIBLIOGRAFIA


AFTALIÓN, Enrique R. et al. Introducción al derecho, 5ª ed., B.Aires, El Ateneo, 1956, 2 vols.
CARDOZO, Benjamim Nathan. A natureza do processo e a evolução do direito, Ed. Nacional de Direito, 1956, trad.
COELHO, Luis Fernando , Introdução à crítica do direito. Livros HDV, 1983.
---Lógica jurídica e interpretação das leis. Forense, 1979
---Teoria crítica do direito, S.Paulo, Saraiva,1976.
FERRAZ JUNIOR. Tercio Sampaio. A ciência do direito. S Paulo, Atlas, 1977 e 2ª ed, 1991
--- Conceito de sistema no direito. S. Paulo, RT, 197
--- Direito, retórica e comunicação. S Paulo, RT, 1973;
GOLDSCHMIDT, Werner. Inrtroducción al derecho. 3ª ed.. B. Aires. Depalma. 1967, trad.
IHERING, Rudolf Von. A evolução do direito, 2ª ed, Livraria Progresso,1956, trad.
KALINOWSKI, Georges, Inrtrodución a la lógica juridica. B. Aires, Audeba. 1973, trad.
- --Possibilité et structure de la logique déontique. Paris. 1965.
LAMANNA,. Paolo, Historia de la flososofia, 2ª ed.,B. Aires,Edicial, 1998, 6 vols, trad.
LARENZ, Karl. Metodologia de la ciência del derecho. Barcelona, Ariel, 1966, trad.
FEYERABEND, Paul. Contra o método. Francisco Alves Editora S/A. 1977.trad
MÁYNEZ, Eduardo Garcia, Lógica del raciocínio jurídico, México, Fonde de Cultura
PATTARO, Enrico. Filosofia del derecho. Ciência jurídica. Madrid. Réus, 1980l
PERELMAN, Chaim. De la justicia. México. Centro de Estúdios Filosóficos, Unam, 1964. trad.
---Droit, moral et philosophie, Paris. R. Pichon, 1968
--- La lógica juridica y la nueva retorica. B. Aires. Civitas, 1988, trad.
--- Lês antinomies, Édudes de logique juridique, 1961
POPPER, Karl Raymond. A miséria do historicismo. A.Paulo/Brasília, Cultrix, Ed. Universidade de Brasília. 1980
---Conjeturas e refutações. Brasília. Ed. Universidade de Brasilia.1972, trad
--- Lógica das ciências sociais. Ed. Universidade de Brasília. 1978.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito, 12ª ed., S. Paulo, Saraiva, 1988
--- O direito como experiência, S.Paulo, Saraiva, 1968.
Economica, 1964
ROSS, Alf. Sobre el derecho y la justicia. B. Aires. Universidade de Buenos Ayres. 1963, trad.
SICHES, L. Ricaséns, Experiência jurídica, naturaleza de la cosa y lógica razonable
SCHNAID, David, Filosofia do direito e interpretação. 2ª ed, Edit. Revista dos Tribunais, 2004
WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais e sua sociologia. Ensaios de Sociologia, Rio de Janeiro, Zahar, 1974.
______________________________________________


David Schnaid é professor catedrático de Fiosofia do Direito, aposentado, da Universidade Estadusl de Londrina.Pr. É autor dos livros Casuística da locação predial, e de Filosofia do direito e interpretação. Pertence ao Instituto dos Advogados do Paraná.