Classe social no pensamento de Marx, Weber e Buordieu e reprodução de classe social

Por Railton Tomaz Fernandes | 11/06/2016 | Arte


Universidade Federal de Campina Grande - UFCG

Unidade Acadêmica Ciências Sociais - UACS

Disciplina: Estrutura de Classes e Estratificação Social

Professor: Mario Henrique Guedes Ladosky

Período 2015.02



Classe social no pensamento de Marx, Weber e Buordieu e reprodução de classe social



Railton Tomaz Fernandes


10 de Maio de 2016

Classe social no pensamento de Marx, Weber e Buordieu e reprodução de classe social



Railton Tomaz Fernandes

10 de Maio de 2016


Resumo

Neste artigo serão apresentados os conceitos de classe em Marx, Bourdieu e Weber. Para Marx na divisão social do trabalho, a sociedade se extrema entre possuidores e os não detentores dos meios de produção. Surgindo, então a luta de classes entre a classe dominante e a classe dominada. Weber ao falar de classe social em sua obra, coloca o conceito de classe social como conjunto de pessoas que tem a mesma posição diante do mercado. Em sua perspectiva existem dois tipos básicos de classes, as que têm e as que não têm algum tipo de bem. E por fim, será feito uma analise da realidade a partir dos conceitos apresentados aqui.


Palavras-chaves: Classe. Capital. Cultural. Social



  1. Introdução

O Intuito deste artigo é, num primeiro momento, demostrar de forma geral o conceito de classe social a partir da perspectiva de Karl Marx, Pierre Bourdieu e Max Weber. Em um segundo momento, já adquirido o conceito, o presente artigo pretende verificar como se dá o processo de reprodução das classes sociais no cotidiano a partir da análise de um caso de violência urbana e da obra do grupo Racionais Mc.


  1. Classe Social no pensamento de Marx


As relações de produção regulam tanto a distribuição dos meios de produção e dos produtos quanto à apropriação dessa distribuição e do trabalho. Para Marx elas expressam as formas sociais de organização voltadas para a produção. Os fatores decorrentes dessas relações resultam em uma divisão no interior das sociedades.

Desta forma por ter uma finalidade em si mesmo, o processo produtivo acaba por alienar o trabalhador, já que é somente para produzir que ele existe. Em razão da divisão social do trabalho e dos meios, a sociedade se extrema entre possuidores e os não detentores dos meios de produção. Surgem, então, a classe dominante e a classe dominada (ou seja, a dos trabalhadores). Como ele mesmo propõe:


“O trabalho assalariado é, pois, para a produção capitalista, uma forma socialmente necessária do trabalho, assim como o capital, valor elevado a uma potência, é uma forma necessária que devem adotar as

condições objetivas do trabalho para que este último seja trabalho as- salariado.De modo que o trabalho assalariado constitui uma condição necessária para a formação de capital e se mantém como premissa necessária e permanente da produção capitalista” (Marx, 1995, p. 73)


Portanto, em sua concepção o Estado aparece para representar os interesses da classe dominante e cria, para isso, inúmeros aparatos para manter a estrutura da produção. Esses aparatos são nomeados por Marx de infraestrutura e condicionam o desenvolvimento de ideologias e normas reguladoras, sejam elas políticas, religiosas, culturais ou econômicas, para assegurar os interesses dos proprietários dos meios de produção.

Percebendo que mesmo a revolução burguesa não conseguiu abolir as con- tradições entre as classes, Marx observou que ao substituir as antigas condições de exploração do trabalhador por novas, o sistema capitalista de produção em seu desenvolvimento ainda guarda contradições internas que permitem criar condições objetivas para a transformação social. Contudo, cabe somente ao proletariado, na tomada de consciência de classe, sair do papel de mero determinismo histórico e passar a ser agente dessa transformação social.

As contradições são expressas no aumento da massa de despossuídos, que sofrem com os males da humanidade, tais como a pobreza, doenças, fome e desnutrição, e o atraso tecnológico em contraste com o grande acúmulo de bens e riquezas em grandes centros financeiros e industriais. É só por meio de um processo revolucionário que os proletários de todo o mundo, segundo Marx, poderiam eliminar as condições de apropriação e concentração dos meios de produção existentes. Acabando a propriedade desses meios, desapareceria a burguesia e instalar-se-ia, transitoriamente, uma ditadura do proletariado até que se realizem as condições de “uma” forma de organização social comunista.

  1. Classe Social para Bourdieu O conceito de campo

 

Bourdieu é considerado por muitos teóricos um marxista, pois é muito nítida em sua obra a apropriação de alguns conceitos utilizados por Marx para explicar o capitalismo e a luta de classes. Contudo, diferentemente de Marx, Bourdieu não limita o conceito de classe social apenas ao campo econômico. Bourdieu vai mais além, se apropriando do conceito de capital em Marx que por sua vez, é uma característica das classes dominantes donas dos meios de produção ele desenvolve a ideia de capital simbólico. Porém para entender a luta de classes em diferentes campos, é necessário antes compreender alguns conceitos (campo, habitus, hexis, capital e doxa) utilizados por ele no desenvolvimento de sua teoria.

O conceito de campo é proposto por Pierre Bourdieu vincula-se com a idéia de espaço social, onde há disputas constantes de poder:


“O campo, no seu conjunto, define-se como um sistema de desvio de níveis diferentes e nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem nos atos ou nos discursos que eles produzem, têm sentido se não relacionalmente, por meio do jogo das oposições e das distinções.” (Bourdieu,2003, p. 179)


Os campos sociais são espaços de relações sociais ocupados por agentes que estão dentro deste espaço onde jogam um jogo, o autor utiliza para chamar a força que mantém os agentes jogando de Illusio, este termo de acordo com Bourdieu representa o interesse que os parceiros sociais têm de jogar o jogo, em outras palavras é o fato de estar preso, envolvido no jogo por um crença de que ele vale a pena ser jogado (efeito Matrix). Desta forma os agentes sociais tornam-se interessados a aceitar que o que acontece no jogo social. é a coisa que diz que suas apostas são importantes de serem realizadas, em suma é o jogo de interesses que faz a “roda social” continuar girando.


“[...] a existência de um campo especializado e relativamente autônomo é correlativa à existência de alvos que estão em jogo e de interesses específicos: através dos investimentos indissoluvelmente econômicos e psicológicos que eles suscitam entre os agentes dotados de um determinado habitus, o campo e aquilo que está em jogo nele produzem investimentos de tempo, de dinheiro, de trabalho etc. [...] Todo campo, enquanto produto histórico, gera o interesse, que é condição de seu funcionamento.” (Bourdieu, 1990, p. 126-128)


Desta forma ele oferece uma metáfora dupla para ilustrar a ideia de campo. O campo está para ele como uma arena está para um lutador de UFC, na qual os indivíduos são adversários mas também são peças do mesmo jogo. Este interesse associados à participação no jogo muda de acordo com posição ocupada no mesmo, e de acordo com o caminho que ele o agente social deva trilhar para alcançar a posição disputada pelos agentes no jogo das relações sociais. O jogo por sua vez se torna autônomo em relação aos demais campos, já que quem pertence a um campo não pertence a outro. Sendo assim, este pode não respeitar as regras do primeiro em seu campo e vise-versa. Pra este autor, os campos possuiem o que ele chama de nomos, ou seja, uma lei fundamental de cada campo.

No campo acadêmico, por exemplo, temos no curso de Ciências Sócias duas modalidades, o bacharelado e a licenciatura. Para Bourdieu os troféus buscados pelos bacharéis não são os mesmos buscados pelos licenciandos. Do ponto de vista sociológico o jogo jogado para o primeiro não é o mesmo pra o ultimo. Podemos pegar outros exemplos para ilustrar essa ideia. O troféu que um deputado disputa, não é o mesmo disputado por um juiz, uma vez que ser ministro do supremo é um grande troféu para ele, mas não é para o jogo da política disputado pelo deputado, para este um troféu é a disputa da liderança de um partido político, uma vaga no senado, ou a presidência da república. Em suma é outro campo, outras regras, outro jogo.

Apresentado o conceito de campo na concepção de Bourdieu, vejamos como funciona a relação de dominantes e dominados nesse conceito campo social. Mas antes devemos elucidar ideia de capital apresentada por ele, e na sequência a relação entre dominantes e dominados a partir da sua ideia de capital.

Sem sombra de dúvidas o conceito de Capital utilizado por ele em sua teoria é uma adaptação do conceito de Capital em Marx. No entanto, o conceito de Capital na perspectiva deste autor funciona de forma mais abrangente, não se restringindo apenas ao campo econômico. Sendo assim todo dominante é dono de um Capital especifico, por exemplo, a legitimidade de um porta voz não vem através do que ele diz para Bourdieu, ela vem de quem o diz. Segundo o autor este último é detentor de um capital social, ou seja, a legitimidade do primeiro se dá através do capital social do segundo. Podemos citar um exemplo de dominante no campo acadêmico. Nós alunos do curso de Ciências Sociais somos convocados a fazer pesquisas durante o curso, entretanto os temas destas pesquisas não são escolhidos por nós, e sim por alguém que nos orienta e que é detentor de um determinado Capital cultural (o professor), portanto ele tem legitimidade para ditar o tema do qual temos de pesquisar, este por sua vez, é o dominante do nosso campo (sala de aula).

Existem diversos campos, com regras próprias, consagrações e espaços de consagrações nos quais os indivíduos, se posicionam nos campos de acordo com o capital acumulado que pode ser social, cultural, econômico e simbólico. O capital social, por exemplo, corresponde à rede de relações interpessoais que cada um constrói, com os benefícios ou malefícios que ela pode gerar na competição entre os grupos humanos. Já na educação acumula-se, sobretudo, o capital cultural, este apresenta-se na forma de conhecimentos apreendidos, livros, diplomas etc. Segundo Bourdieu, pode-se também haver uma conversão de capitais, em que por exemplo, o capital cultural (conhecimento apreendidos), pode ser convertido em capital econômico (uma boa remuneração). Assim também como os professores se opõem aos empresários, o primeiro pelo capital cultural e o ultimo pelo capital econômico. Destacando um pouco mais a ideia de conversão de capitais, podemos supor que um agente que possui o capital econômico teria mais oportunidades de adquirir outros tipos de capitais, como o “cultural objetivo” materializado na forma de quadros e obras de arte, musica etc.

Através desse acúmulo de capitais na perspectiva de Bourdieu é que as sociedades reproduzem as estruturas sociais. Para ele os indivíduos possuem um esquema de ação inconsciente na qual ele chama de habitus:


“[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...]” (Bourdieu, 1983, p. 65)


3.1 Sobre o Habitus

 

Para Bourdueu o habitus seria como uma segunda natureza dos indivíduos. Em parte autônoma histórica e presa ao meio. Portanto o habitus na concepção do autor pode ser transferido de forma explicita ou implícita, funcionando assim como um esquema de ação, reflexão e percepção que está inscrito no corpo e na mente em forma de postura e gestos.

A exteriorização do habitus pelos agentes, na teoria deste autor é apresentada no conceito de hexis Corporal. Para ilustrar o que o próprio Bourdieu chama de hexis, darei como exemplo a postura de um Juiz e de um auxiliar de serviços gerais que faz a manutenção e limpeza do Supremo Tribunal Federal. Perceba mesmo estando ambos no mesmo ambiente as posturas e gestos de ambos expressados pelos corpos são bastante distintas. Observa-se que o primeiro com o “nariz empinado” queixo erguido como quem demonstra o domínio de um determinado ambiente, enquanto queo segundo move-se no mesmo ambiente, no entanto mantém uma postura de cabeça baixa como se demonstrasse inferioridade diante do primeiro. Desta forma Bourdieu diz que o campo imprime nos corpos dos indivíduos a sua condição de classe, portanto as disposições presentes no habitus são plásticas e flexíveis, podendo então ser fortes ou fracas nas quais são adquiridas pela interiorização das estruturas sociais.

3.2 Da interiorização das estruturas sócias

A interiorização das estruturas sócias por sua vez, acontece de maneira in- consciente, caso contrário, se fossem apenas ensinadas estas estruturas poderiam ser rejeitadas pelos indivíduos, portanto ela é transferida e reproduzida através do inconsciente, como no campo dos gêneros onde a mulher tem uma postura e o homem outra, afinal não é algo que se ensina, pelo contrário, é apreendido inconscientemente. Embora tenham ocorrido vários avanços na igualdade de gênero ainda temos uma diferença de gêneros bastante marcada por estas impressões estruturais, internalizada pelos indivíduos e exteriorizadas em seus corpos. Continuemos com exemplos a cerca dos gêneros, as mulheres andam diferente dos homens, estes últimos por sua vez sentam-se diferente das mulheres. Outro exemplo que pode ilustrar tamanha força do habitus presente nas estruturas são os trabalhos domésticos. Geralmente há vários discursos de uma sociedade que ainda conserva um caráter machista e conservador as atividades domésticas são atividades exclusiva da mulher. As ultimas por sua vez, também reproduzem de maneira inconsciente esta estrutura. Perguntada sobre seu marido, que contribui na execução de tais atividades, certamente responde “ ele é um ótimo marido, pois me ajuda nas atividades da casa”, a idéia de que ele ajuda e não de que o mesmo executa, por si só agrega para aquela atividade uma doxa (pensamento dominante) na qual diz que esta atividade compete a mulher dona de casa. Casais homossexuais tendem a reproduzir também esta ideia de casal presente na doxa dominante. Mesmo sendo do mesmo sexo, as divisões de trabalhos, posições no relacionamento acabam sendo incorporadas por eles a partir da estrutura na qual estão inseridos de maneira inconscientemente e reproduzidas, como se fossem um casal. Vale salientar que não estou aqui generalizando esta situação, pois este não é de maneira alguma o foco deste trabalho, os exemplos dados tentam na verdade mostrar que os indivíduos vestem a estrutura social no seu corpo e na mente através da incorporação da estrutura na qual estes indivíduos estão inseridos. A solução proposta por Bourdieu, para driblar esta reprodução da estrutura social é ter o conhecimento da mesma.


  1. Classe Social em Weber


O sociólogo alemão Max Weber é o teórico da ação social, na qual ele defende que apenas os indivíduos são capazes de realizar ações sociais, focando assim sua atenção no indivíduo. No entanto ao tratar de classe social em sua obra ele a coloca como conjunto de pessoas que tem a mesma posição diante do mercado. Em sua perspectiva existem dois tipos básicos de classes, as que têm e as que não têm algum tipo de bem, Segundo a oportunidade de aquisição de bens materiais e simbólicos no mercado de produtos ou no mercado de trabalho. Porém essas classes também se diferenciam pela qualidade dos bens possuídos. Para ele as classificações que ocorrem na sociedade (classes, estamentos, partidos) são consequências da distribuição de poder; e tudo é influenciado pelo poder, como por exemplo, o poder econômico, que mesmo este não sendo reconhecido (geralmente) como base de honras sociais, a forma que essas honras são distribuídas é chamada de ordem social. Segundo este autor:


“De suprimento de bens, condições exteriores de vida, e experiências pessoais, na medida em que essa oportunidade é determinada pelo volume e tipo de poder, ou por sua ausência, de dispor de bens ou habilidades em beneficio de rendimentos em uma dada ordem econômica. O termo “classe” refere-se a qualquer grupo de pessoas que se encontra na mesma situação de classe.”(Weber, 1971, p. 63)


Portanto para Weber, para uma pessoa estar numa classe ela deve se encontrar numa situação de classe comum às outras pessoas da classe, porém as classes não devem ser confundidas com comunidades, pois a ação comunitária faz parte da ordem social, em que as pessoas buscam o reconhecimento (status e honraria) dentro de determinados grupo. As principais categorias para classificar alguém numa situação de classe é a “propriedade” ou a “falta de propriedade”. As propriedades se distinguem pelo seu tipo e pelo tipo de serviço prestado, quem não tem propriedade se diferencia pelo tipo de serviço que presta e pela forma que faz uso deste serviço, como isso é uma situação de mercado, nesse caso a situação de classe é uma situação de mercado. Para Weber, a esfera econômica não tem capacidade de produzir um sentimento de pertencimento que seja capaz de gerar uma comunidade. Estamento está ligado à esfera social, que é capaz de gerar comunidade. Estamento é um grupo social cuja característica principal é a consciência do sentido de pertencimento ao grupo. A luta por uma identidade social é o que caracteriza um estamento. A luta na esfera social é para saber qual estamento vai dominar. As profissões podem ser analisadas como estamentos.

“Podemos denominar de “ordem social” a forma pela qual a honra social se distribui numa comunidade entre grupos típicos participantes dessa distribuição. A ordem social e a ordem econômica estão ambas, é evidente, relacionadas com a “ordem legal”. Entretanto, a ordem social e a econômica não são idênticas. A ordem econômica é para nós apenas a forma pela qual os bens e serviços econômicos são distribuídos e utilizados. A ordem social é, obviamente, condicionada em alto grau pela ordem econômica, e por sua vez reage a ela. Assim: “classes”,”grupos de status” e “partidos” são fenômenos de distribuição de poder dentro duma comunidade“ (Weber, 1971, p. 62)


4.1 Dos estamentos

Os estamentos são diferentes das classes pois são comunidades e são de- terminados pela honra e não pela situação econômica. Do ponto de vista weberiano estamento pode evoluir para uma “casta” fechada, mas só chegam a esse ponto quando há grandes diferenças “étnicas”. As classes se estratificam de acordo com suas relações com a produção e aquisição de bens enquanto os estamentos se estratificam de acordo com os princípios de seu consumo de bens, representado por estilos de vida especiais.

Dos partidos

Os partidos vivem sob o signo do “poder” e tem em oposição às classes e ao estamento que suas ações significam sempre uma socialização e a meta dessa ação pode ser uma causa ou ser pessoal; sua reação é orientada para a aquisição de poder e pretendem influenciar o domínio existente. Os partidos podem representar situações classistas ou estamental. Assim, o autor definiu os termos com base nas relações econômicas e de poder, fala pouco sobre luta de classes (só faz um pequeno resumo cronológico de como essas lutas vem evoluindo no decorrer do tempo), dá impressão que ele pensa como um cientista e não como uma pessoa da sociedade, o que ocorre um pouco diferente nos textos de autores, como por exemplo, Marx que escreve de maneira mais política.


  1. Reprodução de classes sociais a partir de Bourdieu

Darei como um exemplo para ilustrar este trabalho, o caso de um ex-aluno que foi executado em sala de aula. Para preservar sua identidade irei utilizar o codinome “Pedro” para nomear este personagem.

Filho de um ex-agricultor que fazia bico como reparador de relógios e uma domestica, cresceu em um bairro violento. Muito cedo abandonou a escola para trabalhar como ajudante na construção civil. Durante a adolescência, havia sofrido varias apreensões por furto e porte ilegal de arma. No entanto, por ser menor de idade era apreendido e liberado para cumprir medidas socioeducativas, participava de facção que mantem rixas entre si. Tinha como principais influências grupos musicais vindos das grandes periferias do sudeste brasileiro, tipo os Racionais Mc’s, e mentores de grandes crimes. Como aluno caminhava pelos corredores da escola sem nada a ser divisado no horizonte, além de ter uma frequência muito baixa. Sonhava em ser músico, e cantava sempre uma música cujo o titulo é “Um homem na estrada”¹.

Há pouco tempo, e já maior de idade começou um relacionamento e resolveu abandonar a vida de crimes. Detentor de um carisma muito cativo, Pedro era considerado uma pessoa simpática. Certo dia estava assistindo uma aula, quando dois homens armados entraram na sala e o executou com mais de vinte disparos.

(Homem Na Estrada - Racionais Mc’s - Compositor: Mano Brown)

Um homem na estrada recomeça sua vida.

Sua finalidade: a sua liberdade. Que foi perdida, subtraída;

e quer provar a si mesmo que realmente mudou, que se recuperou e quer viver em paz, não olhar para trás, dizer ao crime: nunca mais!

Pois sua infância não foi um mar de rosas, não. Na Febem, lembranças dolorosas, então.

Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim. Muitos morreram sim, sonhando alto assim, me digam quem é feliz,

quem não se desespera, vendo nascer seu filho no berço da miséria.

Um lugar onde só tinham como atração,

o bar e o candomblé pra se tomar a benção.

Esse é o palco da história que por mim será contada.

. . . um homem na estrada.

Equilibrado num barranco um cômodo mal acabado e sujo, porém, seu único lar, seu bem e seu refúgio.

Um cheiro horrível de esgoto no quintal, por cima ou por baixo, se chover será fatal.

Um pedaço do inferno, aqui é onde eu estou. Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou. Numerou os barracos, fez uma pá de perguntas. Logo depois esqueceram, filha da puta!

Acharam uma mina morta e estuprada, deviam estar com muita raiva.

”Mano, quanta paulada¡‘.

Estava irreconhecível, o rosto desfigurado. Deu meia noite e o corpo ainda estava lá,

coberto com lençol, ressecado pelo sol, jogado. O IML estava só dez horas atrasado.

Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim, quero que meu filho nem se lembre daqui, tenha uma vida segura.

Não quero que ele cresça com um ”oitão“ na cintura e uma ”PT“ na cabeça.

E o resto da madrugada sem dormir, ele pensa o que fazer para sair dessa situação.

Desempregado então. Com má reputação.

Viveu na detenção. Ninguém confia não.

. . . e a vida desse homem para sempre foi danificada. Um homem na estrada. . .

Um homem na estrada..

Amanhece mais um dia e tudo é exatamente igual. Calor insuportável, 28 graus.

Faltou água, já é rotina, monotonia, não tem prazo pra voltar, hã! já fazem cinco dias.

São dez horas, a rua está agitada,

uma ambulância foi chamada com extrema urgência. Loucura, violência exagerado.

Estourou a própria mãe, estava embriagado. Mas bem antes da ressaca ele foi julgado.

Arrastado pela rua o pobre do elemento, o inevitável linchamento, imaginem só! Ele ficou bem feio, não tiveram dó.

Os ricos fazem campanha contra as drogas e falam sobre o poder destrutivo dela.

Por outro lado promovem e ganham muito dinheiro com o álcool que é vendido na favela.


Empapuçado ele sai, vai dar um rolê.

Não acredita no que vê, não daquela maneira,

crianças, gatos, cachorros disputam palmo a palmo seu café da manhã na lateral da feira,

Molecada sem futuro, eu já consigo ver, só vão na escola pra comer,

Apenas nada mais, como é que vão aprender sem incentivo de alguém, sem orgulho e sem respeito,

sem saúde e sem paz.

Um mano meu tava ganhando um dinheiro, tinha comprado um carro,

atérolex tinha!

Foi fuzilado a queima roupa no colégio, abastecendo a playboyzada de farinha, Ficou famoso, virou notícia, rendeu dinheiro aos jornais, ham!,cartaz à policia

Vinte anos de idade, alcançou os primeiros lugares. . . super-star do notícias populares! Uma semana depois chegou o crack, gente rica por trás, diretoria.

Aqui, periferia, miséria de sobra.

Um salário por dia garante a mão-de-obra.

A clientela tem grana e compra bem, tudo em casa, costa quente de sócio. A playboyzada muito louca até os ossos!

Vender droga por aqui, grande negócio. Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim,

Quero um futuro melhor, não quero morrer assim,

num necrotério qualquer, um indigente, sem nome e sem nada, o homem na estrada.

Assaltos na redondeza levantaram suspeitas, logo acusaram favela para variar,

E o boato que corre é que esse homem está, com o seu nome lá na lista dos suspeitos, pregada na parede do bar.


A noite chega e o clima estranho no ar,

e ele sem desconfiar de nada, vai dormir tranqüilamente, mas na calada caguentaram seus antecedentes,

como se fosse uma doença incurável, no seu braço a tatuagem, DVC, uma passagem, 157 na lei. . .

No seu lado não tem mais ninguém.


A Justiça Criminal é implacável. Tiram sua liberdade, família e moral.

Mesmo longe do sistema carcerário, te chamarão para sempre de ex presidiário. Não confio na polícia, raça do caralho.

Se eles me acham baleado na calçada, chutam minha cara e cospem em mim é..eu sangraria até a morte. . .

Já era, um abraço!.

Por isso a minha segurança eu mesmo faço. É madrugada, parece estar tudo normal.

Mas esse homem desperta, pressentindo o mal, muito cachorro latindo. Ele acorda ouvindo barulho de carro e passos no quintal.

A vizinhança está calada e insegura, premeditando o final que já conhecem bem. Na madrugada da favela não existem leis, talvez a lei do silêncio, a lei do cão talvez. Vão invadir o seu barraco, é a polícia!

Vieram pra arregaçar, cheios de ódio e malícia, filhos da puta, comedores de carniça! Já deram minha sentença e eu nem tava na ”treta“, não são poucos e já vieram muito loucos.

Matar na crocodilagem, não vão perder viagem, quinze caras lá fora, diversos calibres, e eu apenas

com uma ”treze tiros“ automática.

Sou eu mesmo e eu, meu deus e o meu orixá. No primeiro barulho, eu vou atirar.

Se eles me pegam, meu filho fica sem ninguém, e o que eles querem: mais um ”pretinho“ na febem.

Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim, a gente sonha a vida inteira e só acorda no fim, minha verdade

foi outra, não dá mais tempo pra nada. . . bang! bang! bang!


Homem mulato aparentando entre vinte e cinco e trinta anos é encontrado morto na estrada do

M’Boi Mirim sem número.

Tudo indica ter sido acerto de contas entre quadrilhas rivais. Segundo a polícia, a vítima tinha vasta ficha criminal.”( Racionais MC’s, 1993)

Ao fazer uma analise sobre estes dois cenários cronologicamente distintos, e ao fazer isto a partir da teoria de reprodução social de Bourdieu, percebemos algumas semelhanças entre uma história real na qual Pedro é o protagonista e uma canção que retrata a realidade de um determinado campo e classe social. Deste tema utilizaremos conceitos á apresentados como habitus, capital cultural e classe, desenvolvidos pelo autor, que serão apresentados aqui, procurando compreender a inter-relação entre indivíduo e cultura no processo de socialização, que leva à reprodução das desigualdades sociais.

“Homem na Estrada” é uma canção do grupo brasileiro de rap Racionais MC’s, lançada em 1993. É por sua vez, uma das canções de maior sucesso do grupo de rap paulistano. A canção conta os últimos dias da vida de um ex-presidiário - negro, pobre, morador da periferia - que busca reconstruir sua vida.


“O homem na estrada recomeça sua vida/ sua finalidade, a sua liberdade, que foi perdida,/ subtraída/ e quer provar a si mesmo que realmente mudou/ que se recuperou, que quer viver em paz/ não olhar pra trás, dizer ao crime nunca mais/ pois sua infância não foi um mar de rosas não/ na Febem, lembranças dolorosas então (. . . ) Equilibrado num barraco incômodo, mal acabado e sujo/ porém seu único lar, seu bem e seu refúgio/ cheiro horrível de esgoto no quintal/ por cima ou por baixo, se chover será fatal/ um pedaço do inferno aqui é onde estou. . . “ ( Racionais MC’s, 1993)

A narração é feita por um narrador onipresente - que se coloca ao lado do personagem da letra, embora às vezes o foco narrativo mude, como o narrador misturando sua história dentro do próprio relato. O fato do personagem ser ex-presidiário minimiza suas chances de ter uma vida comum novamente - inclusive, ao longo da letra, há versos que reforçam a presença da morte no cotidiano violento do personagem ”. . . muitos morreram assim, sonhando alto assim. . . “ e a descrença na polícia.

”Não confio na polícia, raça do caralho!/ se eles me acham baleado na calçada/ chutam minha cara e cospem em mim/ e eu sangraria até a morte, já era, um abraço/ por isso minha segurança eu mesmo faço.“(Racionais MC’s, 1993)

No desenrolar da canção o protagonista termina sendo acusado injustamente de participar de ”assaltos na redondeza“ e acaba sendo executado pela polícia que invade seu barraco durante a madrugada. A história é próxima do que Luiz Alberto Mendes conta sobre os métodos de investigação da polícia durante a década de 1970: “eles vão do criminoso ao crime, não do crime ao criminoso, como seria a lógica.” (Mendes, 2001)

Pedro estava inserido em um campo onde o pensamento dominante era a realidade dos grandes traficantes e criminosos, que por sua vez estão no ponto mais alto da dominação deste campo esbanjando poder. Mesmo dentro do mesmo campo social, perceba que, na perspectiva de Bourdieu, ele está dizendo que a classe social se resume apenas ao campo econômico como pensou Marx, e que dentro desta classe haveria outra luta de classes entre dominantes e dominados por exemplo, no campo social de um determinado estilo de vida. Portanto, no pensamento dominante deste campo estão os grandes Traficantes e chefes de morros, e na posição dos dominados os que são subordinados de alguma forma a estes primeiros, e que tem como troféu o lugar do dominador, por exemplo, um fogueteiro que tenta ser dono de um morro.

Na escola, instituição na qual utiliza o discurso de que o conhecimento é transmitido de forma democrática para todos os alunos, Pedro não se dava tão bem. Outros de seus colegas de sala, geralmente filhos de professores ou pessoas com um grau de instrução um pouco mais elevado, pelo contrário tinham uma dominação mais fácil dos códigos transmitidos e cobrados em sala de aula. Como explicar este fenômeno? Bourdieu utilizou o conceito de capital cultural para explicar o problema de Pedro em apreender determinados códigos exigidos pela escola. Segundo Bourdieu alunos pertencentes a classes sociais mais favorecidas trazem de berço um determinado capital cultural. A cultura para este autor são os valores que orientam e dão significado para um determinado grupo social, já capital cultural como á foi dito antes, é uma adaptação do conceito de capital em Marx. Para Bourdieu ele funciona como uma espécie de moeda que as classes dominantes utilizam para acentuar as diferenças. Portanto ela se transforma em instrumento de dominação, pois as classes dominantes impõe sua própria cultura sobre as classes dominadas, dando-lhe assim um valor irrefragável no que concerne a boa cultura.

Por este viés, Bourdieu afirma que a escola contribui maliciosamente para que as culturas dominantes continuem se reproduzindo como tal. No entanto, isto acaba favorecendo alguns alunos em detrimento de outros. Os desfavorecidos, são em grande parte aqueles alunos que como Pedro filhos de operários ou camponeses, não tiveram contato com o que chamam de “bom capital cultural”, seja na forma de livros ou de lugares facilmente mais acessíveis para os alunos mais ricos. Desta forma segundo Bourdieu, eles não conseguem dominar os mesmo códigos culturais que a escola e a sociedade valorizam, tornando o aprendizado muito mais difícil. Este autor acredita que desta forma a escola prega um falso discurso de igualdade e reproduz a desigualdade social, logico que não é uma regra geral, pois o próprio Pierre Bourdieu tem sua origem em uma família camponesa. Para ele existe uma saída para toda essa violência simbólica, é que a escola e a sociedade deve deixar esse fato de forma explicita aos cidadãos.


  1. Conclusão

Para finalizar, é valido ressaltar a importância destes três autores na construção do pensamento sociológico principalmente acerca do conceito de classe social tratado neste artigo. As contribuições de Pierre Bourdieu que elevaram o conceito de Classe social a um patamar mais abrangente, sem dúvidas nos coloca em uma posição de reflexão sobre a reprodução das desigualdades sócias.

Além disto, este autor faz uma serie de análises sobre questões sérias que direciona ainda o pensamento sociológico para a escola, o que na minha leitura é o verdadeiro cerne da questão.

O modelo em que encontramos as instituições de ensino, e com suas as falhas, algumas citadas neste artigo, percebemos que a escola não proporciona as devidas mudançasna realidade a qual seus alunos estão inseridos. Desta forma ela funciona apenas como reprodutora de tais realidades, como o exemplo de Pedro e sua musica favorita “homem na estrada” citado como exemplo para ilustrar esta problemática. Portanto, para mudar tal situação numa perspectiva bourdieusiana, devemos deixar este fator socialmente explicito para que todos os indivíduos possam de alguma maneira quebrar esta regra de reprodução social compensando o déficit de capital cultural exigido pelas classes dominantes.


  1. REFERÊNCIAS


WEBER, Max. Classe, Estamento e Partido. In: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro:LTC, 1982

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.. BOURDIEU, Pierre. Sociologia. (organizado por Renato Ortiz), 1983.

MENDES, Luiz Alberto. Memórias de um sobrevivente. São Paulo, Compa- nhia das Letras, 2001. Pág 275

WEBER, M. Classe, “status”, partido. In: VELHO, O. G.; PALMEIRA, M. G. S.; BERTELLI, A. R. (Org.). Estrutura de classe e estratificação Social. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

BROWN, Mano. Homem na estrada. in: Racionais Mc's. Raio X do Brasil. São Paulo: Zimbabwe Records,1993.CD.

Social class in the thought of Marx , Weber and Buordieu and reproduction of social class


Railton Tomaz Fernandes

10 de Maio de 2016


Abstract


This article will present the class concepts in Marx , Weber and Bourdieu . For Marx the social division of labor , society far between owners and non- owners of means of production. Arising , then the class struggle between the ruling class and the ruled class . Weber to speak of social class in his work, puts the concept of social class as a group of people who have the same position on the market. In his view there are two basic types of classes , those that have and those that do not have some kind of good. Finally, an analysis of reality will be made from the concepts presented here.


Key-words: Class. Capital. Cultural.Social.

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