Civilização Atual à Moda Medieval

Por Maria Anunciação Souza | 15/02/2009 | Sociedade

A 'civilização' que estamos acostumados a considerar como uma posse que aparentemente nos chega pronta e acabada, sem que perguntemos como viemos a possuí-la, é um processo ou parte de um processo em que nós mesmos estamos envolvidos.

Todas as características distintivas que lhe atribuímos – a existência da maquinaria, descobertas científicas, formas de Estado, ou o que quer que seja – atestam a existência de uma estrutura particular de relações humanas, de uma estrutura social peculiar, e de correspondentes formas de comportamento.

A Idade Média deixou-nos grande volume de informações sobre o que era considerado comportamento socialmente aceitável.

As pessoas que comiam juntas na maneira costumeira na Idade Média, pegando a carne com os dedos na mesma travessa, bebendo vinho no mesmo cálice, tomando a sopa na mesma sopeira ou prato fundo, tinham entre si relações diferentes das que hoje vivemos.

Suas emoções eram condicionadas a formas de relações e conduta que, em comparação com os atuais padrões de condicionamento, parecem-nos embaraçosas ou pelo menos sem atrativos.

O que nos remete hoje, vivendo no período pós-moderno, é que infelizmente ainda repetimos os modelos errôneos dos costumes medievais.

Criar um ser artificial tem sido o sonho da humanidade desde o nascimento da ciência.

Não apenas o começo da época moderna, quando nossos ancestrais surpreenderam o mundo com as primeiras máquinas pensantes: monstros primitivos que podiam jogar xadrez.

Como chegamos longe.

O ser artificial é uma realidade da perfeição, com membros articulados, fala articulada, e sem deixar de responder como seres humanos.

No filme Blade Runner, o Caçador de Andróides os seres artificiais (os replicantes) atingiram a sua forma mais aperfeiçoada.

Foram feitos com objetivo de servir a humanidade na correria e na multiplicidade de seus compromissos diários.

Isso é um grande avanço.

Mas nós não temos razões para nos congratularmos.

Nós estamos, certamente, orgulhosos do que fizemos, mas aonde isso nos leva?

São brinquedos sensoriais, com circuitos inteligentes de comportamento, usando seqüências tecnológicas.

A ficção científica tem tentado nos alertar desde o final do século XIX e, principalmente, a partir da produção de seus grandes autores do século XX, quanto aos limites da ciência e da tecnologia.

Limites que pensamos hoje, envolvidos por um turbilhão de descobertas que a cada novo dia transformam mais e mais nossas existências, não existirem.

E estamos tão envolvidos com os avanços da ciência e o surgimento de equipamentos e máquinas tão fabulosos que nos esquecemos de viver.

Na verdade estamos tentando reinventar a vida a partir das próteses eletrônicas, mecânicas, biotecnológicas e virtuais e deixando de lado a existência que realmente importa aquela do mundo real, físico, composto a partir de nossas ações, idéias, realizações, práticas e relações.

Através do filme Blade Runner, o Caçador de Andróides, de Ridley Scott, 1982, os replicantes são mais fortes e mais inteligentes do que os humanos.

Os replicantes vivem num mundo que superou as limitações de tempo e espaço, graças as tecnologias de informação e de comunicação da "aldeia global".

A implantação de memórias íntimas, que realçam os laços afetivos entre pais e filhos, irmãos, amigos, amantes ou mesmo inimigos seriam passíveis de aplicação em HDs computadorizadas e dariam aos replicantes (ou andróides, como mais comumente os chamamos) a, possibilidade de humanização.

A transposição de características genéticas, que utilizadas para a composição de recursos eletrônicos que reproduziriam entre os replicantes que reproduziriam os sentimentos: do amor, do ódio, da paixão, da amizade sincera, da indiferença, da dor, do choro.

O problema é que tentamos criar essa vida (e que nos esquecemos das que realmente temos) estamos presenciando a tentativa do homem de se tornar virtual em tempo integral.

Há pessoas que estão assumindo outras vidas e gastando mais tempo com elas através da Web do que gastam com o pouco tempo que dispõe para experimentar o mundo real.

Não tendo qualquer distinção entre o real e o virtual.

A dançarina replicante Zhora morre no filme projetando-se através da vitrine de uma loja, ela sai à rua vestida com uma capa de plástico transparente, ela é a própria vitrine móvel.

Issonos lega a sociedade de consumo, onde tudo é uma exibição, um espetáculo, e a imagem pública é tudo.

No filme os replicantes vestem-se como modelos em exposição.

Os replicantes são uma vã representação da pós-modernidade, isto é, reprodução tecnológica do real, da razão universal.

A sociedade moderna se caracterizou no consumo personalizado, e a razão enraíza nos indivíduos uma moral hedonista, onde seus valores estão relacionados ao consumo imediato; os prazeres individuais são calçados nos bens materiais.