Cinema, História e Literatura, um breve comentário.

Por Clayton Zocarato | 28/01/2011 | História

Cinema, História e Literatura, um breve comentário.




Cinema, História e Literatura estão á grosso modo ligados. Não é de hoje que historiadores utilizam a ficção para relatar algum acontecimento histórico marcante dentro de uma dada sociedade, seja ele no âmbito político, econômico ou social. Alguns se destacam até por criar formas de vivencia alternativas dentro de um universo fictício, como faz George Orwell em seu romance 1984 formulando uma civilização que seria permanentemente controlada pelo sistema denominado "Big Brother", sendo a seus habitantes restrito até mesmo pensar algo que fosse maléfico segundo os interesses de alguns privilegiados dessa organização.
A junção de diversos estilos literários, somado a uma serie de diferentes enredos e á uma heterogeneidade de campos de uma realidade pode oferecer ao leitor, junto com uma massa de obras que o hoje o público tem á sua disposição portando uma infinidade de situações, narrativas históricas ou fictícias diferentes uma da outra. Como exemplo disso pode se citar "O Nome da Rosa" de Umberto Ecco, que junta o romance policial aliado a acontecimentos históricos marcantes como a atuação do Tribunal da Inquisição no século XIV, sendo isso descrito dentro da obra na forma de uma confissão de um abade a beira do fim de sua peregrinação terrestre, contando o que vivenciou em sua juventude. A literatura serviu também para contar de maneira esplendida o dia a dia do submundo do crime, como exemplo disso nada melhor do que a obra do escritor americano Mário Puzo "O Poderoso Chefão".
Usando a fantasia, mas com uma expressiva realidade que atravessa completamente o campo da ficção, Puzo escreveu seu livro que acabou anos depois se tornando uma mega produção cinematográfica dirigida por Francis Ford Coppola.
Também não é de hoje que a literatura empresta suas linhas para o cinema, uma grande safra de produções de filmes foram feitos inspirados em grandes livros, (assim como "O Poderoso Chefão" e "O Nome da Rosa" aqui citados). Tom Clancy outro escritor americano, consagrado por escrever livros relatando intrigas internacionais entre as superpotências, principalmente dando um enfoque especial para o período da Guerra Fria já emprestou suas obras para as telas como "A Caçada ao Outubro Vermelho" e "A Soma de Todos os Medos". Outro livro que virou filme que foi muito marcante foi "Mississipi em Chamas", sucesso de público e crítica essa obra escrita por Joel Norst e depois adaptado para o cinema pelo talentoso cineasta inglês Alan Parker, tendo obtido sete indicações para o Oscar.
Voltando a Francis Ford Coppola, a literatura proporcionou-lhe talvez um dos maiores ícones do romantismo gótico que é "Drácula", obra inesquecível de Bram Stoker escrito em meados do século XIX que até hoje fascina seus leitores pela estória mesclando romance com terror, e fora à produção de Coppola vale ressaltar que o autor Cristopher Lee já encarnou por onze vezes o "conde" nas telas do cinema se tornando assim uma das obras que mais foram adaptadas para o cinema.
Na literatura brasileira, teve também seus escritores que concederam a adaptação de suas obras para televisão e cinema, mostrando a realidade social e política do Brasil em seus conteúdos. Citarei dois exemplos. Primeiro seria o gaúcho Érico Veríssimo com o seu livro "O Tempo e o Vento" divididos em "O Continente", "O Retrato" e "O Arquipélago", que narra o barril de pólvora que era a Região Sul do país com suas revoltas no decorrer do século XIX, que mais tarde iria para as telas em uma mini-serie produzida pela Rede Globo.
O segundo é o baiano Jorge Amado que teve vários de seus romances adaptados tanto para a televisão como para o cinema como "Dona Flor e Seus Dois Maridos", "Tieta do Agreste" e "Gabriela Cravo e Canela", onde essas obras abordam o cotidiano do sertão nordestino, descrevendo a dura realidade de seus habitantes tendo que enfrentar além da miséria em decorrência principalmente da seca, o descaso por parte das autoridades e o poder dos coronéis e suas oligarquias, tendo a Bahia como cenário principal.
Partindo agora para uma analise no campo de como a literatura pode servir de base para uma compreensão histórica dentro de sua estrutura, utilizarei três obras de diferentes autores para demonstrar como é possível através da ficção enfocar um período importante dentro da história.
Tendo como cenário os períodos entre a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, e como base de referência Ernest Hemingway e seu livro "Adeus ás Armas", Ib Melchior "Os Lobisomens de Hitler" e Daniel Silva "A Espiã Improvável", vejamos como cada uma dessas obras pode servir de fonte de dados para uma pesquisa histórica.
A palavra Guerra pode denominar um emaranhado de significados dentro de sua esfera. Guerra Conjugal, guerra empresarial, guerra de ideologias, guerra santa, guerra dos sexos, guerra de torcida de time de futebol aos domingos, guerra política, guerra entre vizinhos, por fim a palavra "Guerra" pode ser impregnada de diversas maneiras.
Talvez a pior de suas denominações, seja aquela que atravessa o mínimo de limite da compaixã, e leva massas em nome de uma ideologia a cometer os atos mais primitivos do ser humano, levando-o a uma barbárie metodologicamente racionalizada. A guerra invadiu o imaginário de milhares de intelectuais extasiados pelo assunto, que não pouparam em levar seus pensamentos aos quatros cantos do globo retratando os acontecimentos de um dos hábitos mais selvagem do homem.
A literatura emprestou sua arte para tratar do tema Guerra.
Partindo para a abordagem das três obras citadas anteriormente nesse texto, começando por um dos maiores escritores do Modernismo mundial, o escritor Ernest Hemingway autor de livros inesquecíveis como "O Velho e o Mar" e "Por Quem os Sinos Dobram". Sua obra a ser discutida é o romance autobiográfico "Adeus ás Armas", inspirado sobre tudo em sua participação na Primeira Guerra Mundial tendo como tempero uma paixão do autor por uma enfermeira em que ele não foi correspondido.
Tudo começa com um rapaz Frederic Henry que se alista no exército italiano como motorista de ambulância e acaba por se apaixonar por uma enfermeira Catherine Barkley. No decorrer do romance, a paixão entre os dois sofre com as constantes dificuldades impostas pela guerra, Hemingway descreve situações dramáticas vividas por seus personagens, relatando como um verdadeiro "açougue humano" que foi os hospitais de campanha, da ênfase também a dura realidade das batalhas, como uma guerra pode levar vidas assim como um córrego leva água para seus afluentes.
O cenário dessa estória se passa na região de Carporetto na Itália, onde o autor descreve a ferocidade da guerra e o poder das novas armas que estavam sendo utilizadas que causou uma carnificina sem limites, como a metralhadora que foi aprimorada como elemento vital na vida de um soldado, o uso de armas químicas como o gás, os carros blindados que eram protótipos durante esse conflito, além são claro do uso de ataques aéreos que foi uma nova maneira criada para instaurar o terror entre os civis.
Esse romance que teve inspiração em acontecimentos vividos pelo autor que foi ferido em 1918 em combate e levado depois para um hospital militar aonde iria se apaixonar por uma enfermeira, mas que não é correspondido, pode ser considerado como um relato da participação de Hemingway na Primeira Guerra Mundial contando o que vivenciou e sentiu.
Passando para um aspecto melancólico no particularismo do autor, Hemingway se utiliza Frederic e Catherine e de seu amor, como algo que ele queria que ocorresse consigo próprio, portanto ele pode vivenciar uma paixão não correspondida dentro de sua imaginação.
Considerado como melhor romance sobre a Primeira Guerra Mundial, relatado por um ex-soldado que estava nos campos de batalha e com isso tinha a seu redor material de sobra para estruturar sua obra, Hemingway procurou fazer uma pesquisa historiográfica que serve de base para poder compreender o que foi a Primeira Guerra Mundial e adotando um estilo próprio de escrever, mostrando a paixão de um casal em meios as rajadas de rifles e explosões de bombas, uma paixão que ele não pode viver, transferindo assim para a fantasia a sua felicidade amorosa.
Passando agora para analise do segundo livro, passarei aos comentários de um escritor creio eu não tão conhecido como Hemingway, o dinamarquês Ib Melchior.
Ib Melchior também esteve nos campos de batalha, mas ao contrário de Hemingway, foi um soldado de notável destreza recebendo condecorações como a Cruz de Cavaleiro Oficial da Ordem Militante de Santa Brígida da Suécia, além de ter recebido medalhas de condecoração do exército dos Estados Unidos e pelo rei da Dinamarca. Melchior não usou a ficção para descrever algum acontecimento da Segunda Guerra Mundial, foi através de uma extensa bibliografia e consultando arquivos militares que construiu o alicerce de sua obra "Os Lobisomens de Hitler". Por outro lado também não escapou de usar personagens fictícios e misturar junto com eles personagens reais para moldar seu enredo.
Nessa narrativa, o autor conta à história do corpo de elite da Gestapo, denominada Lobisomens com um plano para matar o general Eisenhower.
A fabulosa organização criada para ser "a menina dos olhos" do III Reich, situada numa fortaleza Alpina ou como chamavam os nazistas Reduto Nacional entre as montanhas equipada para suportar qualquer tipo de ataque aliado era um dos mais poderosos rengimentos do Nazismo.
Essas tropas tinham como objetivo principal além de matar Eisenhower, afugentar as tropas aliadas da Alemanha, e causar o maior terror possível entre elas, desestabilizando todo o seu aparelho militar. O curioso aqui em relação a Hemingway, é que Melchior não utilizou nenhum tipo de acontecimento de caráter emocional para compor sua obra, e sim que a divisão de contra-espionagem do qual era membro tinha como objetivo principal que era a destruição dos "Lobisomens". Melchior não fez uma autobiografia de sua participação no "front", e sim fez uma abordagem histórica sobre um dos acontecimentos mais cruciais sobre os últimos momentos da Segunda Guerra Mundial, fez o uso da literatura incrementando personagens reais com outros imaginários para ambientar os acontecimentos do fim da guerra.
Chegando agora a terceira obra a ser discutida, o livro em questão agora é a do jornalista da rede CNN em Washington Daniel Silva em sua curta obra "A Espiã Improvável".
O livro nasceu em virtude da comemoração dos 50 anos do Dia, e em decorrência de uma matéria que o jornal Washington Post publicou em relação ao assunto.
Tudo começa então com uma matéria de jornal que serviu de roteiro para construção de uma pequena estória de espionagem, traição e sedução durante a Segunda Guerra Mundial. A sinopse da obra é a seguinte. Os alemães ficam sabendo que os aliados planejam uma grande invasão em larga escala na região da Normandia. Para averiguar a suposta invasão, eles mandam um de suas melhores agentes para se aproximar de um engenheiro americano responsável pela infra-estrutura do plano no caso Peter Jordan. Entre sabotagens, trocas de informações, chantagens, perseguições e um forte cenário de sedução, a trama passa por redutos secretos do Primeiro-Ministro Winston Churchill chegando à passagem do General Eisenhower por Londres e depois pela intimidade do "bunker" da Chancelaria alemã em Berlim descrevendo as reuniões com todo o corpo do III Reich. A trama mostra que como foi o jogo político sujo, em que meia dúzia de pessoas comanda umas vastas redes de intrigas, aproveitando do sangue de muitos para conquistar seus objetivos.
Silva utiliza uma trama completamente fictícia na maioria de seu conteúdo, para contar as tramas de espionagem entre as nações beligerantes durante a Segunda Guerra Mundial usando reuniões políticas secretas narrando o verdadeiro lance de gato e rato dos espiões. É notável como esse jornalista trabalha com um marco histórico como o Dia D, utilizando na estrutura da obra imaginária a eterna dádiva de mocinho x bandido para descrever como eram as situações dos informantes secretos encarregados de descobrir informações inimigas. Silva paradoxalmente a Hemingway e Melchior não participou da guerra, escreveu sua obra inspirada numa reportagem de jornal e desenvolveu seu pensamento longe de experiências vividas nos campos de batalha.
Mas o que se poderia dizer desses três autores e seus livros aqui discutidos?
É como a literatura pode ser usada de diversas formas para abordar um determinado assunto. Ela pode passar tanto pelas experiências de vida de um autor que se inspira nela para escrever sua obra chegando até em acontecimentos históricos de grande repercussão juntando isso com sua experiência de vida, como Hemingway fez escrevendo "Adeus ás Armas" e colocando em evidência sua participação em batalhas durante a Primeira Guerra Mundial, narrando seus anseios e experiências durante o conflito, mas se colocando na pele de um personagem, utilizando o relato particular seu para dar estrutura a seu livro, ou como Melchior contando uma operação de guerra feita pelos aliados para destruir o corpo de elite de Hitler, sobre tudo nesse ponto vindo de um ex soldado que participou dessa operação, ou se não por um artigo de jornal que foi fonte primária para a elaboração de um pequeno livro de espionagem militar durante a Segunda Guerra Mundial em comemoração aos 50 anos do Dia D como Daniel Silva fez.
O que fica disso é que o cinema e a literatura podem abordar de diversas maneiras um mesmo assunto, no caso específico aqui à literatura em seu campo de discussão ficou focalizado nas duas grandes guerras mundiais, mas á outras infinidades de fatos históricos que grandes literatos usaram para dar consistência as suas obras.
Procurei nesse pequeno texto demonstrar ao leitor, um pouco de como o cinema e a literatura servem de base para uma analise histórica e também de como grandes livros se tornaram magníficas produções cinematográficas.


? Obs. As obras aqui citadas foram exclusivamente de escolha minha.



Bibliografia.

HEMINGWAY, H. "Adeus ás armas", Ed. Bertrand Brasil. 2002.
MELCHIOR, I. "Os lobisomens de Hitler".Tradução Paulo Roberto Palm. SP: Nova Época Cultural.
NORST, J. "Mississipi em chamas".Tradução Enio Silveira. RJ: Civilização Brasileira, 1989.
PUZO. M. "O poderoso chefão".Tradução Carlos Nayfeld RJ: Record, 2002.
SILVA, D. "A espiã improvável". Rocco. 1996.