Cinema Dadaísta e Surrealista
Por Davi Querino | 06/08/2010 | ArteDavi Querino
Universidade Federal da Paraíba
1. Introdução
Este artigo tem por objetivo situar e discutir as questões que envolvem a noção de cinema dadaísta e surrealista. Partindo do conceito do que foi o dadaísmo e surrealismo como movimentos artísticos, no caso do primeiro, antiartistico. O modo ou a forma como os artistas trataram os temas ou assuntos ligados a arte, não irá divergir muito, mesmo mudando o suporte. Ambos os movimentos aderiram à linguagem cinematográfica em suas poéticas. O que são dadaísmo e surrealismo quanto movimentos de arte, como foi manifestado pelo cinema, os filmes e diretores mais conhecidos, análises de alguns como Entr?acto e Paris Adormecida.( BRADLEY, 2004)
As características de um filme surrealista e dadaísta. As performances desses artistas contribuíram para a forma de experimentação ao novo suporte, o fílmico. É, discutida também as questões que envolviam o processo do fazer artístico, valorizando as zonas psíquicas do cérebro humano, consciente, inconsciente e subconsciente. Podemos perceber que Freud é um inspirador na sua teoria da psicanálise, os artistas irão usá-la como subsidio em seus trabalhos, seja, na pintura, na fotografia, no objeto, e no cinema.
O cinema comercial foi influenciado pelas propostas das vanguardas de artes.
2. O que é cinema
Existem várias definições para a palavra cinema. Segundo a enciclopédia Wilkipidia:
O cinema (abreviação de "cinematógrafo", do francês cinématographe, composto dos elementos gregos κίνημα "movimento" e γράϕω "escrever") é a técnica de projetar fotogramas (quadros) de forma rápida e sucessiva para criar a impressão de movimento, bem como a arte de se produzir obras estéticas, narrativas ou não, com esta técnica. Compreende, portanto, uma técnica, uma forma de comunicação, uma indústria e uma arte.
Cinema pode se referir ao conjunto de pessoas que trabalham na indústria cinematográfica, ou ainda à sala de espetáculos onde são exibidas obras cinematográficas.
A invenção da fotografia e principalmente a da "fotografia animada" foram elementos importantissimos para o desenvolvimento não apenas das artes como de outras ciências, especialmente no campo da antropologia visual.
O cinema irá apresentar narrativas emprestadas de outras linguagens artisticas como o teatro, a literatura, e até da propria pintura. Esse é uma forma de construção do conhecimento é memoria e ressignificação.
De acordo com Araujo:
Com os irmãos Lumière, o cinema encontrou sua primeira e mais completa definição: um modo de captar a realidade em movimento sem nenhuma interferencia humana. Tudo o que os Lumière queriam era mostrar cenas de familia, de suas fabricas, um trem em movimento, o almoço do bebê. Parece pouco, não é? Mas , é claro que não devemos esperar que os inventores de um aparelho desenvolvam todas as suas possibilidades.( ARAUJO, 1995, P. 10)
3. Dadaísmo e surrealismo
O Dadaísmo foi uma vanguarda moderna fundada em Zurique em 1916, por alguns escritores e artistas plásticos, dentre eles encontramos Duchamp, Tristan Tzara, Francis Picabia, Max Ernst e Man Ray.
Segundo alguns autores a palavra Dada surgiu por acaso, em uma reunião de artistas no Cabaret Voltaire, um dos representantes do movimento abriu um dicionário francês na página em que abriu a primeira palavra que encontraram foi Dada, que significa cavalinho, cavalo de pau, besta selvagem ou simplesmente nada. Dada = nada, porque nada mais poderia ter razão diante da guerra. Daí surge o Dadaísmo, um movimento de antiarte. (RICHTER, 1993).
Os dadaístas usavam o inconsciente, satirizam a sociedade da época dando um caráter ilógico. Não adianta mais raciocinar diante do que havia perdido a razão. Há várias versões para a origem do termo Dadaísmo, como vários autores dadaístas que afirmam o seu descobrimento, assim é de se considerar que essa confusão toda de quem realmente teria sido o verdadeiro autor, tenha sido proposital, para causar confusão na mente das pessoas. Quem afinal descobriu a origem do termo dadaísmo? Teria sido realmente Tzara?
Como percebemos pela definição do que seria o dadaísmo, as características desse movimento antiartístico. Os dadaístas incomodados com a guerra e insatisfeitos pelo padrão de representação artística durante os períodos ou estilos nas artes.
Terminada a guerra, os dadaístas voltam para sua terra natal, continuam com suas idéias dadaístas e fazem exposições.
A última manifestação que se tem com data formal, é de 1922, já a partir de 1923, surge o surrealismo, isto é, aparece, porque o surrealismo já havia se formado muito antes do que supostamente teria sido a ultima manifestação dada. O surrealismo é considerado a arte que reflete os sonhos, sendo uma conseqüência ou continuação de algumas idéias dadaístas.
Quando se apresenta a abstração no tema e não no elemento visual temos o Dadaísmo ou Surrealismo.
Temos que ter em mente um pensamento, a maioria desses estilos na História das Artes se deu em períodos marcados por conflitos e guerras, como é o caso do Dadaísmo, em que ocorreu no período da Primeira Guerra Mundial, juntam-se às revoltas devido aos horrores da guerra.
MICHELI escreve: Dada nasceu de uma exigência moral, de um desejo implacável de atingir uma moral absoluta, do sentimento profundo de que o homem, no centro de todas as noções empobrecidas da substância humana, sobre as coisas mortas e sobre os bens mal adquiridos. Dadá nasceu de uma revolta que era, na época, comum a todos os jovens, uma revolta que exigia uma adesão completa do individuo às necessidades da sua natureza, sem nenhuma consideração para com a história, a lógica , a moral comum, a honra, a pátria, a família, a Religião, a Liberdade, a Irmandade e tantas outras noções correspondentes a necessidades humanas, das quais, porém, apenas subsistiam poucas esqueléticas convenções, pois haviam sido esvaziadas de seu conteúdo inicial. ( MICHELI, 1991, P.131).
O Dadaísmo é contradição, é revolta é negação. Diz que a lógica é falsa; ser lógico, e racional os tornam passivos diante do descaso, e dos policiais. O único sistema certo seria simplesmente não ter sistema.
Como se percebe o Dadaísmo permitiu mais uma quebra aos valores nas artes, abrindo caminho para uma nova visão artística, para a imaginação, dando outro sentido a arte e aos objetos representados ou postos com valor artístico.
Essa formula irá repercutir em toda sociedade e na maneira de se pensar e se fazer a arte. O dadaísmo questionava os padrões impostos pela sociedade e pelo sistema político. O artista mais conhecido nas artes visuais, é Marcel Duchamp, que questiona o conceito de arte e a estética dentre outras facetas, como é o caso do mictório intitulado a fonte. A fonte significa a origem de, onde jórra, pelo qual tudo começa. A partir daí as artes tradicionais serão questionadas. A estética deve ser só o belo? Só é artista quem faz o trabalho "manual", quem possui a técnica? A arte é idéia , conceito, o dadaísmo irá influenciar todos os demais movimentos de arte, como a arte conceitual e a arte contemporânea.
O surrealismo como citado anteriormente, é a arte que reflete os sonhos e os pesadelos. Os artistas usam as áreas do cérebro inconsciente, subconsciente e consciente.
Teve como teórico André Breton, e como artistas Salvador Dali, Magrite, Miró dentre outros. O surrealismo surge como um movimento literário, só depois irá abrir campo para as artes visuais.
4. A incorporação do cinema pelos dadaístas e surrealistas
Tanto o dadaísmo quanto o surrealismo incorporaram o cinema em suas poéticas, por possuir um espaço e tempo diferente do da pintura, do teatro e demais categorias artísticas. O cinema envolve o processo sonoro-visual, capta a imagem instantânea e em movimento. O cinema surrealista e dadaísta é de difícil digestão uma vez que envolve enigmas simbólicos, metáforas desafiantes, provocando no expectador sempre dúvidas. O faz refletir, pensar, sobre os processos acerca do fazer artístico e do próprio conceito da obra cinematográfica. Tornando um universo desafiador para os artistas e o público, as técnicas cinematográficas usadas pelos artistas e diretores não são tão sofisticadas como possibilita hoje. O cinema passou por esse processo de transformação da imagem e dos suportes. Para abordar o discurso de cinema no dadaísmo e surrealismo não se deve esquecer de mencionar uma das principais escolas de cinema, a Avant-garde- escola animada francesa, nos anos 20, por Louis Delluc e Germane Dulac. A intenção é a libertação da imagem da influência literária, com a concepção de um "cinema puro". Jean Epstein ( cineasta) e Fernand Léger ( artista plástico) participaram dessa escola. Mesmo que não tenham influenciado de modo direto às de Luis Buñuel ( surrealismo), Jean Vigo (o cinema poético), Abel Gance ( grande produção). A segunda vanguarda: dadaísmo e surrealismo, caracteriza-se pelas pesquisas plásticas feitas pelos artistas na década de 20, na Alemanha, valorizam as composições visuais abstratas em "movimento", e na França os artistas possui um cunho figurativo, se interessam pelos movimentos, recursos de montagem, e outros truques visuais para abordar o concreto: objetos, máquinas , o humano: O balé mecânico (Léger, 1924) é um exemplo excelente. Os dadaístas são anarquistas e provocadores em suas abordagens sobre um determinado assunto, os surrealistas vão mais a frente usando-se das associações de imagens, fantasmas, a questão erótica e os objetos de pulsões.
. René Clair: Entr?Acte (1924) Este filme dadaísta foi exibido no intervalo da peça Relâche de Francis Picabia. O Dadaísmo foi um movimento de curta duração, devido a isso teve poucas obras representativas no cinema, mas tem uma pequena obra prima; Entre Acte (1924) de René Clair. Clair dizia deste seu filme que pela primeira vez na história a imagem se encontrava absolvida de qualquer necessidade de significar. O arbitrário o absurdo e o simbólico encontravam-se misturados ao cotidiano de tal forma que qualquer espectador sensível não podia ficar passivo ao assistir o filme. O cinema dadaísta não pede a participação do público e sim há a exigência de tal. Entre' Acte significa "intervalo" e foi exatamente entre os atos de uma peça de Francis Picabia (Relâche) com música de Erik Satie que o filme estreou. Não poderia ser mais dadaísta.
Nos filmes Entr?Acte, e Paris Adormecida podemos observar essa atitude dadaísta. O filme Entr?Acte, na primeira cena temos um homem que está com uma espingarda e tenta atirar em um pombo. O pombo simboliza a paz, é como se fosse o ato de guerrear acabando com a paz. Depois o pombo pousa na cabeça do personagem e ele despenca de cima do prédio, indo a óbito. Já na cena final o personagem levanta do caixão e faz todo mundo desaparecer num passe de mágica, e até ele próprio. É como se ele matasse todos e depois se suicida. Algo totalmente irracional, sem lógica.
Em Paris Adormecida, um grupo de jovens está na Torre Eiffel. Um cientista maluco lança um raio invisível que paralisa toda a cidade de Paris, deixando os habitantes estáticos em um sono profundo. Só quem não fica paralisado é o grupo de jovem que estava na torre, de volta a cidade eles percebem que todos os habitantes estão em um sono profundo. Aproveitam-se da situação para aprontarem, é como se eles fizessem uma critica a sociedade da época em que não fazia nada, ficava paralisada diante dos conflitos e das situações que envolviam todos problemas sociais. O filme tem um caráter dadaísta e surrealista, que no final do filme os personagens principais se perguntam se tudo não passou de um sonho.
Paris adormecida é um filme com viés mais surreal que dada. No entanto Entre? Acte pode-se ter uma percepção mais de cunho dadaísta.
Existem muitos outros filmes na temática como os de Man Ray, e Marcel Duchamp. Pode-se perceber abaixo uma pequena análise de um filme do artista.
O curta-metragem Anemic Cinema (1926), realizado por Marcel Duchamp no estúdio de Man Ray, e teve a colaboração de Marc Allégret e Calvin Tomkins, sendo considerado um clássico do cinema experimental. É uma obra que busca um "cinema puro" ou "cinema absoluto", caracterizando-se pela inexistência de personagens e sem possuir estruturas narrativas convencionais.
O filme Anemic constitui-se por sucessivos planos fixos de dezenove discos giratórios em movimento. Nove discos contêm fragmentos de textos dispostos em forma espiralada que se lêem de fora para dentro, enquanto os dez são somente espirais e que ao girarem, provocam no espectador um efeito hipnótico ou op. Salientando uma questão, a Op arte só irá surgir como movimento artístico muito depois.
As palavras presentes no espiral do filme são da autoria de Rrose Sélavy ("Eros c?est la vie"), o pseudônimo do alter-ego feminino de Marcel Duchamp, e estão supostamente infectados de nonsense e/ou conotações sexuais ("On demande des moustiques domestiques (demi-stock) pour cure d'azote sur la Côte d'Azur", "Esquivons les ecchymoses des esquimaux aux mots exquis" ou "Avez-vous mis la moelle de l'épée dans le poêle de l'aimée").
Ao assistir o filme temos a sensação de que a sexualidade pode ser desvendada como o subtexto contido no filme, em outra , os espirais rotatórios permite-nos pelos menos duas leituras, uma é a tridimensão, a outra é o caráter poético e sexual. No decorrer do filme as esferas e as palavras se sobrepõe e carrega-nos para o mundo subjetivo e nos desloca do visível para o domínio do plano inconsciente e subconsciente.
Duchamp não se interessava apenas pela investigação visual do filme, desenvolvia um processo sensorial causado pelo movimento da obra. Para ele a arte não é só retiniana e sim o conceito a idéia.
Outro filme de vanguarda que também aderiu as formas abstratas foi: L'Étoile de mer ( A estrela do mar)-1927, de Man Ray,considerado um dadaísta, e no cenários do surrealismo podemos situar Um cão andaluz, 1928, A idade dourada;1930, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, e O sangue do poeta, 1930, de Jean Cocteau.
Buñuel e Dali apresentam Um cão andaluz em 1928; e A era do ouro em 1930. Os dois filmes não obedecem á lógica da narrativa clássica, rompe, valoriza o onírico, as associações imagéticas metais, um conflito do racional com o imaginário. No filme Um cão andaluz a imagem da navalha contando o olho da mulher, é impactante, não é qualquer expectador que consegue ver a cena, é uma imagem que ficará no inconsciente e a qualquer instante poderá vir em forma de insight para o consciente.
O dadaísmo e surrealismo vislumbraram a teatralidade plástica, a estética é inseparável do efeito mecânico da imagem sobre o interior ou inconsciente. Não existindo distinção lógica entre o que é imaginário e real, principalmente tratando-se dos efeitos surreais.
5. Considerações finais
Apesar destas diferentes concepções que envolvem o mundo cinematográfico no âmbito das escolas artisticas dadaísmo e surrealismo, de maneira geral não irá se diferenciar muitos dos outros suportes artísticos no quesito temático ou conceitual, como a negação da arte, e os relances de sonhos e pesadelos. As performances, o teatro e a literatura de ambos estilos da arte influenciaram com certeza a incorporação do elemento fílmico no processo de criação de imagens. Essas imagens são carregadas de símbolos e signos, e houve uma intenção em cada proposta dos artistas e cineastas. Quando se fala em signos, deve-se lembrar que toda imagem é carregada de signos, e para desvendá-la é necessário a tentativa do que significa, saber o que significa é conhecer o signo, é desnudá-lo.
O cinema possibilitou um diálogo entre o artista, a situação social, e o expectador. O cinema dadaísta e surrealista não é de se considerar narrativo, possui um circuito mais fragmentado, muitas vezes sem uma lógica. A intenção é envolver os processos psíquicos do inconsciente e consciente.
Assim como nas categorias como pintura, escultura, fotografia, o dadaísmo e surrealismo mudaram a maneira de se fazer cinema, há uma valorização pela experimentação da imagem, influenciou a arte contemporânea, no vídeo arte, vídeo instalação e vídeo performance, dentre outros.
O cinema captou influências do vídeo, da televisão, e de outros meios midiáticos ao longo do tempo.
Não podemos pensar na arte eletrônica, vídeo arte, vídeo sem essa contribuição dos elementos usados na cinematografia dadaísta e surrealista.
6. Referências
ANDREW, J. Dudley. As principais teorias do cinema: uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989
ARAUJO, Inácio. Cinema- o mundo em movimento. São Paulo: Scipione, 1995.
BRADLEY, Fiona. Surrealismo- Movimentos da arte moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
FER, Briony, BATCHELOR, David, WOOD, Paul. Realismo, racionalismo, surrealismo- a arte no entre-guerras. São Paulo: Cosac e Naify Edições, 1998.
METZ, Cristian. O significante imaginário ? psicanálise e cinema. Livros Horizontes, 1980
MICHELI, Mário. As vanguardas artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 1991
RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
VANOYE, Francis, GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas, SP: Papirus,1994.
XAVIER, Ismail . A experiência do cinema. Petrópolis, RJ: Editora Vozes Ltda,1983.
Filmografia:
Entr?Acte (1924)
De René Clair
A Idade do Ouro
(L' Âge d'or, França, 1930)
De Luis Buñuel
O Sangue de um Poeta
(Le Sang d'un poète, França, 1930)
De Jean Cocteau
Quando Fala o Coração
(Spellbound, EUA, 1945)
De Alfred Hitchcock
A Bela e a Fera
(La Belle et la bête, França,1946)
De Jean Cocteau
Hiroshima mon amour
(Hiroshima mon amour, França / Japão, 1959)
De Alain Resnais
A Doce Vida
(La Dolce vita, Itália / França,1960)
De Federico Fellini
O Ano Passado em Marienbad
(L' Année dernière à Marienbad, França / Itália / Alemanha / Áustria, 1961)
De Alain Resnais
O Anjo Exterminador
(El Ángel exterminador, México,1962)
De Luis Buñuel
Deus e o Diabo na Terra do Sol
(Deus e o Diabo na Terra do sol, Brasil, 1964)
De Glauber Rocha
Persona
(Persona, Suécia,1966)
De Ingmar Bergman
A Bela da Tarde
(Belle de jour, França / Itália, 1967)
De Luis Buñuel