Cinema: a violência em filmes brasileiros
Por Keila Nascimento Alves | 23/04/2011 | HistóriaO cinema, como veículo de comunicação em massa é produtor de sentidos, ele não somente representa a realidade, como também a reconstrói, ressignifica, define vivências e experiências, e erige outras realidades. Segundo Inês Teixeira e José Lopes, o cinema é uma arte da memória, da memória individual, coletiva e histórica, ele cria ficções e realidades históricas. (2003). Desse modo, podemos afirmar que o cinema é uma arte (não obstante a indústria cultural massificada) que possibilita tipos variados de subjetivação e sensibilização. Um ato criador, olhares e idéias em imagens em movimento, mediante as quais compreendemos e damos sentido às coisas, bem como as ressignificamos e exprimimo-las.
Na produção cinematográfica, o princípio de organização das informações recolhidas é o dramático e estético, tanto pela beleza dos planos como pela narrativa cinematográfica, sendo que a mesma possui um caráter informacional polissêmico e se constitui como um discurso aberto a várias interpretações. Esse discurso almeja expressar um sentido(s) a ser(em) encontrado(s) nos rastros dos signos (portadores de significados) que neles se manifestam. Nessa perspectiva, entendemos o cinema como construto - não neutro e não passivo - mas prenhe de intencionalidades, dos valores e contradições o seu tempo.
Como supracitado o cinema é uma maneira de olhar, compreender e expressar algo. Neste sentido, como tem sido compreendida, significada e expressa a violência na favela em filmes brasileiros, a saber: Cidade de Deus, 2002, dirigido por Fernando Meirelles e Kátia Lund; Sonhos Roubados, 2010, dirigido por Sandra Werneck e Falcão, Meninos do Tráfico, dos diretores Mv Bill e Celso Athayde.
Na narrativa ficcional Cidade de Deus, a violência, assim como a classe subalterna é apresentada como espetáculo. Atos violentos são apresentados como presentes e recorrentes no cotidiano da favela; assaltos, disputa por pontos de venda de drogas, porém não devemos omitir que essa violência também seja as precárias condições de vida da comunidade. O filme reforça a idéia da violência como circulo vicioso e banal (... Quanto mais gente morria, mais tinha gente querendo entrar, de um lado e de outro...) e da falta de opção dessas pessoas frente à sua realidade: conviver com a violência e a marginalidade. Buscapé um dos personagens centrais e narrador do filme consegue tornar-se fotógrafo, com a foto do bando de Zé pequeno, ele tem a chance de conseguir o seu trabalho e com foto do traficante morto constitui-se como fotografo de um jornal. A solução encontrada é individual, sem o questionamento da ordem estabelecida.
Sonhos Roubados, longa metragem cujo cenário fílmico é uma favela do Rio de Janeiro, espaço de conflitos individuais. E tem como fio condutor da narrativa as vivências de três garotas que são amigas: Jéssica, Sabrina, Daiane. Jéssica tem uma filha pequena, ambas moram com o avô, ela faz programas para "ganhar" a vida e sustentar a filha e ajudar ao avô. Sabrina mora sozinha, do transcorrer do filme, ela conhece um traficante, passa a residir na casa dele e engravida deste, porém o mesmo não aceita o fato e a abandona. Daiane tem 14 anos e mora com a tia e esposo desta. A garota é violentada por este, e quando o denunciou fora expulsa de casa pela tia. As três têm na prostituição a possibilidade do sustento e da independência financeira. Importa elucidar que a prostituição é apresentada com contornos suavizados e a violência de forma silenciosa. Assim como em Cidade de Deus as soluções encontradas são individuais.
Mv Bill como narrador presente na produção do documentário Falcão, Meninos do Tráfico, pretende dá visibilidade ao tráfico sob a ótica de problema que necessita ser mostrado de forma não glamorizada. O documentário mostra os efeitos da exclusão o tráfico constituiu-se como uma empresa que tem uma estrutura já solidificada e recruta pessoas que não tem oportunidade de trabalho formal ou informal, mas que legalizados, muitos meninos precisam crescer rapidamente, para encarar a realidade febril (... A realidade da vida é que o bagulho é doido, a realidade da favela o bagulho é doido...). Podemos perceber pontos de atritos e contradição (pessoas do segmento policial envolvidas no trafico) expressos no documentário, mas que reforçam o nosso entendimento da realidade enquanto tecido social carregado de subjetividades, contradições e embates de discursos. Os diretores objetivam que o documentário seja instrumento de reflexão, para se repensar as leis brasileiras e o conceito de humanismo.
A cinematografia é um dos integrantes da chamada indústria cultural de massa, a linguagem e os temas abordados devem ser atraentes para despertar o interesse do público, predomina a proposta hollywodiana de entreterimento. Portanto, é um desafio abordar temas por vezes complexos, expor e interrogar a realidade atendo-se ao binômio ético e estético: como mostrar o sofrimento sem cair no paternalismo ? como levar esteticamente o espectador a compreender a radicalidade da miséria, da fome e da exclusão. (BENTS)
Bibliografia:
Bentes, Ivana. Da estética à Cosmética da fome. Disponível em: www.nordesteweb.com Acesso em: 22 dez. 2010.
Ferro, Marc. O conhecimento histórico, os filmes, as mídias. Disponível em: Revista Eletrônica O Olho da História. www.oolhodahistoria.ufba.br ? Artigos Oficina Cinema-História.
Hokheimer, Max / ADORNO, Theodor; "A Indústria Cultural: O esclarecimento como mistificação das massas". IN: Dialética do Esclarecimento. Trad. Guido Antonio de Almeida- RJ: Jorge Zahar Ed, 1995. (p.113-156).
Teixeira, Inês Assunção de Castro. Lopes, José de Sousa Miguel. (org.) A Escola Vai ao Cinema. 2ª ed.: Belo Horizonte: Autentica 2003.
Filmes:
Cidade de Deus, 2002 (Brasil)
Direção: Fernando Meirelles Gênero: Drama
Falcão, Meninos do Trafico, 2006 (Brasil)
Realização - CUFA - Central Única das Favelas Concepção e Direção CUFA - MV Bill e Celso Athayde Gênero: Documentário
Sonhos Roubados, 2010 (Brasil)
Direção: Sandra Werneck Gênero: Drama
Cinco Vezes Favela, 1962 (Brasil)
Direção: Marcos Farias (Ep. 1), Miguel Borges (Ep.2), Carlos Diegues (Ep.3), Joaquim Pedro de Andrade (Ep.4) e Leon Hirszman (Ep.5). Gênero: drama
Ultima Parada 174, 2008 (Brasil, França)
Direção: Bruno Barreto Gênero: Drama