China Um Império Sem Necessidades
Por Julio Cesar Souza Santos | 07/11/2016 | SociedadePor Que os Chineses Tinham Pouca ou Nenhuma Necessidade de Consumo? Por Que Uma Girafa Desencadeou Orgia de Folclore na China? Por Que o Espírito de Exploração Permaneceu Alheio aos Chineses?
As potências navegadoras do Ocidente nunca se satisfizeram com pequenos reconhecimentos rituais e, desde os tempos antigos, elas partiam em demandas do que quer que fosse, a fim de satisfazer suas necessidades. Seja pelos perfumes da Arábia, pelas sedas da China ou especiarias da Índia, o Império Romano sempre se lançou oceano adentro.
Os melhores livros da cozinha romana exigiam o uso da pimenta em quase todas as suas receitas. Mas, no final do século XV – quando os Portugueses ensinaram o caminho para mares asiáticos – a pimenta já não era um luxuoso condimento de mesa, mas um produto de uso corrente da cozinha europeia.
A necessidade de pimenta foi um subproduto do sistema europeu de criação de gado, pois sem uma forragem de inverno os lavradores só podiam manter vivos uns poucos animais – indispensáveis para ao trabalho e a reprodução. A carne dos que tinham de ser mortos era conservada em “salga” – processo que requeria grande quantidade de pimenta.
Mas, ao contrário, os Chineses não tinham qualquer necessidade e, produtos europeus como lã ou vinho, exerciam pouca atração sobre eles. Ao mesmo tempo em que eles consideravam um crime viajar a procura de produtos estrangeiros, os chineses expressavam confiança na sua imunidade natural a desejos exagerados.
Durante séculos, os Chineses resistiram aos desejos alienígenas de contágio ocidental e, como o Reino Central não se interessava pelos produtos dos outros países, o interesse chinês teria de se concentrar em raridades e curiosidades. Na esteira das expedições de Cheng Ho, embaixadores estrangeiros entregavam leões, tigres, zebras e avestruzes ao zoo imperial.
O espírito das expedições de Cheng não foi demonstrado na recepção feita a uma das mais espetaculares dessas curiosidades. O tributo chegou de Bengala para o imperador em 1414 e era um animal jamais visto na China; uma girafa.
Nenhum outro produto estrangeiro – animal, mineral ou vegetal – causara tanta agitação e, essa ocasião, acabou proporcionando aos chineses a oportunidade de praticar suas faculdades de enxergar o Mundo no espelho da China.
A girafa desencadeou uma orgia de autocongratulação alimentada por todos os recursos do folclore, da religião e poesia. Não foi a atração por escravos, ouro ou prata, mas sim o encanto da girafa que levou expedições posteriores de Cheng Ho a Melinde e aos pontos mais distantes da costa ocidental da África. As curiosidades do Mundo se transformaram em meras manifestações da virtude da China. Assim se revelava uma “muralha da China” do pensamento contra as lições do resto do planeta.
Não menos extraordinária do que os empreendimentos navais de Cheng Ho foi a forma súbita com que terminaram. Se esse Colombo chinês tivesse sido seguido por Vespúcios, Balboas, Magalhães ou Cortezes chineses, a história do Mundo poderia ter sido diferente. As energias anteriormente aplicadas nas expedições passaram a ser consumidas para impor o isolamento.
A corrida europeia às colônias não tiveram correspondentes na história chinesa moderna e, dessa forma, o espírito de exploração permaneceu alheio à China. O pendor chinês a para reclusão era uma história antiga e a Grande Muralha é um bom exemplo disso. Existiam, claro, razões para esse isolamento e manter Estados tributários era bem dispendioso. Impressionar tantos países a uma distância tão grande constituía enorme encargo, com reduzido retorno econômico.
A oposição aos empreendimentos de Cheng Ho foi apenas mais uma escaramuça da batalha dos burocratas confuncionistas contra os eunucos da corte e, a burocracia dominada pelos eruditos de tradição confuncionista, fora uma das mais precoces realizações chinesas.
Os burocratas defendiam que o erário imperial fosse gasto em projetos de conservação de água, celeiros para prever a fome ou canais para melhorar a agricultura e não em pomposas aventuras marítimas. O que essas tinham trazido ao país, senão algumas pedras preciosas e curiosidades desnecessárias como rinocerontes e girafas?
Os Chineses tinham elaborado a sua versão do mundo habitável que os colocava no centro e, dessa forma, eles eram a sua própria Jerusalém. Os imperadores da dinastia Ming eram considerados os “Filhos do Céu”; ou seja, eles eram os soberanos supremos de todos os outros povos da Terra. Enquanto outros povos excluíam estrangeiros por não serem da sua tribo, os Chineses incorporavam o resto do Mundo na sua.
Quando os europeus se faziam ao mar com entusiasmo, a China – presa a terra – encerrava suas fronteiras e, adentro da sua Grande Muralha física e intelectual, os chineses evitavam contato com o inesperado. A unidade da descrição geográfica chinesa fora durante longo tempo um “kwo” (uma terra habitada sob um governo estabelecido), e, por isso, somente tal governo poderia ser tributário dos Filhos do Céu.
Por isso, eles mostravam pouco interesse por terras desabitadas ou longe do seu alcance. Por que os eruditos confuncionistas deveriam se preocupar com a forma do mundo exterior?
A esfericidade da Terra interessava-os menos como fenômeno da Geografia do que como um fato da Astronomia. A ideia grega de cinco faixas de “Climatas” se estendeu à volta do planeta e as doutrinas associadas que caracterizavam as plantas e os animais, não lhes eram apropriadas.
Em vez de eles descobrirem as características culturais de todas as partes do globo pelo seu relacionamento com o Reino Central e não sentiam impulso para descobrir caminhos marítimos para terras exóticas. Perfeitamente equipados com a tecnologia, a inteligência e os recursos naturais para se tornarem descobridores, os Chineses se condenaram a ser descobertos.