CHEQUE PRESCRITO E AÇÃO MONITÓRIA: a possibilidade jurídica de admissibilidade a partir da Súmula 503 do STJ

Por Conceicao de Maria Miranda Pereira | 18/07/2017 | Direito

Conceição de Maria Miranda Pereira[1]

José Carlos Santos Rodrigues[2]

Lorena de Viveiros Rios[3]

RESUMO

O artigo em tela versa sobre a possibilidade jurídica de admissibilidade de Ação Monitória em caso de Cheque Prescrito, a partir da Súmula 503 do STJ. Desse modo, sopesa a noção de Cheque enquanto Título de Crédito, bem como a Ação Monitória e os pressupostos necessários de ajuizamento conforme o CPC. Antes da Súmula 503, existia uma grande controvérsia acerca da questão, pois a jurisprudência era diversa, as interpretações doutrinárias se multiplicavam e aliado a isso tudo se tinha um leque de leis que, de maneira suposta, versavam sobre o assunto. Tais interpretações serão, a fim de entender, ao final, a decisão sumular do STJ, que consolidou o entendimento em torno da prescrição, no que tange ao ajuizamento da monitória fundada em cheque prescrito. Para tanto, adotam-se como metodologias do trabalho pesquisas bibliográficas, fichamentos, discussão, aprofundamento dos conceitos e produção textual.

Palavras-chave: Cheque. Prescrição. Ação Monitória. Súmula 503, STJ.

1 INTRODUÇÃO

Elegemos como foco central desta pesquisa a análise da possibilidade jurídica de admissibilidade de Ação Monitória em caso de Cheque Prescrito, a partir da Súmula 503, do STJ.

Nesse sentido, faz-se necessário considerar a natureza cambiária do cheque e os princípios da autonomia, abstração e cartularidade que cercam os títulos de crédito. É preciso reconhecer que, na origem, ainda que posteriormente prescrito pelo decurso do tempo, é documento emitido com o propósito de representar a própria dívida, conserva um tanto da relevância da natureza de origem, desprovido, entretanto da força executiva, não havendo como recusar-lhe, nessa medida, a qualidade de "instrumento particular".

Sendo assim, ainda na origem e ante eventualidade de prescrição ulterior, o cheque é instrumento representativo de obrigação líquida, assim entendida aquela que é certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto. Humberto Theodoro Júnior faz uma distinção pertinente entre documento e instrumento, conceitua este último da seguinte forma: “(...) Documento é gênero a que pertencem todos os registros materiais de fatos jurídicos”. E complementa: já “instrumento é, apenas, aquela espécie de documento preparado pelas partes, no momento mesmo em que o ato jurídico é praticado, com a finalidade específica de produzir prova futura do acontecimento”. Em outros termos, o instrumento corresponde à forma com que, em concreto, a vontade negocial se manifestou.

Destarte, serão tecidas algumas considerações acerca da noção de Cheque enquanto Título de Crédito, no segundo capítulo. A Ação Monitória e os pressupostos necessários de ajuizamento conforme o CPC serão versados na terceira seção. Por fim, a Ação Monitória enquanto meio cabível para assegurar o Cheque Prescrito como título executivo conforme Súmula 503 do STJ.

Faz-se necessário ressalvar que o presente trabalho visa ao acréscimo da reflexão teórica sobre a temática versada, afastando-se da pretensão em esgotar os estudos sobre a mesma.

2 ASPECTOS JURÍDICOS DO CHEQUE ENQUANTO TÍTULO DE CRÉDITO

2.1 Cheque: noções gerais

O cheque é uma espécie de ordem de pagamento à vista, de valor determinado. Ademais pode ser definido como “uma declaração unilateral, através da qual uma pessoa dá uma ordem de pagamento à vista, em seu próprio benefício ou em favor de terceiro” (RIZZARDO, 2013, p. 157). Destarte, o cheque é um título de crédito de modelo vinculado, haja vista que deve ser emitido por instituição bancária ou financeira autorizada. Garantindo, assim, uma certeza acerca da validade deste documento em razão de não ser um título de modelo livre.

Desse modo, o cheque pode ser definido como: “[...] uma promessa indireta de pagamento feita pelo emitente, cujo conteúdo [...] corresponde a uma ordem de pagamento a um banco ou instituição financeira assemelhada para pagar uma quantia determinada ao emitente ou a terceiro, havendo fundos disponíveis em poder do sacado” (COSTA, 2008, p. 323).

Vale ressaltar que, para a existência do cheque, deve haver três partes: a primeira é o sacador (correntista), que por meio do saque cria o cheque; a segunda é o sacado, o qual recebe a ordem de pagamento e necessariamente deverá ser um banco, a terceira é o tomador ou beneficiário, esse é o credor que deverá receber o pagamento. Portanto, para que o banco sacado efetue o pagamento do cheque, se faz necessário que o sacador seja correntista e em sua conta exista suficiente provisão de fundos.

2.2 Características

O cheque, como um título de crédito, caracteriza-se por ser título executivo, formal, autônomo e de prestação em dinheiro. É considerado título executivo em razão de o possuidor poder promover ação de execução com o objetivo de receber a prestação estabelecida pelo emitente. Desse modo, este título possui executividade na medida em que o portador do mesmo o tem como um título executivo extrajudicial, ou seja, o tem como um meio judicial célere para pleitear o cumprimento da obrigação em dinheiro presente no cheque, que apresenta liquidez, certeza e exigibilidade (NEGRÃO, 2012).

Além do mais, é considerado um título formal, pois sua emissão se dá em modelo padrão segundo as normas da instituição sacada, o Banco Central do Brasil. Os requisitos formais para a emissão do cheque encontram-se previstos nos artigos 1º e 2º da Lei de Cheque:

Art. 1º O cheque contêm: I - a denominação “cheque’’ inscrita no contexto do título e expressa na língua em que este é redigido; II - a ordem incondicional de pagar quantia determinada; III - o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado); IV - a indicação do lugar de pagamento; V - a indicação da data e do lugar de emissão; VI - a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais.

[...]

Art. 2º O título, a que falte qualquer dos requisitos enumerados no artigo precedente não vale como cheque, salvo nos casos determinados a seguir: I - na falta de indicação especial, é considerado lugar de pagamento o lugar designado junto ao nome do sacado; se designados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles; não existindo qualquer indicação, o cheque é pagável no lugar de sua emissão; II - não indicado o lugar de emissão, considera-se emitido o cheque no lugar indicado junto ao nome do emitente. (BRASIL, Lei 7.357/1985, Art. 1° e 2°).

 

Pela observação do exposto e prosseguindo coma análise de suas características, o cheque apresenta a autonomia, visto que o possuidor do cheque apresenta direito próprio ao não apresentar envolvimento, no aspecto tangente a relações jurídicas, com os possuidores antecedentes. E diante disso, afirma-se que o título não irá perder-se em razão de causas de responsabilidade antecedentes ou provenientes da relação jurídica entre os possuidores pregressos. Isso implica, por sua vez, no caráter pessoal da defesa do devedor, restringindo-se tão somente ao âmbito da relação contra o portador (NEGRÃO, 2012).

E, por fim, é título de prestação em dinheiro, já que sempre traz a obrigação de prestação em dinheiro representando quantia certa, além de não servir como pagamento de coisa infungível ou de certa coisa.

2.3 Tipologia

O cheque apresenta vários tipos de cheques em relação às declarações lançadas na cártula ou ao histórico de emissão vistos na Lei nº 7.357/85. Entretanto, serão destacadas apenas as consideradas mais importantes.

A primeira espécie a ser estudada é o cheque ao portador, na qual o destinatário é aquele que o porta, sendo o beneficiário uma pessoa indeterminada. E mesmo que neste cheque seja inserido o nome do portador acrescenta-se a cláusula “ao portador”, conforme o inciso III do artigo 8º e parágrafo único da lei supracitada (RIZZARDO, 2013).

Já o cheque nominativo é sacado em favor de uma pessoa determinada ou nomeada, apresentando a cláusula “não à ordem” ou expressão equivalente e, além disso, impõe-se ao sacado a verificação de quem apresenta o cheque a ser descontado. Retirando-se assim “[...] o cheque do regime de transferência cambial (por mero endosso)” (MAMEDE, 2012, p. 190). Ademais, a cláusula não à ordem não representa proibição à transferência de crédito, mas, sim, um empecilho para que se faça da forma simplificada, ou seja, por mero endosso (MAMEDE, 2012).

O cheque à ordem é aquele que traz o nome do beneficiário, entretanto, é permitido o endosso a outrem, conforme artigo 910 do Código Civil. A existência da cláusula não deve necessariamente vir expressa, uma vez que diante da ausência da cláusula não à ordem pressupõe-se a presença desta cláusula mencionada.

O cheque por conta de terceiro é aquele no qual o terceiro é aquele que dá a ordem para o saque. Assim, “esse terceiro autoriza o banco sacado a realizar o pagamento, retirando o valor de sua conta, e não dá conta do emitente” (RIZZARDO, 2013, p. 171).

O cheque administrativo, também chamado de cheque bancário ou cheque comprado ou cheque de caixa, dar-se quando o cheque é emitido pelo próprio banco contra o caixa, ou seja, o banco ocupa ao mesmo tempo uma dupla posição de sacado e emitente, permitido pelo ordenamento jurídico desde que não se trate de cheque ao portador conforme artigo 9º, III, da Lei n. 7.357/85. Esta modalidade de cheque é vista como uma forma de segurança, na medida em que reduz o número de inadimplentes, já que o cheque é emitido pelo banco e ordena o pagamento ao beneficiário nomeado uma determinada importância (MAMEDE, 2012).

O cheque visado apresenta no verso um visto lançado pelo sacado atribuindo, assim, uma garantia à cobertura deste cheque. Esta garantia dada pelo banco estende-se por todo o prazo de apresentação, que pode variar entre trinta e sessenta dias a depender da emissão que pode ser na praça de pagamento ou em outra praça. E “o emitente ou o portador solicita o visto, que se concede unicamente ao cheque nominal, com a exclusão daquele ao portador ou endossado” (RIZZARDO, 2013, p. 171).

O cheque cruzado caracteriza-se por ter o pagamento condicionado unicamente ao meio de crédito em conta. Desse modo, o portador não poderá nesta modalidade apresentar o cheque ao caixa do banco para retirar o dinheiro. É importante mencionar que o cruzamento poderá ser realizado tanto pelo emitente como pelo portador e inclusive o próprio banco a quem o cheque fora apresentado pode cruzá-lo.

Portanto, o cheque, para ser creditado em conta, é aquele no qual há vedação ao pagamento em dinheiro, o emitente ou portador determinará por meio de uma inscrição transversal no anverso “para ser creditado em conta” ou expressão equivalente proibindo o desconto do cheque no caixa. Assim, o crédito somente se realizará em conta corrente conforme entendimento do artigo 46 da Lei n. 7.357 (RIZZARDO, 2013). O referido artigo apregoa:

Art. 46 O emitente ou o portador podem proibir que o cheque seja pago em dinheiro mediante a inscrição transversal, no anverso do título, da cláusula “para ser creditado em conta”, ou outra equivalente. Nesse caso, o sacado só pode proceder a lançamento contábil (crédito em conta, transferência ou compensação), que vale como pagamento. O depósito do cheque em conta de seu beneficiário dispensa o respectivo endosso. § 1º A inutilização da cláusula é considerada como não existente. § 2º Responde pelo dano, até a concorrência do montante do cheque, o sacado que não observar as disposições precedentes. (BRASIL, Lei 7.357/1985, Art. 46, caput, §§ 1° e 2°).

 

É bom frisar, segundo o disposto no artigo 46 da Lei do Cheque, que o cheque a ser creditado em conta não há limitação de valor.

 

2.4 Aspectos jurídicos

 

A natureza jurídica do cheque é divergente entre os doutrinadores, uma vez que uma grande parcela da doutrina entende que não se trata de um título de crédito em razão do mesmo ser utilizado estritamente como uma forma de pagamento, ausentes assim características essenciais aos títulos de crédito. Diante disso, é considerado um título de credito impróprio em razão da condição circulatória do mesmo. E apesar de considerarmos que “cheque é instrumento de exação, não de dilação, não tem data de vencimento; é pagável no ato de apresentação, à vista, ainda que o não declare” (RIZZARDO, 2013, p. 161), o cheque não é dinheiro, não tendo poder liberatório como da moeda, sendo, assim, um meio de pagamento in solvendo e não in soluto.

Nesse sentido, faz-se necessário esclarecer alguns aspectos jurídicos do cheque, como os requisitos de validade, a emissão, a capacidade do emitente, fundos disponíveis, o endosso e circulação do cheque, o aval e sua limitação no cheque, o pagamento e a falta de pagamento e ação proveniente a esta ausência de pagamento.

A emissão é uma manifestação de vontade do signatário que impulsiona a criação do cheque, se completando no momento em que há a entrega voluntária do cheque ao beneficiário e, assim, não for em razão de qualquer meio que impeça a livre manifestação de vontade do emitente do cheque deve-se tomar medidas a fim de evitar que o mesmo não chegue às mãos de terceiros de boa-fé.

O cheque tem sua validade condicionada a outros requisitos como: a denominação expressa cheque logo no título e na língua em que o mesmo está redigido; deve haver uma ordem incondicionada ao pagamento de quantia ali determinada; o nome do Banco ou Instituição financeira que deve pagar, ou seja, o sacado; a indicação do lugar do pagamento; indicação da data e lugar de emissão e, por fim, deve apresentar a assinatura do sacador ou emitente ou de seu mandatário com poderes especiais.

Além disso, é imprescindível, no cheque, a capacidade do emitente, uma vez que as obrigações contraídas no cheque são autônomas e independentes diante do art. 13 da Lei de Cheque, assim aquele que assina o cheque deve ser capaz de obrigar-se por aquele, devendo ser responsável diante do portador. Assim “para assumir obrigação no cheque como emitente, endossante ou avalista, é preciso que o signatário seja juridicamente capaz” (COSTA, 2008, p. 336).

A lei de cheque no artigo 4º determina que “o emitente deve ter fundos disponíveis em poder” do sacado e estar autorizado a sobre eles emitir, em virtude de contrato expresso ou tácito [...]”. E embora a provisão seja indispensável no cheque, por ser esta uma ordem de pagamento à vista, o cheque para ser sacado deve existir fundos disponíveis em poder do sacado, não necessariamente o fundo deve decorrer de depósitos à vista realizado pelo correntista, ao entender-se que fundos disponíveis pode se tratar de crédito em conta corrente bancária não subordinada a termo ou saldo exigível de conta corrente contratual ou soma proveniente de abertura de crédito (COSTA, 2008).

Sabe-se que o cheque é um título de crédito que se destina a circular, isto poderá ocorrer por simples tradição que ocorre com sua simples entrega a terceiro, como também por endosso que dar-se quando há o nome de um beneficiário no cheque, independentemente de haver clausula à ordem, entretanto se houver a expressão “cláusula não à ordem” este cheque não poderá circular por endosso e será transmissível pela forma ou com os efeitos de uma cessão.

A legislação atual do cheque prescreve que o mesmo pode ser garantido tanto parcialmente como no todo por aval prestado por terceiro. O aval no cheque tem uma importância ao possuidor que tem uma maior segurança quanto aos aspectos como inexistência de fundos em poder do sacado ou quando o cheque for indevidamente sustado pelo sacador. Logo, o avalista no cheque pode equiparar-se para a um emitente a qualquer endossante ou a outro avalista, porém o aval como qualquer outro título sofrerá limitação da outorga uxória ou marital, no caso do avalista ser casado.

O cheque por ser pagável à vista mediante a apresentação ao Banco sacado, dependendo como mencionado anteriormente a existência de fundos disponíveis, na apresentação do cheque o original do cheque é necessário e insubstituível. De modo que a apresentação realizara-se tanto quando diretamente ao Banco sacado pelo próprio portador ou quando a apresentação dar-se por outro estabelecimento bancário, havendo o pagamento por meio de serviço de compensação de cheque e outros papéis.

Sendo assim, o cheque pode não ser pago pelo Banco em razão: “da falta de pagamento do cheque ao sacado; insuficiência ou inexistência de fundos disponíveis em poder do sacado; defeito de forma do título; cheque defeituoso; falta de endosso; prescrição; revogação ou contra ordem e oposição ao pagamento” (COSTA, 2008, p. 352).

E conforme o art. 59 da Lei 7.357/85, a ação de execução para cobrança do cheque prescreve em seis meses, contados a partir da extinção do prazo estabelecido para apresentação. “Esse prazo, segundo a lei, é de 30 ou 60 dias contados da emissão conforme seja o cheque emitido em uma praça, para ser pago na mesma ou em outra praça” (COSTA, 2008, p. 370). Assim, o prazo não é contado da primeira apresentação (se o portador do cheque apresentou título ao sacado no dia da emissão, por exemplo), mas é contado do término do prazo de apresentação que pode variar de acordo com o local da emissão.

É preciso considerar que após o vencimento do título de crédito, que também é título executivo, é executável. Assim, faz-se necessário mencionar a prescrição referente à pretensão executiva do título, a qual se admite a possibilidade jurídica de ajuizamento de ação monitória. Essa ação monitória corresponde ao “meio pelo qual o autor consegue cobrar um título sem força executiva, pela constituição de título executivo judicial. A ação é instruída de prova escrita e suficiente para demonstrar a existência da dívida” (STJ, 2009).

 

3 AÇÃO MONITÓRIA E PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS DE AJUIZAMENTO CONFORME O CPC

 

3.1 Ação monitória: considerações gerais

 

A ação monitória é um remédio processual que busca sanar a enorme perda de tempo que seria exigir que o credor recorresse a uma ação de condenação para depois recorrer a ação de execução, quando já está evidente que o devedor não vai opor-se a contestação ou não apresenta defesa capaz de sobrepor-se à tese jurídica da pretensão, isto implicaria em um processo cognitivo vazio sem lide, sem resistência na pretensão, sendo assim uma perda de dinheiro e tempo tanto para o credor como para a justiça.

Por meio desta ação monitória o credor consegue mesmo sem título executivo ou sem contraditório com o devedor, provocar uma execução forçada, na medida em que pode o credor em alguns casos pedir ao juiz o momento de propositura da ação apenas a expedição de uma ordem ou mandado para que a dívida seja saldada no prazo estabelecido em lei e não uma condenação do devedor.

Desta forma, a ação monitória equaciona o problema de economia processual e de maior valorização do crédito “o procedimento monitório tem por objeto proporcionar um título executivo ao credor de um crédito que presumivelmente não será discutido, sem necessidade de debate, à base de uma afirmação unilateral, que permite ao juiz expedir um mandato de pagamento” (SCHONKE apud THEODORO JR., 2014).

 

3.2 Pressupostos necessários para ajuizamento

 

De acordo com o Código de Processo Civil (art. 1.102-A), cabe ação monitória a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou determinado bem móvel. Deste modo, “sua finalidade é conferir força executiva a documento que não teve e continua não tendo tal força executiva” (COSTA, 2008, p. 372).

Ação monitória, sendo uma ação pessoal, tem como regra geral a competência territorial do foro do domicílio do réu (art. 94), podendo, entretanto, haver convenção entre as partes quando houver caso de eleição de foro especial presente em cláusula do negócio jurídico (art. 11). A legitimidade ativa é atribuída àquele que apresentar-se como credor de obrigação de soma de dinheiro, de coisa certa móvel ou de coisa fungível, isto cabe tanto ao credor originário quanto ao sub-rogado. A legitimidade passiva cabe àquele que esteja obrigado ou devedor de dinheiro, coisa fungível ou coisa certa móvel na relação obrigacional estabelecida com o titular da ação.

No que diz respeito ao cheque, quando este não possuir eficácia executiva, na hipótese de ter sido atingido pelo prazo prescricional ou, mesmo, a cobrança judicial pelo rito ordinário, fundada em causa que deu origem à relação cambial, utiliza-se a ação monitória (NEGRÃO, 2012).

 

4 AÇÃO MONITÓRIA ENQUANTO MEIO CABÍVEL PARA ASSEGURAR O CHEQUE PRESCRITO COMO TÍTULO EXECUTIVO CONFORME SÚMULA 503 DO STJ

 

José Rogério Cruz e Tucci ensina que a Ação Monitória veicula uma pretensão de satisfação de crédito, de cobrança. Nessa perspectiva ressalta:

A ação monitória consiste no meio pelo qual o credor de quantia certa ou de coisa móvel determinada, cujo crédito esteja comprovado por documento hábil, requerendo a prolação de provimento judicial consubstanciado, em última análise, num mandado de pagamento ou de entrega de coisa, visa a obter a satisfação do seu crédito (TUCCI, 2001, p.64).

 

O conceito do autor desperta o seguinte questionamento: qual seria o prazo para o credor de quantia certa, comprovada por documento hábil (cheque prescrito), requerer o mandado de pagamento para satisfazer seu crédito? O esclarecimento da questão dar-se-á no decorrer dessa seção.

O procedimento monitório, surgido no ordenamento jurídico brasileiro muito recentemente, enfrenta atualmente certa resistência por uma parte da doutrina e jurisprudência em aceitar esse instituto jurídico. Nessa perspectiva, o Supremo Tribunal de Justiça, através da Súmula 299, posiciona-se a favor da possibilidade de ajuizamento de ação monitória no caso em tela: “é admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito” (DJ 22.11.2004, p. 425).

Pois bem, o STJ sempre entendeu que o prazo da ação monitória para cobrança de título de crédito prescrito seria de 5 anos, com base no art. 206, § 5°, I, do CC/02. Nesse sentido, editou a Súmula 503, que trata do prazo prescricional para ajuizamento da ação monitória pautada em cheque, sem força executiva, em face de seu emitente: “O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula” (SÚMULA 503, SEGUNDA SEÇÃO, julgada em 11/12/2013, DJe 10/02/2014).

Antes da Súmula 503, existia uma grande controvérsia acerca da questão, pois a jurisprudência era diversa, as interpretações doutrinárias se multiplicavam e aliado a isso tudo se tinha um leque de leis que, de maneira suposta, versavam sobre o assunto. Passemos, portanto, a observar algumas dessas interpretações, a fim de esclarecer, ao final, a decisão sumular do STJ.

A respeito das interpretações, Gabriel Bressan esclarece:

A primeira interpretação possível era a de que o prazo prescricional da ação monitória seria de dois anos, contados após os seis meses da expiração do prazo de apresentação do cheque, que varia entre trinta dias, quando a emissão for no local de pagamento, ou sessenta dias, quando emitido em outro local ao do pagamento, nos termos do art. 61, da Lei nº 7.357/85 (BRESSAN, 2014, s/p.).

 

Pelo exposto, a Ação Monitória prescreveria em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias, a depender do local da emissão.

Bressan (2014) evidencia uma segunda interpretação. Segundo ele, “era possível que a prescrição da Ação Monitória ocorresse em 3 (três) anos, com fulcro no artigo 260, § 3º, IV, do Código Civil”. Vale ressaltar que este último dispositivo legal estabelece tal prazo para o exercício da “”.

Com base no mesmo artigo, porém em inciso diverso (260, § 3º, VII), o mesmo autor apresenta a terceira interpretação possível: “seria no sentido de que a prescrição da Ação Monitória fosse também de 3 (três) anos, a contar do vencimento do título, pois prescreveria ‘” (BRESSAN, 2014, s/p.).

Uma quarta possível interpretação, ainda segundo Bressan (2014), “seria a de que a Ação Monitória prescreveria em 5 (cinco) anos – tese adotada pelo Superior Tribunal de Justiça”. Esta tese está fundamentada nos termos do art. 206, § 5º, do Código Civil, onde se estabelece que “” prescreve em referido prazo.

Bressan (2014) encerra as interpretações possíveis com a seguinte: “o prazo prescricional da Ação Monitória era de 10 (dez) anos, nos termos do artigo 205, do Código Civil, haja vista não haver prazo próprio”.

Uma vez analisadas as cinco possíveis interpretações e suas fundamentações jurídicas, é viável entender o porquê da adoção pelo Superior Tribunal de Justiça da quarta tese e a exclusão das demais.

Como já mencionado anteriormente, o prazo prescricional adotado na súmula 503, do STJ, foi extraído do art. 206, § 5º, do Código Civil. Vale destacar que cheque prescrito é um documento representante de uma dívida líquida constante em um instrumento particular. Consolidou-se o entendimento em torno da prescrição, no que tange ao ajuizamento da monitória fundada em cheque prescrito, com as seguintes razões:

"[...] prova hábil a instruir a ação monitória, isto é, apta a ensejar a determinação, em cognição sumária, da expedição do mandado monitório - a que alude o artigo 1.102-A do Código de Processo Civil - precisa ter forma escrita e ser suficiente para, efetivamente, influir na convicção do magistrado acerca do direito alegado. [...] conforme sedimentado em julgamento sob o rito do art. 543-C do CPC, 'em ação monitória fundada em cheque prescrito, ajuizada em face do emitente, é dispensável a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula' (REsp 1094571/SP, relator Ministro Luís Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 04/02/2013) [...] cumpre verificar que o cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora. Assim, se ocorre a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação fundada na relação causal, in verbis: 'salvo prova de novação, a emissão ou a transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal feita a prova do não-pagamento'. [...] O cheque é ordem de pagamento à vista, devendo, nos termos do art. 1º, inciso V, da Lei do Cheque conter a data de emissão da cártula [...] deve-se considerar como data de emissão aquela regularmente oposta no espaço próprio reservado para a data de emissão [...] o prazo prescricional para a cobrança do crédito oriundo da relação causal conta-se a partir do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula. [...] Assim, o prazo prescricional para a ação monitória baseada em cheque sem executividade, é o de 5 (cinco) anos previsto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil/2002 [...]"(REsp 1101412 SP, submetido ao procedimento dos recursos especiais repetitivos, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/12/2013, DJe 03/02/2014).

 

Ademais, a súmula recém-aprovada apresenta uma peculiaridade, isto é, o prazo prescricional refere-se à ação ajuizada em face do “”. Por outro lado, se for ajuizada em face de avalista ou endossatário, decorrido o prazo para a propositura da ação cambial, tendo em vista que o aval e o endosso perdem seus efeitos com a prescrição da ação cambial, deve ser provado o locupletamento destes.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O Superior Tribunal de Justiça pacificou seu entendimento no sentido de que o “prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula”.

O entendimento dos ministros do STJ, ao elaborarem a súmula, foi que o termo inicial seria “a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula”, levando-se em consideração a tese da actio nata, isto é, o termo inicial é contado da data em que se torna possível o ajuizamento da ação, portanto, o prazo prescricional da Ação Monitória começa a fluir no dia seguinte ao vencimento do título.

Nessa perspectiva, a súmula tem em vista o procedimento estabelecido nos artigos 1.102 – A, B e C, do Código de Processo Civil, especificamente na parte referente a “”, “”, ou seja, cheque prescrito. Sendo assim, o cheque passa a ser prova documental escrita, não mais título executivo, após sua prescrição cambiária, mais um motivo para ser considerada a data de emissão estampada na cártula.

Por fim, a súmula especifica que seu cabimento é tão somente nos casos de “”, caso contrário, trata-se de Ação Executiva, não Ação Monitória, pois faltaria interesse processual, na modalidade adequação, ao demandante em tentar ajuizar Ação Monitória de cheque hábil a execução.

Espera-se que o referido trabalho contribua para aqueles que estudam a temática, pois este não pretende encerrar a compreensão do conteúdo, mas, acima de tudo, servir de suporte para que novos entendimentos sejam possíveis e compartilhados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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______. Lei nº 7.357/1985. Presidência da República, Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7357.htm>. Acesso em: 10 maio 2015.

 

______. Lei nº 10.406/2002. Código Civil. Presidência da República, Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >. Acesso em: 23 abr. 2015.

 

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[1] autora

[2] autor

[3] autora