CDLXXXIII – “NOSSAS LUTAS, RISCOS E O EFEITO ‘BARBARELLA’: UM ENCONTRO COM A DELEGADA GISELE CRISTIANE COSTA LIMA”.

Por Felipe Genovez | 26/06/2018 | História

PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 25.01.2008, horário: 16:00 horas:

Tinha acabado de realizar audiências na Delegacia da Comarca de Garuva e me dirigi para o gabinete da Delegada Gisele a fim de me despedir. Antes, porém, resolvi deixar uma mensagem para Gisele, uma paulista que me confidenciou que contava com trinta e quatro anos. A seguir Gisele fez um relato sobre sua família e que tinha um irmão que residia em Balneário Camboriú. Revelou que seu pai era advogado em São Paulo. Também comentou que tinha um ano de exercício do cargo de Delegada de Polícia. Procurei  mirar os seus olhos e pensei em lhe dizer que gostava muito desses nomes “Gisleine, Gislaine, Giselda, aliás tudo me remetia a doce ‘Gil- séia’ de Palmitos”, mas resolvi deixar para lá.

Gisele parecia uma mulher frágil, talvez por isso ainda fosse solteira e sozinha na cidade de Garuva, longe da família...  Aproveitei nosso momento para tecer alguns comentários sobre a proposta de “emenda constitucional” que pretendia criar a Procuradoria-Geral de Polícia, também, o segundo grau na carreira de Delegados...  No final fiz um discurso como em outras oportunidades. Gisele pacientemente me ouviu, dando a impressão que estivesse um pouco na defensiva em razão da minha condição de “Corregedor”.  Olhei para sua porta de saída e vi uma cruz pendurada, e pensei: “Ela é temerosa a Deus, é religiosa, é católica, muito bom, tem princípios, formação, valores, precisamos de gente com esse perfil...”.

Acabei fazendo comentários a respeito da importância da Polícia Civil se desvincular da “Segurança Pública” a partir de um órgão subordinado diretamente ao Governador do Estado. O silêncio de Gisele de certa forma parecia incomodar, a impressão era que não queria se comprometer, pois estava em início de carreira e parecia  muito prudente nas palavras e ações... Mas, também, poderia ser pura inexperiência, falta de consciência ou discernimento... Expliquei sobre a necessidade de gerarmos uma “onda”  perante a todos nossos pares, daí a importância de passarmos a mensagem adiante. Lembrei que ela poderia conversar com o Delegado Carriço (que estava respondendo por Itapoá), que ela refletisse sobre tudo o que conversamos e que formasse sua opinião, que fizesse seu julgamento... No final, argumentei que os Delegados novos comentavam que eram os Delegados antigos, bem mais experientes e estáveis, que deveriam assumir as lutas na defesa de nossos ideais, conquistas... Já os Delegados antigos pensam que a esperança estava nos Delegados novos, cheios de energia...

Gisele deu uma risada e acabou concordando comigo, ou seja, que na verdade a responsabilidade era de todos. Finalmente conversamos sobre a necessidade de formarmos uma corrente para o bem, a partir de uma agenda positiva, de um planejamento estratégico direcionado à instituição. Indaguei Gisele se existiam questões relevantes que deveriam ser colocadas na ordem do dia, como por exemplo: que tipo de cúpula nos queríamos para comandar a instituição, ou seja, como a atual, totalmente política, a mercê dos políticos, fisiologistas, omissa ou uma cúpula que levasse em conta critérios como a meritocracia... Gisele concordou que essa era uma questão de alta indagação. Insisti na necessidade de formarmos uma “onda” como aspiração histórica da classe, e ela deu a impressão que concordava com minhas ideias. Conversamos mais algumas coisas sobre assuntos afetos à  Delegacia de Garuva, em cuja ocasião observei que Gisele já se sentia mais à vontade, como se estivesse muito tranquila com a minha presença.

Horário: 21:30 horas:

Estava em São Francisco do Sul e resolvi dar um retorno para Marilisa, a fim de “medir sua temperatura, especialmente, quanto da seriedade do seu convite do dia anterior, muito embora já estivesse esperando uma daquelas suas tiradas,  tipo “barbarella”, ou seja, fala as coisas sem mensurar os efeitos... Logo que Marilisa atendeu o celular  foi avisando que estava na sua casa de praia em  “Enseada” (São Francisco do Sul), acompanhada de Ivonete (Escrivã de Polícia da Delegacia da Mulher de Joinville) fazendo uma “jantinha”.  De início Marilisa, com a voz meio que tensa, bem diferente do dia anterior (quando deveria ter ingerido alguma bebida...) foi dizendo:

- “Quando tocou o celular fiquei preocupada, achei que poderia ser algum problema ligado à Operação Veraneio e eu teria que ir até o posto policial, ainda bem que não é nada...”.

Como percebi que Marilisa estava  “diferente”, fui justificando meu telefonema:

- “Olha só, eu liguei porque fiquei preocupado, ontem tu me convidasses para ir aí prá gente se encontrar, jantar, então, sabe como é, levo tudo muito a sério, bom tu já me conheces, né?”

Marilisa do outro lado da linha, parecia se esforçar para deixar escapar um sorriso e, também, se justificar, dando a nítida impressão que queria mesmo era me dispensar nas circunstâncias em que se encontrava, até porque estava envolvida com uma “Janta”, caprichando para parecer irreverente, descompromissada, sem contar o fato de estar com sua “visita. A seguir ela argumentou:

- “Ah, sim, alguém tem que se preocupar. Alguém tem que trabalhar...”.

Interrompi, com a voz mais grave:

- “Sim, claro, enquanto milhões levam a coisa na...”.

Marilisa do outro lado deu uma risada e concordou:

-  “Ah, sim, que bom que tu és responsável, eu sei, mas alguém tem que ser...”.

Interrompi:

- “Imagina, Marilisa, um policial que está respondendo um processo disciplinar deve ficar bastante preocupado, quer ver o desfecho final, então, se a gente que está presidindo um processo não levar a coisa a sério...”.

Marilisa novamente me interrompeu, agora mais “soave” e com a voz carreada de uma “doce malícia”,  com suas habilidades, em especial, como de quem sabia como monitorar esse tipo de situação:

- “Eu sei, eu sei que tu és assim. Mas tu sabes que eu sou assim mesmo, esqueço tudo... Agora estou aqui eu e a Ivonete fazendo uma jantinha para nós duas...”.

Como percebi que ela desejava que eu fosse breve na nossa conversa para votar a seus afazeres, pois deveria estar ocupada com a comida e em dar atenção para sua visita, aproveitei para dizer:

- “Puxa, mas que legal, Marilisa. Que coisa boa, quero que fiquem bem, não quero incomodar, um beijo para vocês aí!”

Marilisa do outro lado se despediu dizendo eu não estava incomodando, me retribuindo o beijo... Depois que encerrei a ligação fiquei pensando: “Puxa, nem poderia ser diferente, ainda bem que não fiquei preocupado em ter que dar satisfações, muito menos preocupado em me justificar, achando ou acreditando que Marilisa deveria estar esperando minha ligação para jantarmos, conversarmos, ainda bem que liguei... Porém, pelo que já conhecia, sinceramente, não havia levado muito levado muito  a sério aquela história de nos encontrarmos em São Francisco do Sul...

A seguir, meus pensamentos acabaram em Eleandro Felício, policial que esteve preso e que uma vez me perguntou (durante sua ouvida na Penitenciária de Florianópolis...) se eu conhecia a doutora Marilisa de Joinville, que “era meio louca”, pois esquecia tudo, não levava nada a sério... Pensei na época: “Não era bem assim, ela era uma pessoa maravilhosa...”.  Depois fiquei pensando nas comodidades de Marilisa, inserida na operação veraneio, recebendo diárias e hospedada na sua própria casa de praia, juntamente com sua amiga Ivonete... Depois desse nosso telefonema tinha entendido o que estava ocorrendo, na verdade ela e Ivonete estavam participando da Operação Veraneio em São Francisco do Sul...

Não que eu quisesse ser severo com minha querida amiga, mas era a forma como sua mente trabalhava, ou seja, sendo “soave” perante à vida, enquanto tantas coisas nos afligiam, quando havia tanto por se fazer..., muitos se aproveitavam para obter pequenas vantagens e nossos projetos eram relegados a um plano muito distante. Sim, os discursos estavam prontos, bastava alguém pretender fazer algum tipo de cobrança moral que despencava uma saraivada de desculpas, explicações, desabafos, como se o mundo fosse cruel.

De certa forma acabei fazendo um paralelo com o Delegado Sergio Maus e a “doce Delci” que encontrei na Operação Veraneio em Itapema, sim, eram comodidades, privilégios para alguns... e Sérgio Maus e Delci pareciam abastecidos com seus discursos para justificar de pronto seus momentos de muito trabalho... Aliás, nesse sentido Maurício Eskudlark estava dando um banho, pois muitos Delegados e policiais estavam na fantástica operação veraneio/2008, recebendo diárias corridas, sem a necessidade de prestarem contas... 

Diante desse quadro, a minha vontade era fugir, desaparecer, mas acabei pensando na Delegada  Gisele, com tanto pela frente, exalava pureza, leveza..., será que iria conseguir fazer alguma coisa para mudar nossa realidade? Será que iria refletir sobre o que nós conversamos? Ou será que iria também  ‘barbarellar e se entregar ao trivial? Será que adotaria o discurso do ataque e defesa, cheia de razões, com suas, “verdades absolutas”?  Em que miséria humana estava nós inseridos? Haveria saída?

Daquele dia apenas restaram conversas que tive na viatura com o policial “Zico” que estava me acompanhando na condição de motorista e ombro amigo. Desde o início da manhã quando li aquele artigo no jornal “A Gazeta” de Joinville, onde havia uma manchete que chamava a atenção do Grupo “RBS” e da Prefeitura de Joinville, pois todas as verbas de publicidade somente eram repassadas ao “grande grupo” e não sobrava nada para “A Gazeta”...  Quase que num grito de desabafo, disse para “Zico” que estava estarrecido porque achava que só o governo cobrava o silêncio da mídia com “verbas” de publicidade, mas agora sabia que as principais Prefeituras faziam o mesmo, como no caso de Joinville. Argumentei para “Zico” que a corrupção era algo sistêmico, atingia toda a sociedade com reflexos na mente de nossos policiais, nossos Delegados... Sim, daquele dia restou apenas os gritos de desabafo, e “Zico” ao volante me escutando e concordando com meus argumentos que mais pareciam carreados de insanidades... Pensei em Hannah, sim, Arent, que pensou, que inventou a receita para se corrigir o mal humano... 

Depois me pus a pensar nas Delegadas Gisele e Marilisa, no efeito "Barbarella", e me perguntei: será que me ouviriam só por eduação, será que seus universos eram outros...? Enquanto eu sonhava com um mundo melhor para todos nós em termos institucionais elas, talvez, vibrassem em outros universos... Se fosse um fenômeno individual tudo bem, o problema era o coletivo, se todos vibrassem como elas então nosso futuro poderia estar comprometido..., porém, a luta deveria continuar: retroceder jamais!