Casualidades rodoviárias
Por eduardo catarino | 21/04/2012 | Política
Dos 444.444 km que o meu Skoda fez há poucos dias atrás, fui eu que conduzi a maior parte durante os ultimos 7 anos. Parece-me ser um valor importante, tanto para um carro, como para um condutor, o que naturalmente não significa nada em termos de qualidade de condução, mas significa muito em questões de experiência. Considerando que a maior parte foi conduzida em estradas e autoestradas de Portugal, se bem que também em terras da Espanha, França, Alemanha, e outros mais “paísecos”, este Skoda Octavia deixou a sua marca...
Com a introdução das portagens nas “SCUT” aliado ao aperto financeiro geral da exaustivante crise, eu, tal como a maioria dos condutores, passei a utilizar cada vez mais as estradas sem portagens. Como condutor experiente e atento, passei então a verificar como os vários factores que se verificam de forma aparentemente casual nas nossas estradas, na realidade só podem ser intencionais com algum objectivo maior, do que aquele que seria suposto existir, nomeadamente por parte das autoridades...
Passo a explicar.
Comecemos talvez pela construção e “manutenção” das próprias estradas:
Por um lado verificamos, que já no planeamento e nas requalificações de muitas estradas nacionais, existem falhas graves, que nos levam a pensar, que raio de engenheiros são estes, que desenham itinerários desta maneira, optando por soluções tão inapropriadas? Refiro-me, por exemplo às imensas rotundas que são colocadas de forma exaustiva em Estradas Nacionais. Claro que em muitos casos as rotundas podem fazer sentido. Só que em muitos outros, trata-se apenas de obstáculos adicionais sem utilidade, que não só colocam os utentes em perigo e fazem perder tempo, como até chegam a ser um problema grave para veículos de grandes dimensões ou até para carros de emergência. Qualquer ambulância em serviço, que precise de ganhar todos os segundos para salvar uma vida, que tenha que contornar rotundas apertadas, construídas fora do eixo da estrada, tem dificuldades adicionais e desnecessárias. Bons exemplos para este problema, encontram-se em toda a EN125, com especial enfoque na chegada a Vila Real Santo António, ou mesmo naquela nova rotunda entre Olhão e Faro – mais um bom exemplo de como se estourou muito dinheiro, sem que existisse necessidade para isso.
Para dificultar ainda mais a vida dos condutores de ambulâncias, acrescem as bandas sonoras, que entretanto também viraram moda, e se encontram onde fazem sentido, e sobretudo também onde são inúteis. A função destas bandas sonoras, é a de reduzir a velocidade... Poderá fazer sentido antes de passadeiras, por exemplo, numa cidade. Contudo, em plena via, fora das cidades ou em aldeias abandonadas do Alentejo, habitualmente têm pouca utilidade, ou mesmo nenhuma...
Uma outra “moda atual” é a colocação de semáforos de velocidade. De sublinhar que por norma os semáforos são colocados onde existe uma redução considerável do limite regular, por exemplo na EN 125 de 90km/h para 70km/h, ou menos, em troços tão “perigosos” como se verificam entre Alfandanga e Olhão! Aí existem uns 5 semáforos de velocidade reduzida (para 50 ou 70km/h respetivamente), sendo que os semáforos foram colocados no meio do nada, onde nem há casas, nem cruzamentos, nem qualquer outra razão que justificasse tanta necessidade de redução da velocidade. Para desespero dos automobilistas, estes semáforos até à noite costumam estar ligados, provavelmente para que “os mosquitos passem” com maior segurança... De referir ainda, que algumas vezes, esses semáforos nem sequer estão bem programados, pois acontece que mesmo com menos velocidade, eles ficam vermelhos, e até que voltem ao verde, por vezes é um castigo.
A inutilidade destes semáforos na EN 125, como em tantas outras estradas pelo país fora, é também gritante, se tivermos em consideração que com as portagens na A22, a densidade de trânsito na EN se tornou tão elevada, que a velocidade média nesta via já por si baixou consideravelmente (para uns loucos 50 a 70km/h). É que para além dos semáforos de velocidade, também existem semáforos regulares em alguns cruzamentos e cidades, o que é interessante de ter em consideração, visto que se trata de uma ESTRADA NACIONAL, supostamente alternativa à A22... Quanto a estes semáforos, não se pode dizer que estejam mal colocados. Em alguns destes cruzamentos poderia era ser mais sensato colocar rotundas...
Para quem faz a viagem do Algarve para Lisboa, é possível ir pela A2 e pagar aproximadamente 20,00 Euros por trajecto – o que é uma espécie de roubo – ou então optar pela IP 1. Por acaso sempre considerei esta viagem pela nacional muito revigorante... O piso em alguns troços está uma desgraça, contudo uma grande parte desta via foi recentemente requalificada, ou seja, arranjada... Assim temos vários troços com duas faixas de um dos lados (nas subidas), entre outros “luxos”. O que no entanto salta igualmente à vista, são os traços contínuos de tal modo exagerados que se chega a andar vários quilómetros, até que se possa ultrapassar um camião ou trator ou qualquer outro veículo lento.
Se isto ao menos acontecesse em locais onde não houvesse visibilidade, seria aceitável. Contudo, não é isso que se verifica : de facto, quando há duas faixas de um lado, agora costuma haver sempre um traço contínuo do outro. Por vezes, nem sequer é essa a razão, e deparamo-nos com traços contínuos duplos, enquanto há um perfeito piso, com perfeita visibilidade e sem qualquer razão aparente para não se ultrapassar. Mais dramático que isto, apenas o facto de existirem várias situações, em que estes mesmos traços contínuos acabam justamente antes de curvas nas quais NÃO HÁ VISIBILIDADE. Os condutores são então induzidos a ultrapassar, quando na realidade não sabem se virá alguém de frente ou não.
Uma estranha aliança verifica-se também entre os traços contínuos e os novos limites de velocidade de 70km/h em plena via - o que também se vê muito no IC 2 entre Lisboa e Porto... São casos em que existe uma via larga, com bermas óptimas, piso muito bom, em recta, etc, contudo existe também a limitação de 70km/h. Para quê ? Não dá para se perceber.
Ao avaliar a repetição de todos estes casos do Norte a Sul do país, a única conclusão a que se pode chegar, é que existe uma intenção clara em baixar a velocidade de quem circula nas estradas. Poder-se-ia pensar, que isto é pela segurança, o que no entanto é sempre um falso argumento. É justamente em países como a Alemanha, em que não existe limites de velocidade nas autoestradas, e em que em algumas estradas nacionais se circula a 120km/h, que existem menos acidentes. O que nós temos em Portugal, é uma péssima análise de causas de acidentes, de modo que na maioria dos casos, em que existe um azar, o “excesso de velocidade” é logo referido como causa... Ainda recentemente houve um acidente que passou nas noticias, em que um automóvel se despistou em plena recta, alegadamente por “excesso de velocidade”. Se pensarmos melhor neste assunto : o aumento de velocidade faz automaticamente despistar um veículo, é ? Como é que isto acontece físicamente ? Não acontece, como é óbvio. Por certo o condutor ter-se-á distraído ou desviado de alguma coisa, e aí, despistou-se. Uma velocidade elevada poderá ter piorado as consequências, mas jamais terá sido a causa !
Dá no entanto muito jeito que o alegado problema do “Excesso de Velocidade” seja constantemente colocado nos média, pois só assim se pode depois argumentar com facilidade, que é necessário controlar mais as velocidades, utilizando os radares.
E assim surgem depois os radares em toda a parte, sobretudo nos locais, onde o que está errado, é o limite de velocidade... Perdi a conta, de quantos radares eu já passei. Será curioso de anotar, que na EN 125, desde que existem portagens na A22, as operações de controlo de velocidade dispararam, ou pelo menos agora notam-se mais. Sobretudo às saídas das povoações ou cidades, por exemplo Tavira, Luz de Tavira, Olhão, Faro, etc., e sempre pouco antes do limite de 50km/h ser anulado, é onde se encontram os carros com o radar instalado, de preferência escondidos atrás de algum muro ou arbusto ou na linha de outros carros estacionados. Da mesma maneira como um ladrão se colocaria para assaltar a sua vítima, as brigadas de PSP e/ou GNR escondem-se para controlar as velocidades. Em plenas rectas alentejanas dos vários novos IP's, os radares são colocados à beira da estrada e muitas vezes fora dela, em cima de pontes, em parques de estacionamento e outros esconderijos. O mesmo acontece nas autoestradas, com carros à civil. É uma espécie de guerra que existe, em que as autoridades alegadamente agem no interesse do cidadão, caçando os condutores mais distraídos ou apressados, aplicando-lhe multas, que para além de não trazerem nenhum benefício para a segurança nas estradas, por vezes até destroem as vidas das pessoas em questão.
A razão pela qual não se obtém nenhum benefício destas operações, é tão obvio, que qualquer condutor experiente o entende, menos as autoridades e os politicos :
os limites existentes em Portugal são maioritariamente inapropriados. Trata-se de limites provenientes dos anos 70 do século passado, quando os carros não tinham sequer metade das condições de segurança que existem hoje. As próprias estradas eram feitas em pior qualidade. 90km/h nas antigas estradas nacionais e 120km/h nas autoestradas desse tempo, eram velocidades alucinantes. Contudo, a evolução nessa area foi grande. A única coisa que nunca foi adoptada, foram os limites de velocidade – o que não é só um problema de Portugal, e sim da Europa em geral. Qualquer novo IP tem hoje em dia condições de sobra, para que se possa circular sem problemas a 110 ou 120km/h. Em boa verdade, se não fosse pelos radares, seriam essas as velocidades que os condutores elegeriam. Teria no entanto que distinguir-se os vários troços, porque também é facto que mesmo hoje em dia, existem troços de estrada em que se pode circular a 90km/h, embora essa velocidade seja excessiva. Não há distinção crítica.
O mesmo acontece nas autoestradas. Um limite geral de 140 ou 150km/h seria sensato. Practicamente todos os carros actuais são hoje em dia são feitos para circular a essas velocidades, e em boa verdade, é o que acaba por acontecer... Não há qualquer problema de segurança por isso, desde que as pistas estejam em boa qualidade, secas, etc. E também nas autoestradas existem troços, em que o limite existente de 120km/h é demasiado elevado, pelo mau estado da estrada! Mais uma vez, falta a distinção crítica, e obviamente essa, seria muito importante para conseguir melhorar a segurança das nossas estradas.
Um factor de segurança que é constantemente neglicenciado pelas autoridades portuguesas, é a distância entre os veículos, nomeadamente nas autoestradas. É por falta destas distâncias, que ocasionalmente acontecem choques em cadeia que seriam perfeitamente evitáveis, se os condutores tivessem mais noção do perigo que é, seguir de muito próximo o carro da frente. Por vezes tenho visto as próprias brigadas de trânsito a practicar a mesma asneira, quanto mais alertar os outros condutores...
Não é novidade nem supresa para ninguém que, se as autoridades pretendessem melhorar a segurança nas estradas e salvar vidas, não se focariam apenas no controlo de velocidade, e não colocariam os radares nos locais onde os condutores se descuidam com a velocidade, por os considerar seguros. Na realidade até já foram apresentados estudos que provam sem margem para duvida, que os controles de velocidade em nada melhoram a segurança das estradas. É por assim dizer um mito, que dá jeito – para continuar a multar os condutores.
Para obter melhores resultados de segurança, os radares deveriam ser colocados perto de escolas ou em situações onde realmente existe perigo, como por exemplo antes de curvas perigosas. Para além disso, os radares deveriam estar sempre assinalados, tal como já acontece nas circulares do Porto ou Lisboa – e mesmo assim há muita gente a ser multada, o que mais uma vez é um indicador para o facto de o limite de velocidade ser excessivamente baixo.
Para além disso, o que deveria ser incrementado a qualquer hora do dia, seriam operações de controle de alcoolemia e a questão das distâncias acima descrita. Condutores que efectuam repetidamente manobras perigosas, como por exemplo ultrapassagens arriscadas, etc. teriam que ser mais procurados.
Em vez disso, na practica o que mais se verifica, é a caça à multa fácil, que, para além dos radares, acontece também através da verificação de guias de transporte para carros comerciais, etc.
Em resumo podemos então concluir, que por parte das autoridades, ou seja, por um lado os responsáveis que definem as estradas e as regras e por outro lado quem fiscaliza, existem falhas muito graves, que levam a que os factores realmente importantes para a segurança, não sejam considerados suficientemente.
Essencialmente parece que as autoridades tudo fazem, para que – sobretudo nas estradas alternativas às autoestradas – as velocidades sejam o mais reduzido possível. É o caso da EN 125 ou mesmo da EN 109, tal como no IP 1 ou IC 2. Baixos limites de velocidade, más condições de estrada, muitos semáforos, rotundas, semáforos de velocidade, bandas sonoras por um lado, radares e intimidante fiscalização policial por outro. Na práctica, quem se tem que mover de forma eficaz e rápida, por exemplo para trabalhar ou para chegar a algum local com rapidez, dificilmente poderá dar-se ao luxo de optar pelas Estradas Nacionais, como se comprova pelos seguintes exemplos:
-
O trajecto de Castro Marim até Faro demora pela autoestrada uns 25 a 30 minutos. Pela EN 125 será bem mais de uma hora.
-
Usar a A 25 entre Aveiro e Viseu demorará 40 minutos. Pela alternativa EN 16 estaremos a falar de 2 horas ou mais.
-
Pela A1 de Lisboa ao Porto é preciso aproximadamente 3 horas. Pela IC 2 será o dobro do tempo se tudo fluir bem.
Qualquer político mínimamente inteligente poderá concluir através destes exemplos, que as portagens nas autoestradas levam a uma discriminação entre quem pode pagar as portagens, e quem simplesmente não se pode dar a esse luxo. Contudo, mesmo com dificuldades, as pessoas vêem-se obrigadas a pagar as portagens, por falta de alternativa. A redução da produtividade de quem não pode utilizar as autoestradas, aliada ao maior risco que se assume em utilizar uma estrada com menos segurança, é um factor determinante no desenvolvimento da sociedade portuguesa. As portagens nas autoestradas são assim um factor que limita a liberdade dos cidadãos.
Os únicos beneficiários deste tipo de negócio são os concessionários das autoestradas. Todos os obstáculos que são criados nas estradas nacionais sem portagens, parecem assim estar diretamente relacionadas com o apoio às concessionarias, para que possam aumentar a sua clientela.
Não havendo alternativas às estradas nacionais, e requalificá-las sempre no âmbito de torná-las mais lentas, excessivamente fiscalizadas e sobrelotadas, é um convite direto a todos os condutores de utilizar as autoestradas mais rápidas, em bom estado e vazias.
Temos que ter bem claro, que a sociedade em que vivemos não se rege pelo interesse das pessoas, e sim pelos interesses financeiros de quem nos governa. Conscientes de que os politicos são apenas as caras visíveis e os executadores de quem os apoia e controla por trás, ou seja, os grupos economico-financeiros, apenas é natural, que não haja casualidades nas estradas portuguesas. Todas as requalificações, acrescentam novos argumentos, para usar as vias concessionadas.
Está na hora de mudar isso.