Castro Alves: o último dos poetas românticos

Por Jacot Werner Stein | 12/08/2014 | Literatura

CASTRO ALVES: O ÚLTIMO DOS POETAS ROMÂNTICOS A estrela literária de Castro Alves acontece em um momento de modificação do contexto econômico e político brasileiro. O crescimento da cultura urbana, os debates em torno de ideias democráticas, a revolta pela manutenção de um sistema escravista são aspectos que influenciam o adolescente que chega ao Recife, para frequentar a faculdade de Direito. Sua produção literária revela um importante deslocamento em relação aos textos dos autores da primeira e segunda gerações românticas: o sentimento da natureza é substituído pelo da humanidade; a ordem do coração é trocada pela do pensamento. Essas duas marcas são o traço distintivo da sua obra. Entre os livros de poesia que escreveu, destacam-se Espumas Flutuantes (1870), publicado ainda em vida, A cachoeira de Paulo Afonso (1876) e Os Escravos (1883), publicações póstumas. O cantor dos escravos Castro Alves aderiu à causa abolicionista e fez de muitos poemas o espaço para divulgar, entre seus leitores, o sofrimento em que viviam os africanos escravizados. Ousado, o poeta chegou a desafiar seus leitores a acompanhá-lo em uma visita à senzala. Os últimos versos irônicos: o eu lírico confronta a pureza dos escravos á imundice dos senhores. Também são irônicos os versos que advertem as moças para que tenham cuidado e não manchem os vestidos bordados no chão imundo da senzala. O mesmo jogo é retomado, na última estrofe, em relação às luvas brancas do nobre. Por meio de cenas como essa, fica clara a intenção do poeta: há, na sociedade brasileira, uma sujeira profunda que precisa ser lavada. A mancha da escravidão contamina o tecido social. Embora a elite mostre-se elegante nas festas e bailes que freqüenta, não conseguirá livrar-se da sujeira da alma causada pela exploração imperdoável de um povo. Os textos mais conhecidos sobre a escravidão apareceram no livro Os Escravos, em que a maior parte dos poemas é dedicada ao tema. Dois deles destacam-se: “Vozes d’África” e “O Navio Negreiro”. “O Navio Negreiro” é um longo poema que trata do sofrimento dos negros confinados em um navio. Cada um dos seis cantos que compõem o poema cria uma cena para caracterizar essa travessia atlântica. A imagem inicial é a de um barco que singra os mares. Pedindo auxílio ao albatroz, a águia do oceano, o eu lírico aproxima-se do barco e descobre, horrorizado, que o cenário paradisíaco escondia cenas macabras. A última parte do poema propõe uma interessante releitura da questão da nacionalidade, tão cara aos poetas românticos. Se os versos indianistas de Gonçalves Dias defendiam o orgulho da pátria, a poesia abolicionista de Castro Alves denuncia o país que empresta sua bandeira – símbolo maior da nação livre – para cobrir os cargos torturados dos escravos. A musicalidade dos versos que se referem à bandeira brasileira impressiona. A repetição da consoante “b” (“Que a brisa do Brasil beija e balança”) cria uma aliteração que sugere o tremular da bandeira. Após enumerar a inspiração representada pelo símbolo pátrio, o eu lírico conclui a estrofe com uma afirmação sofrida: seria preferível ver o pavilhão nacional rasgado no campo de guerra a vê-lo servindo de mortalha a um povo. Essa constatação abre caminho para o apelo final. Cristóvão Colombo,descobridor da América, e José Bonifácio de Andrada e Silva, patrono da Independência brasileira, são convocados a desfazer seus gestos históricos. Se o caminho do caminho marítimo para a América e a Proclamação da Independência brasileira significa a possibilidade de submissão de todo um povo, então seria melhor que não tivessem acontecido. Ainda hoje a leitura de “O Navio Negreiro” revela a força poética de Castro Alves e ajuda a compreender por que sua adesão representou um importante impulso à causa abolicionista. A poesia lírica: erotização feminina Ao lado da poesia sobre os escravos, Castro Alves também compôs belos poemas líricos. Marcados por uma sensualidade explícita, esses poemas substituem as virgens inacessíveis, dos poetas ultrarromânticos, por mulheres reais, lascivas, sedutoras. A mulher também perde os traços de perfeição inatingível com que era desenhada por autores como Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu. Teresa não só se entrega aos beijos apaixonados do eu lírico, como não hesita em trocá-lo por outro homem. Tanto nos poemas sobre os escravos quanto nos versos de amor, o que a obra de Castro Alves registra é uma mudança de tom no Romantismo brasileiro. Ao tematizar questões sociais e um amor mais erotizado. Sua poesia representa o amadurecimento da nossa literatura. Aos pouco, nossos poetas iam encontrando uma voz mais brasileira, ainda que inspirados por autores estrangeiros.