Castração Química

Por Bruna Baptista Ramos | 09/05/2011 | Direito


Bruna Baptista Ramos



SUMÁRIO: Introdução; 1 Castração química; 2 Dos crimes mencionados no Projeto de Lei 552/07; 3 Análise constitucional ; 4 Castração química enquanto opção do condenado; Conclusão; Referências.

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade de ser reconhecida ou não a castração química como pena para os crimes de corrupção de menores e estupro de vulnerável, levando em consideração os princípios constitucionais que norteiam todo o ordenamento jurídico brasileiro, já que tramita no Senado o Projeto de Lei nº 552/07. Demonstrar-se-á primeiramente o conceito de castração química, posteriormente discorreremos acerca dos crimes de corrupção de menores e estupro de vulnerável, trataremos também dos aspectos psicossociais ligados ao tema e, por fim, trataremos da análise constitucional e da possibilidade da castração química como opção do condenado.

PALAVRAS-CHAVE:
Castração química. Pena. Constitucionalidade. Opção do condenado.

Introdução

No presente trabalho discutir-se-á acerca da castração química, apontada por alguns doutrinadores como uma saída para os crimes sexuais que têm em seu pólo ativo pedófilos.

Sabe-se que a criminalidade é um problema muito sério, vital para o Estado, em especial quando se aborda crimes dessa natureza, cujas vítimas são crianças e adolescentes, que vivenciam diversos tipos de traumas em razão da violência sofrida.

Por se tratar de assunto polêmico, eis que dispor sobre ele envolve o estudo dos mais diversos aspectos, imprescindível examiná-lo com muito cuidado, observando todos os detalhes que, principalmente no campo jurídico, devem ser considerados.

As diferentes abordagens demonstram o quanto se faz necessária e urgente o enfrentamento dessa matéria.

Importa deixar claro, por exemplo, os aspectos constitucionais que envolvem a questão. Além deles, se discorrerá sobre o conceito de castração química, os crimes mencionados no Projeto de Lei que dispõe sobre a aplicação desse método e a castração química enquanto opção do condenado.

Por certo o quanto produzido representa apenas o início de um estudo que requer maior aprofundamento, pois cada nova leitura traz, de igual modo, uma nova forma de enxergar o problema.

Cumpre ressaltar que o estudo foi levado a efeito com olhos livres, desprovidos de preconceitos doutrinários ou teóricos e, ao final a posição das autoras restará evidenciada, considerando que analisar o problema pressupõe conhecer, ainda que empiricamente o que pensa não só a comunidade jurídica, mas a sociedade como um todo, intelectuais e estudantes, conhecedores do assunto e leigos.


1 Castração química

A castração química é uma forma temporária de castração, ocasionada por medicamentos hormonais, considerada uma medida preventiva ou punitiva àqueles que tenham cometido crimes sexuais violentos. (MARQUES, 2010, p.4)

Consiste na "aplicação de hormônios femininos (o mais usado é o acetato de medroxiprogesterona) que diminuem drasticamente o nível de testosterona". (AGUIAR, 2007, p. 1).

A castração química vem sendo discutida em todo o mundo. Há países em que já é aplicada, como nos Estados Unidos e no Canadá e outros nos quais se encontra em fase de implantação, a exemplo da França e da Espanha.

No Brasil, tramita no Senado, o Projeto de Lei nº 552/07, que trata da cominação da pena de castração química para determinados tipos penais.

Tal Projeto, encaminhado pelo Senador Gerson Camata, propõe o acréscimo do art. 226 - A ao Código Penal, com o seguinte teor: "Art. 226-A. Nas hipóteses em que o autor dos crimes tipificados nos arts. 213, 214, 218 e 224 for considerado pedófilo, conforme o Código Internacional de Doenças, fica cominada a pena de castração química."

A esse Projeto, com a redação acima transcrita, foram apresentadas duas emendas, a última delas em 13 de abril do corrente ano, visando adequar tal proposta às alterações feitas no Código Penal pela Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, e possui a seguinte redação:

Art. 226-A. Em relação aos crimes tipificados nos arts. 217-A e218, observar-se-á o seguinte:
I ? o condenado não-reincidente poderá submeter-se, voluntariamente, sem prejuízo da pena aplicada, a tratamento químico hormonal de contenção da libido, durante o período de livramento condicional, que não poderá ser inferior ao prazo indicado para o tratamento;
II ? o condenado reincidente em qualquer dos crimes referidos no caput deste artigo será obrigado a submeter-se a tratamento químico hormonal, sem prejuízo da pena aplicada, durante o período de livramento condicional, que não poderá ser inferior ao prazo indicado para o tratamento;
III ? a Comissão Técnica de Classificação especificará, na elaboração do programa individualizador da pena, tratamento de efeitos análogos aos do hormonal, durante o período de privação de liberdade, cujos resultados constituirão condição para a realização ou não do tratamento de que tratam os incisos I e II deste artigo;
IV ? o condenado referido no inciso I deste artigo que se submeter voluntariamente ao tratamento químico hormonal, após os resultados insatisfatórios obtidos com o tratamento de que trata o inciso III, terá a sua pena reduzida em um terço;
V ? o condenado referido no inciso II deste artigo que já tiver se submetido, em cumprimento anterior de pena, ao tratamento de que trata o inciso III não se submeterá a ele novamente;
VI ? o tratamento químico hormonal de contenção da libido antecederá o livramento condicional em prazo necessário à produção de seus efeitos e continuará até a Comissão Técnica de Classificação demonstrar ao Ministério Público e ao juiz de execução que o tratamento não é mais necessário.

Tratar desse assunto importa em saber se a legislação brasileira, em especial a Constituição Federal, admite seja aplicada a pena de castração química para os criminosos sexuais, notadamente os pedófilos.

Os doutrinadores e estudiosos que defendem a castração química entendem que é uma medida amparada pelos princípios que norteiam a Constituição Federal, pois referido ?tratamento? traz benefícios tanto para a sociedade, evitando que várias crianças sejam molestadas, quanto para o condenado, que ao ser submetido ao ?tratamento?, tem seu impulso sexual reduzido e, em consequência, maior controle de seu desejo, sem falar que os autores não-reincidentes de tais delitos que voluntariamente se submeterem a tal procedimento, terão suas penas diminuídas em até 1/3.

Por outro lado há quem seja contra a castração química, argumentando que esse ?tratamento? não traz beneficio algum e é uma violação ao ordenamento jurídico pátrio, especialmente à Carta Magna, dentre outros motivos que serão tratados posteriormente, pelo fato de não serem conhecidos, a longo prazo, os efeitos que advirão com o uso desse procedimento.


2 Dos crimes mencionados no Projeto de Lei 552/07

A informação, hodiernamente, prolifera em uma velocidade tão grande que se tem acesso constantemente do que ocorre a todo instante no mundo e, por isso, sabe-se das inúmeras ocorrências de crimes sexuais contra crianças e adolescentes no país. A violência sexual contra menores é uma realidade presente em todas as regiões do Brasil, atingindo classe de "A"a "E", e cujos agressores se encontram, na maioria das vezes, dentro do próprio lar das vitimas, dificultando o trabalho de descobrimento do crime e, consequentemente, de punição do criminoso sexual.

Frente a tal realidade, que assombra a sociedade desde tempos remotos, os juristas brasileiros vêm propondo alterações no ordenamento a fim de amenizar a prática desses crimes sexuais: seja criando novos tipos penais (como o estupro de vulnerável), seja propondo alternativas de penas para tais crimes. Não se pode deixar, pois, de debater acerca da liberdade sexual dos menores. Precisa-se tentar encontrar as melhores soluções para tutelar a integridade física, moral, psíquica e social dos mesmos, afastando os criminosos sexuais.

Entre os mais relevantes interesses da sociedade está a disciplina ético-sexual, segundo as normas de cultura, e como a juventude, em razão mesma da sua fragilidade ou maleabilidade psíquica, está mais exposta à influência maligna da libidinagem e do vício, é natural que a sua pudícia ou dignidade sexual seja especial objeto da reforçada proteção penal (HUNGRIA apud CAPEZ, 2009, p.54).

A criança ou o adolescente que foi vítima de criminosos sexuais desenvolve comportamentos traumáticos que são, na maioria das vezes, irreversíveis ao longo da vida. O que ocorre tem uma proporção tão avassaladora que interfere em todos os campos funcionais da vida do menor: seja no campo físico, psíquico ou social. O menor não mais interage no ceio familiar, entre os amigos e na escola; ocorre um grande bloqueio no desenvolvimento psicossocial, afetando a capacidade do menor de lidar com suas próprias emoções e de resolver questões simples do cotidiano. As seqüelas, pois, podem ser das mais variadas natureza, como explana a psicóloga Márcia Bezerra:

Comportamento sexual inapropriado para idade e nível de desenvolvimento (comparado com a média das crianças e adolescentes da mesma faixa etária e do mesmo meio sócio-cultural e no mesmo momento histórico); comportamento excessivamente sexualizado ou erotizado; promiscuidade sexual; homossexualidade; disfunções sexuais; aversão a sexo; comportamento impulsivo (sexual, abuso de álcool/drogas); conduta auto-mutilatória (cortar-se, queimar-se, fincar-se, até tentativa de suicídio); fuga de casa; depressão; transtornos de conduta (mentira, roubo violência física ou sexual, atear fogo, invadir propriedade); sintomas dissociativos (como amnésia) ou conversivos (sintomas sugerindo a presença de um problema médico na ausência de achados compatíveis, como crise parecendo epilepsia); isolamento afetivo (parece fisicamente, anestesiada frente aos eventos da vida); dificuldade de aprendizagem; fobias; isolamento social; irritabilidade; ansiedade; transtornos do sono e de alimentação (como obesidade, anorexia, bulimia) (BEZERRA, 2006, p. 06-07).

Verifica-se que as seqüelas advindas da prática de crimes sexuais interferem em toda vida pregressa da criança e do adolescente, trazendo não só prejuízos pessoais, mas a toda sociedade. Menores que poderiam desenvolver uma vida "normal" podem ser os criminosos sexuais de amanha. E, por isso, o Direito não poderia silenciar e deixar de punir os causadores de tais crimes.

Ao ser proposto o projeto de Lei 552/07 ainda não havia sido feito a reformulação do Título VI da Parte Especial do Código Penal pela Lei 12.015/09, que antes era denominado de "dos crimes contra os costumes", e, atualmente, é chamado de "dos crimes contra a dignidade sexual", bem como ainda não havia as modificações, as vedações e os acréscimos de vários crimes.

Por isso, teve a recente emenda do projeto, em 13 de abril do corrente ano (como já visto no tópico acima), alterando a aplicação da castração química aos crimes de estupro, atentado violento ao pudor e presunção de violência para o de estupro de vulnerável, mantendo a aplicação para o crime de corrupção de menores. Assim sendo, interessa analisar os crimes relacionados ao projeto, quais sejam: estupro de vulnerável (art. 217-A, CP) e corrupção de menores (art. 218, CP).

Para uma melhor compreensão dos dois artigos supracitados, torna-se essencial anotar o entendimento de atos libidinosos, sendo "todos aqueles capazes de provocar a libido da vítima, de despertar nela o gosto pelos prazeres sexuais" (CAPEZ, 2009, p.55).

O crime de estupro de vulnerável é cometido quando há conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com menor de 14 anos, ou seja, basta a prática de quaisquer desses atos para a consumação do delito, não importando se houve ou não a anuência do menor e podendo, este, ser homem ou mulher. Assim sendo:

[...] a jurisprudência não poderá alegar que o autor mantinha relacionamento estável com a "vítima", viviam felizes e, por isso, afasta-se a presunção. É impossível aduzir que o sujeito passivo, menor de catorze anos, já mantinha relações sexuais há algum tempo para demonstrar que não foi prejudicado com a conduta analisada "sub judice", absolvendo-se o réu (PEZZOTTI, 2009, p.01).

Por sua vez, o crime de corrupção de menores consiste em fazer com que o menor de 14 anos inicie uma vida sexual precoce e induzida por outrem, fazendo com que a mesma possa vim a trilhar os caminhos da prostituição. É a corrupção de um menor, sendo este homem ou mulher, para satisfazer o prazer sexual de outrem.


3 Análise Constitucional

A abordagem do tema do presente trabalho remete ao tratamento normativo inserido na Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLVII, onde estatuído que no Brasil não haverá penas, entre outras, de caráter perpétuo e cruéis.

A questão que se coloca, assim, é a de saber se a pena de castração química, como proposta no Projeto de Lei, ora em tramitação no Senado Brasileiro, teria qualquer dessas duas características.

A vedação constitucional à possibilidade de cominação de penas de caráter perpétuo ou cruéis (assim também como as de morte, de trabalhos forçados e de banimento), estabelecida em cláusula pétrea, assim se fez inserida no ordenamento constitucional brasileiro em atendimento a um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito em que erigida a República Federativa do Brasil, em seu artigo 1º, III, que é o da dignidade da pessoa humana.

Fundamento quer dizer base, com o que ter-se a dignidade da pessoa humana na condição em que a coloca a Constituição Brasileira significa que tudo quanto o direito positivo nacional houver de construir há que observar tal postulado como princípio, como valor supremo.
Buscando uma conceituação para dignidade, o constitucionalista José Afonso da Silva (2007, p. 37) o fez recorrendo à filosofia de Kant, para quem no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Prosseguiu, assim, o eminente doutrinador:

Aquilo que tem um preço pode muito bem ser substituído por qualquer outra coisa equivalente . Daí a idéia de valor relativo, de valor condicionado, porque existe simplesmente como meio o que se relaciona com as inclinações e necessidades gerais do homem e tem um preço de mercado; enquanto aquilo que não é um valor relativo, e é superior a qualquer preço, é um valor interno e não admite substituto equivalente, é uma dignidade, é o que tem uma dignidade.

Correlacionados assim os conceitos, vê-se que a dignidade é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim, a dignidade entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano.

Valor supremo e atributo intrínseco do ser humano, a dignidade, como princípio e valor fundante do Estado brasileiro, não permite que se o relativize sob hipótese alguma, ainda que como preço a pagar a título de estar-se a fazer proteção social, como no caso das penas em questão de política criminal. A partir do momento em que a dignidade da pessoa humana for desfalcada em qualquer dos seus aspectos, em uma concessão à proteção social ou qualquer outro valor, se a terá fixado como preço para assegurar esse valor e, assim, consoante a visão de Kant, ter-se-á eliminado a dignidade.

Discorrendo sobre a adequabilidade das penas, Ferrajoli (2002, p. 318) apregoa a observação de limitações, que nada mais são que o resultado da percepção do valor da dignidade da pessoa humana como freio ao ímpeto punitivo do Estado. Nessa esteira, afirma:

Acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e quantidade da pena. É este o valor sobre o qual se funda , irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas. (...) Um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão que contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos deliquentes.

A pena de castração química, por seu conteúdo e efeitos estendidos no tempo, é nitidamente de feição cruel e, em muitos casos, de caráter perpétuo. Constitui-se em medida de feição desumana, por negar sentimentos do mais profundo habitáculo da pessoa, por essa razão repudiada pela maioria do povo civilizado, a exemplo dos países do continente americano, que, aprovando a Convenção Americana de Direito Humanos estabeleceu, em seu artigo 5º, §2º, que "ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes".

A crueldade vislumbrada na castração emerge de que ela retira do ser humano impulso biológico instintivo e vital (MARQUES, 2010, p.4), inerente à sua condição de ser vivo, o qual, faltante, produz sofrimento psicológico ? às vezes também físico ? prolongado e intenso, haja vista que a expressão sexual é condição para a felicidade.

A perpetuidade dos efeitos da castração é outro ponto que não pode ser ignorado. Embora se apregoe que os efeitos da castração química se dilua com o tempo (HEIDE, 2007, p.5), não se pode ignorar que o dano psicológico produzido pela temporária incapacidade sexual assim gerada possa, em muitos casos, fazer-se irreversível, ou, pelo menos, reversível a prazo por demais prolongado, o que pode praticamente equivaler a perpétua.

Surge claro, da exposição retro, que a previsão legal da castração química avulta como iniciativa legislativa contaminada pela inconstitucionalidade frente ao artigo 5º, XLVII, em que expressa a proibição de instituição de penas cruéis e de caráter pérpetuo. Também assim em relação ao respeito devido à integridade física da pessoa, insculpido no artigo 5º III, da Carta Magna.

Diz o referido dispositivo que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou cruel. Vale aqui recorrer à dicção de José Afonso da Silva (2009, p. 199), a dizer que "agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza naquele, e que, a integridade físico-corporal constitui, por isso, um bem vital e revela um direito fundamental do indivíduo", afirmação assim posta no sentido de enfatizar a relevância do direito à integridade física. Nessa linha de argumentação, transita fácil a percepção de que a castração química, imposta pelo Estado ao apenado, a par da sua feição cruel, antes demonstrado, por constituir, em última análise, uma agressão à integridade física, eis que agride e inibe o normal funcionamento de um órgão do corpo humano, a glândula produtora da testosterona (PEREIRA, 2009, p.1), revela o vício da inconstitucionalidade também ante o referido artigo 5º, III.

Não é demais lembrar, de outro lado, a propósito da iniciativa legislativa formalizada no Projeto de Lei nº 552/07, que a resposta ao clamor público, gerado por episódios de cometimento de crimes bárbaros, a atingir valores dos mais caros à sensibilidade humana, como o são os crimes sexuais praticados contra crianças e contra pessoas vulneráveis, pode levar o Poder Público a equívocos, resultado da tomada de posição inspirada pelo ímpeto emocional do momento.

Equivocado, assim, é supor que a questão pode ser resolvida com o endurecimento da legislação repressiva, em especial no que respeita ao capítulo das penas, quando a imaginação do legislador pode levá-lo, entre outras atitudes, a rechear o direito positivo com a criação de medidas de caráter exclusivamente punitivo, desta forma na contra-mão do que preconizado pelo moderno direito penal, para o qual a pena há de ter finalidades outras que não a do mero revide ou vingança, à moda do Talião, deixando ao esquecimento o caráter ressocializador a ser dela extraído.

Nessa quadra, chamando a atenção ao perigo de outorgar-se ao Estado poderes que poderão, no futuro, restringir as liberdades dos cidadãos indistintamente, significativa é a advertência de Silva Sanches (2002, p.19):
Ali onde chovem leis penais continuadamente, onde por qualquer motivo surge entre o público um clamor geral de que as coisas se resolvam por novas leis penais ou agravando as existentes, aí não se vivem os melhores tempos para a liberdade ? pois toda lei penal é uma sensível intromissão na liberdade, cujas conseqüências serão perceptíveis também para os que as exigiram de forma mais ruidosa.


4 Castração química enquanto opção do condenado

A Ideologia da Defesa Social (BARATTA, 2005) conduz ao senso de que o sistema penal brasileiro tem por objetivo a proteção da sociedade (mantê-la de foram segura e harmônica), afastando do seu meio aqueles que praticam algum ato considerado ilícito pelo ordenamento penal pátrio e combatendo a criminalidade. Sabe-se que são impostas penas (a maioria delas privativa de liberdade) a esses criminosos com o intuito de se fazer um processo de "ressocialização" durante suas estadias nos cárceres, bem como de prevenir a realização de mais crimes. Essa prática, como se percebe na grande maioria dos casos, não condiz com a realidade, configurando-se como teoria apenas.

Nos sistemas penitenciários os próprios presos rejeitam aqueles que praticam crimes como estupro, principalmente contra crianças, e como meio de demonstração a tal repúdio, os agridem fisicamente e os obrigam a com eles praticarem ato sexual. Aqueles que cometem tipos penais dessa natureza, ainda que por motivos de doença mental, estão condenados a ficar à margem da sociedade ainda que venham a cumprir suas penas nas penitenciárias ou em casas de recuperação e voltem ao convívio fora das grades. Assim sendo, o sistema penal brasileiro precisa se valer de outros meios, que não apenas a pena privativa de liberdade, para tentar recuperar criminosos de delitos sexuais, sendo uma das alternativas a aplicação da castração química.

No entanto, como examinado no tópico anterior, a incorporação da castração química como pena aos crimes de estupro de vulnerável e corrupção de menores é inconstitucional. Mas, não se pode descartar essa alternativa, uma vez que, esta é dita como atenuante à prática de crimes sexuais:

Pesquisas indicam que a reincidência de criminosos sexuais cai de 75 para 2% após a aplicação do hormônio feminino. Trata-se de uma estatística que não pode ser desprezada. Várias pessoas deixariam de ser vitimadas por estupros e atentados violentos ao pudor com o uso dessa alternativa (AGUIAR, 2007, p. 01).

A castração química deve ser analisada tanto sob o prisma do Direito quanto de outras ciências, visto que essa medida não só compromete o ordenamento jurídico, como também, a segurança social e psíquica da população. Se o projeto de lei for aprovado com a sua atual redação (obrigando os criminosos sexuais a se submeterem a castração química), provocará na sociedade insegurança quanto ao fato do Estado poder punir a seu "bel prazer", da maneira que melhor lhe convir, desrespeitando princípios conquistados ao longo da história do país e que atualmente são a base de todo um ordenamento jurídico. A sociedade não pode ficar a mercê de todas as penas impostas pelo Estado: ontem foi pena de reclusão, hoje é pena de castração química, amanha será pena de amputação?

Para se poder incorporar a pena de castração química no Brasil, deve-se reformular todo o ordenamento jurídico, sobretudo a nossa Constituição Federal, o que seria uma medida radical e descabida. Modificar todo o arcabouço jurídico, criando novas leis, é uma solução desnecessária, haja vista que nosso ordenamento já possui leis suficientes para amparar a sociedade, não ocorrendo, pois, é a efetivação das mesmas. Esta idéia de reformulação seria a única maneira capaz de validar a condenação de criminosos sexuais à pena de castração química, se assim não for, outras medidas poderão aparecer e ser impostas a outros delitos repugnáveis pela sociedade, como por exemplo, pena de decepamento das mãos para ladrões.

Entende-se, assim, que a sanção penal é uma forma de controle social e que deve ser limitada e regulamentada, haja vista constituir forma de invasão do Poder Estatal na liberdade do ser humano de modo que há que se respeitar o rol de garantias e de direitos estabelecidos pelo Estado democrático de direito. A aplicação da sanção penal mediante o correto procedimento e com respeito às garantias que todo indivíduo possui é interesse de toda a sociedade [...]. E aí está a necessidade de um direito penal enquanto controle social voltado para o devido processo legal, com fulcro nos direitos humanos fundamentais, para se aplicar, ou não, uma sanção (SIQUEIRA, 2008, p.01).

Ademais, não se pode aplicar a pena de castração química como "vingança" ao criminoso sexual, pois a pena precisa atender a sua função ressocializadora e não apenas impedir que se volte a praticar o crime (como visto acima). E, ainda, em caso do criminoso ser submetido a pena de castração química e esta não for eficaz, não poderá o mesmo ser submetido a prisão, uma vez que, estaria se ferindo o princípio do "non bis in idem": o preso não pode ser condenado duas vezes pelo mesmo fato.

Dessa forma, o que se pode propor é a castração química como opção do condenado, ou seja, o tratamento seria voluntário e o preso que a ele se submetesse teria uma redução de pena. Tal proposta não iria de encontro com os direitos constitucionais do condenado e ainda amenizaria a prática de crimes sexuais. Ademais, a castração química realizada de forma voluntária, poderia influenciar diretamente na ressocialização do indivíduo, pois esta depende principalmente da vontade deste cominada com um constante acompanhamento psicológico.

A alternativa que respeitaria os direitos constitucionais do condenado e colaboraria com a diminuição dos crimes sexuais seria transformar a castração química em um direito. Assim, aquele que se dispusesse a realizar o tratamento seria beneficiado com uma redução da pena que poderia variar entre um e dois terços, em analogia ao benefício da delação premiada, prevista na Lei 8.072/90. A lógica é simples: parte da pena de prisão tornar-se-ia desnecessária, pois a função ressocializadora estaria sendo atingida também por meio da castração química. O condenado teria a opção de cumprir a pena nos termos da lei atual ou de submeter-se ao tratamento durante todo o período em que ele não estivesse encarcerado. Obviamente, esse tratamento somente poderia ser feito após laudo médico que comprovasse sua necessidade e com o pertinente apoio psicológico (AGUIAR, 2007, p.01).

Assim, a melhor solução que se apresenta é a aceitação do projeto de lei que prevê a submissão voluntária do condenado a castração química. A aplicação desta pode ser benéfica aos interesses do condenado e da sociedade, porém para se saber precisa testá-la e, antes de tudo, modificar o projeto para que o mesmo se torne constitucional.

O que não se pode esquecer, contudo, é que esta alternativa "não é a solução ideal, já que, ao fim do prazo previsto para a condenação, o criminoso não seria mais submetido ao tratamento, exceto se o requeresse expressamente" (BUENO, 2009, p. 01), entretanto, é a solução constitucionalmente mais viável. Ademais, não se pode ter em mente que a castração química é a solução para o combate total dos crimes sexuais. É, pois, uma tentativa de diminuição da prática desses crimes, visando uma possível ressocialização do criminoso sexual; é uma tentativa frente à apenas pena privativa de liberdade que não cumpre com sua função social e que só aumenta a crise do sistema penal brasileiro.


Considerações finais

Sabe-se que a castração química ainda é um assunto pouco difundido no Brasil, seja pela sua não previsão legal ou pela não aplicação do método em proporções visíveis à sociedade. Porém, é de notório conhecimento o arcabouço jurídico brasileiro atual voltado, principalmente, à defesa dos direitos fundamentais do ser humano e da pacificação social. Aceitar a pena de castração, como proposta pelo Projeto de Lei 552/07, seria um retrocesso aos tempos da Idade Média, "derrubando" a conquista dos direitos trazidos pela nossa Constituição Federal em 88 e que atualmente fundamentam todo o restante do ordenamento jurídico brasileiro.

O Direito precisa, de fato, procurar e implantar soluções para o combate da criminalização do país desde que as mesmas não sejam inconstitucionais. A idéia da aplicação da castração química aos criminosos sexuais é, sem dúvidas, pertinente, mas não nos moldes propostos pelo referido projeto. Este deve ser reformulado, devendo ser excluída a previsão da castração química como pena, bem como acrescidos vários quesitos silenciados pelo projeto, principalmente, aqueles referentes ao mecanismo de tratamento que será adotado e, podendo ser a mulher autora dos crimes, se ela também poderá se submeter ao tratamento hormonal.

Defende-se a castração química como tratamento voluntário colocado a disposição do condenado, no entanto, é imprescindível que programas voltados ao da prevenção da delinqüência sejam adotados no Brasil e, sobretudo, contra os criminosos sexuais. É necessário, ainda, que haja educação sexual nas escolas e nas famílias, ensinando os menores a se protegerem. Sem o conjunto de tais medidas, a possível reformulação e aprovação do projeto de lei, introduzindo a castração química como opção dos criminosos sexuais, será mais uma norma sem eficácia na nossa legislação.

REFERÊNCIAS

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