Castração química: um retrocesso às penas de castigos corporais
Por Bruno Bruno Saulnier de Pierrelevée Vilaça | 15/04/2012 | DireitoCASTRAÇÃO QUÍMICA: UM RETROCESSO ÀS PENAS DE CASTIGOS CORPORAIS
Bruno Saulnier de Pierrelevée Vilaça
SUMÁRIO: Introdução; 1 Breve Apanhado Histórico sobre os Castigos Corporais; 2 Castração Química; 3 A Constituição de 1988 e o Sistema Punitivo; 4 Projeto de Lei nº 552/2007; 5 A Constitucionalidade da Castração Química; Conclusão; Referências; Anexo I.
RESUMO
Apresenta-se, neste artigo, uma breve análise acerca da castração química, tendo em vista a atual importância do assunto, já que tramita no Senado Nacional um projeto de lei com a finalidade de legalizar tal instrumento, a fim de punir os criminosos sexuais. A priori será feita uma retomada histórica sobre as penas de castigo corporal, existentes em grande parte dos códigos penais de outrora; para que em outro momento se faça uma análise da evolução dessas penas, apresentando as penas que se mostram possíveis nos ordenamentos jurídicos atuais, principalmente o brasileiro. O presente artigo trará, ainda, um conceito do que viria a ser a castração química, para posteriormente verificar a constitucionalidade deste instrumento de punição penal.
PALAVRAS-CHAVE
Castração Química. Castigos Corporais. Constitucionalidade.
INTRODUÇÃO
O direito penal ao longo dos tempos vem se modernizando, inclusive, os institutos penais punitivos. A castração é um instrumento penal que, como o direito penal, vem se atualizando, também. Com isso, a castração passou a ser feita de duas formas: física – de modo cirúrgico; e química – por meio de drogas hormonais.
A castração química é uma forma de castração que vem sendo utilizado por alguns países, como os Estados Unidos – em apenas alguns estados – e o Canadá, estando em trâmite, ainda, na França, Inglaterra, Itália, Espanha. Na Alemanha uma lei que tratava da castração química já foi posta em análise, sendo cassada pela Corte Constitucional, por ser entendimento desta que a lei feria princípios da Constituição do referido país.
No Brasil tramita no Senado o Projeto de Lei 552/2007, do Senador Gerson Camata, que prevê a criação do artigo 226-A ao Código Penal, com o fim de atribuir pena de castração química para aquele que cometer os crimes previstos nos artigos 213, 214, 218 e 224 – sendo que os artigos 214 e 224 foram revogados pela Lei nº 12.015/2009 – além disso, o agente tem que ser considerado pedófilo, tendo em vista o Código Internacional de Doenças. Atualmente este Projeto de Lei se encontra em trâmite no Senado Federal, a fim de que seja analisada a sua constitucionalidade, para que, posteriormente, tal projeto possa ser votado com fins de aprovação e inclusão de tal pena no ordenamento jurídico brasileiro.
A castração química é um instrumento atual que surgiu como uma alternativa punitiva aos criminosos sexuais, a fim de que estes sejam punidos de forma mais coercitiva, ou coerente, aos crimes cometidos.
1 BREVE APANHADO HISTÓRICO
Remontando a história da aplicação de penas pelo Estado aos infratores, observa-se que ao longo de muito tempo, a sanção era dirigida ao corpo do condenado, com a utilização de torturas corporais, que muitas vezes eram realizadas em público, enfatizando o seu caráter “exemplificativo” para todos da sociedade[1].
O suplício do condenado foi objeto de críticas pelo iluminismo ao final do século XVIII, e que por isso, ao longo dos anos a repressão penal foi se transformando. Nas palavras de Michel Foucault, “a melancólica festa de punição vai-se extinguindo” (FOUCAULT. 1999. p.12). Houve ao longo do tempo um processo de humanização do poder estatal e passou-se a se considerar o caráter corretivo das penas.
A pena aplicada foi aos poucos perdendo seu caráter cruel e sua generalidade, buscando assim a individualização corretiva do autor de forma mais humana, como assinala Vera Andrade:
Diferentemente da época das luzes em que o homem foi posto como objeção contra a barbárie dos suplícios, como limite do direito e fronteira legítima do poder de punir, agora o homem é posto como objeto de um saber positivo. Não mais está em questão o que se deve deixar intacto para respeitá-lo, mas o que se deve atingir para modificá-lo (ANDRADE. 2003. p.252).
O iluminismo resultou na prevalência da razão sobre o espírito cruel de vingança do homem. A pena perdeu o seu caráter físico. Buscava-se com a punição, atingir algo que não era diretamente o corpo do criminoso, permanecendo assim apenas as reclusões, trabalhos forçados etc. Nessas penas, segundo palavras de Foucault,
A relação castigo-corpo não é idêntica ao que ela era nos suplícios. O corpo encontra-se em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele sobre o enclausuramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e interdições. O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena (FOUCAULT. 1999. p.15).
No direito contemporâneo, em especial o brasileiro, a integridade física do condenado deve ser sempre resguardada na aplicação das sanções. Com a pena, busca-se restringir apenas certos direitos ou privar a liberdade do condenado, na medida razoavelmente necessária apenas para proteger direitos alheios.
No contexto brasileiro, discute-se a real proteção da integridade física e mental do condenado a pena privativa de liberdade, em função das péssimas condições dos cárceres, e a falta de perspectiva ressocializadora do sistema punitivo, criando mais um palco de discussões acerca da eficácia dos métodos utilizados pelo Estado.
2 CASTRAÇÃO QUÍMICA
De forma a tentar elucidar satisfatoriamente sobre o que viria a ser a castração química, este tópico, tratará, exclusivamente, do significado e das formas de castração química. A priori, trazendo um significado do que seria a castração em si para que, posteriormente, se possa analisar a forma moderna da referida punição que existe na humanidade há séculos.
Castração se constitui no ato de extrair ou inutilizar os órgãos reprodutores, sendo assim, os homens perdem a função de seus testículos e as mulheres perdem a função de seus ovários (AGUIAR. 2010). Deste modo, o homem ou a mulher castrado(a) não teria a capacidade de reprodução. Na mulher o efeito da castração se resume à incapacidade reprodutiva, enquanto que no homem os efeitos são mais abrangentes, além da incapacidade reprodutiva, o indivíduo do sexo masculino pode chegar a ter depressão, queda de cabelo, alteração de peso, perda da massa muscular, redução do desejo sexual, mudança do timbre de voz, entre outros efeitos (HEIDE. 2010).
Existem duas formas de castrar uma pessoa, de forma física e de forma química. A título de informação, a castração física se refere ao ato de extração cirúrgica do órgão reprodutor, por isso é uma castração de caráter permanente. Este tipo de castração já fora por muitos anos utilizado, inclusive como forma de punição a criminosos, estando presente, este instituto, até no direito brasileiro como demonstrado no excerto de uma sentença exarada pelo Juiz de Direito da Vila Porto da Folha Sergipe, Manoel Fernandes dos Santos, em 15 de outubro de 1833 (anexo I), que, no caso, sentenciou da seguinte forma, in verbis:
CONDENO:
O cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser capado, capadura que deverá ser feita a MACETE.
Por outro lado, a castração química – tema do presente artigo – é feita por meio de drogas hormonais de forma a inibir a funcionalidade dos órgãos reprodutores. Enquanto na castração física o efeito é permanente, na castração química o efeito é efêmero. A castração química já é utilizada em alguns países, como Canadá e alguns estados dos Estados Unidos, como o do Texas – que também é adepto da pena de morte. Estando, ainda, em trâmite na França e em outros países projetos de lei a fim de legalizar a castração química.
3 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O SISTEMA PUNITIVO
O Brasil, em sua Carta Magna de 1988 adotou o perfil político-constitucional "Estado Democrático de Direito". Esta definição está presente no artigo 1º da Constituição Federal, in verbis:
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direto(...)
O Estado Democrático de Direito se caracterize por ser uma união entre o Estado Democrático – aquele que se institui levando em consideração a soberania popular – e o Estado de Direito – criação liberalista, que faz do Estado submisso às leis –, entretanto, não fazendo com que essa união caracterize, unicamente, o Estado Democrático de Direito, este é caracterizado como um novo conceito, com suas características próprias, como muito bem nos ensina o douto constitucionalista, José Afonso da Silva:
A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se entremostra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando (SILVA. 2008. p. 119).
Com a criação da Constituição de 1988 o Brasil, de uma vez por todas, enveredou o seu sistema jurídico para a Declaração dos Direitos Humanos, que faz com que os princípios individuais dos seres humanos sejam, sempre, levados em consideração, assegurando, assim, as garantias fundamentais a todos os brasileiros.
À época da instituição da mais recente Constituição Federal o Brasil vivia uma situação conturbada, pois, com o eminente fim da Ditadura Militar – que já assombrava o povo brasileiro há 20 (vinte) anos – vinham reivindicações de todas as camadas, de todos os lados, reivindicações, estas, que buscavam uma maior proteção ao cidadão, a volta do Estado de Direito, uma maior proteção à própria Constituição, entre outras exigências. Por isso, ao ver de Tancredo Neves – Presidente da República, eleito indiretamente, que não chegou a assumir o cargo, entretanto – a Nova República – como ele próprio denominava o período pós-ditadura – teria que ser democrática e social.
Sua eleição, a 15.1.85, foi, por isso, saudada como o início de um novo período na história das instituições políticas brasileiras, e que ele próprio denominara de Nova República, que haveria de ser democrática e social, a concretizar-se pela Constituição que seria elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, que ele convocaria assim que assumisse a Presidência da República (SILVA. 2008. p. 88).
As reivindicações acerca dos direitos fundamentais são reflexos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, promulgada em 1948 e assinada por diversos países, que a aderem até hoje.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, sem dúvida alguma, consagrou princípios universais que existem agora como princípios ou garantias constitucionais de direitos individuais em diversos países (Constituições da Itália, Alemanha, Espanha, Portugal), como seus pressupostos evidentes, inegáveis (ALVES. 2010. p. 1).
Direitos fundamentais, estes, que estão dispostos na Constituição Federal em seu artigo 5º, ao longo de seus 78 (setenta e oito) incisos. A Constituição Federal dita os direitos fundamentais um a um. Dentre estes princípios, há princípios que são adequáveis em todas as matérias, inclusive, da área penal, como o princípio da legalidade, da individualização de penas, da culpabilidade, do devido processo legal, da presunção de inocência, do contraditório penal, da dignidade da pessoa humana, entre outros.
Para que tenha validade, qualquer lei infraconstitucional deve ser feita de acordo com o que está disposto na Carta Magna, independente do assunto que seja tratado, destarte, com o Direito Penal não é diferente, pois este tem de estar de acordo com a Constituição, até porque esta que irá definir a área e os limites de atuação daquele. Neste Sentido Luís Roberto Barroso:
Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. E a falta de validade traz como conseqüência a nulidade ou anulabilidade. No caso da lei inconstitucional, aplica-se a sanção mais grave, que é a de nulidade. Ato inconstitucional é ato nulo de pleno direito (BARROSO. 2007. p. 15).
Continua Luís Roberto Barroso:
A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato (BARROSO. 2007. p. 16).
Dentre os 78 (setenta e oito) incisos, os de maior relevância, para o presente artigo, são os incisos XLVI, XLVII e XLIX, que tratam das penas a serem aplicadas no Brasil, e das penas que não podem ser aplicadas no Brasil. In verbis:
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
(...)
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
Portanto, tendo em vista os incisos supracitados, independente do crime cometido, será assegurado, ao agente da ação tipificada, integridade física e moral, além, de penas, somente, de cunho de suspensão ou interdição de direitos, previstas no inciso XLVI. Há de se levar em conta, ainda, que não são cabíveis penas cruéis ou de caráter perpétuo.
Levando-se em consideração a inconstitucionalidade de penas cruéis, e a proteção à integridade física e moral dos presos, faz-se mister concluir que as penas de castigos corporais – aquelas que agridem o corpo do apenado – são tidas como inconstitucionais, por estarem expressamente vetadas pela Norma Suprema, em seu artigo 5º, XLVII, XLIX. Além de estas estarem vetadas, o inciso XLVI do mesmo artigo 5º da CF, traz as possibilidades de punição aos condenados, nunca citando penas que atinjam o corpo, e sim, exclusivamente, penas privativas de liberdade ou de direitos.
4 PROJETO DE LEI Nº 552/2007
Atualmente tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 552/2007 de autoria do senador Gerson Camata, cujo objetivo é introduzir no Código Penal a previsão da pena de castração química aos condenados por estupro (artigo 213 do Código Penal), atentado violento ao pudor (artigo 214), corrupção de menores (artigo 218).
No projeto, o citado senador justifica a previsão legal da castração enfatizando a inadequação das punições atualmente cominadas aos autores de crimes sexuais, demonstrando o alto grau de reincidência desse tipo de crime. Tal mazela social, segundo o senador, não é resolvida pelo atual sistema punitivo, e enquanto isso a sociedade sofre com essa insegurança.
No citado projeto, também se caracteriza tais condutas delitivas como um resultado de enfermidade fisiológica, atribuindo à pena de castração química um caráter de tratamento médico, o qual seria obrigatório aos condenados pelos citados crimes. Tal imposição foi relativizada pela proposta de emenda ao projeto, após discussões na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, propondo a possibilidade do condenado a se submeter voluntariamente ao tratamento, sendo obrigatório apenas para os reincidentes.
A discussão acerca da legalidade da pena da castração química enseja uma complexa discussão acerca da sua constitucionalidade, frente o princípio da dignidade da pessoa humana que, segundo as palavras da civilista Maria Berenice Dias, “é o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito” (DIAS. 2009. p.61).
5 A CONSTITUCIONALIDADE DA CASTRAÇÃO QUÍMICA
Qualquer matéria de direito será tratada como inconstitucional, desde que vá de encontro com os princípios elencados na Carta Magna. Qualquer lei que vá ser sancionada deve passar por votações, tanto no Senado Federal, quanto na Câmara dos Deputados, para, enfim, ser aprovada. Entretanto, no caso de aprovação de uma lei que venha a ser considerada inconstitucional, caberá, ainda, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade[2] – ADIn – a fim de que a matéria seja analisada pelo STF, sendo possível que o STF julgue a matéria como sendo inconstitucional, tendo tal posicionamento, a matéria passará a não, mais, ter efeitos no ordenamento jurídico brasileiro.
Tendo em vista o excerto acima, deve-se analisar a constitucionalidade da Castração Química, por ser uma matéria do direito penal muito controvertida, tendo opiniões tanto a favor, quanto contra.
Os que defendem a instituição da castração química, pelo direito pátrio, são defensores de que o sistema punitivo em vigor no Brasil não é bastante punitivo, pois a maior parte dos criminosos torna-se reincidente, ao sair da prisão. Não é diferente com aqueles que cometem crimes sexuais – vide caso do pedreiro goiano, que após ter cumprido pena de 4 (quatro) anos de prisão, em regime fechado, tendo passado para o regime semi-aberto no mesmo mês em que voltou a cometer crimes[3].
Portanto, os defensores da implementação da castração química tratam como ineficaz o sistema punitivo vigente, argumentando que, com o fim de evitar reincidência, as penas devem ser mais severas aos criminosos sexuais. Tese esta, que é defendida pelo Senador Gerson Camata, do Espírito Santo – autor do projeto de Lei nº 552/2007. O Senador em questão defende que matéria deva ser analisada e posta em pauta de discussão com urgência, lembrando que é crescente o número de agressões sexuais contra crianças e jovens.
É preciso que iniciemos um grande debate sobre o assunto, que não é pacífico, para chegarmos a meios concretos que impeçam a repetição continuada desses crimes (CAMATA. 2007. p. 1)
No trecho supracitado, extraído do boletim informativo do Gabinete do Senador Gerson Camata – Boletim nº 003/2007 –, ele está se referindo aos crimes sexuais.
Ainda no pequeno texto, presente no boletim informativo do referido Senador, é lembrado que a matéria já é utilizada na Suécia, Alemanha, Dinamarca e em seis Estados dos Estados Unidos.
Por outro lado, os opositores dessa questão, acreditam que a castração química viria a ser um instituto que iria de encontro com os princípios constitucionais, principalmente o da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, além, ainda, de violar o disposto no artigo 5º, XLVII, XLIX. Por conseguinte, acreditam ser inconstitucional tal instrumento punitivo.
Tratando dos princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, Rogério Greco:
Assim, inicialmente, e no plano abstrato, deve o legislador, atento a tal princípio, procurar alcançar a tão almejada proporcionalidade. Sabemos que a tarefa não é fácil, pois, em virtude do grande número de infrações penais existentes em nosso ordenamento jurídico penal, cada vez fica mais complicado o raciocínio da proporcionalidade. A quase proporção, é inegável, encontra-se no talião, isto é, no olho por olho, dente por dente. Contudo, embora aparentemente proporcional, o talião ofende o princípio da humanidade, pilar indispensável em uma sociedade na qual se tem em mira a dignidade da pessoa humana. Por essa razão é que o legislador constituinte preocupou-se em consignar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado Social e Democrático de Direito (inciso III do art. 1º da CF) (GRECO. 2010. p. 74).
Tendo em vista a explicação do Mestre em Direito Penal, Rogério Greco, deve-se ter em vista a dignidade da pessoa humana, sempre, antes de estabelecer uma pena a determinado crime; devendo, ainda, extinguir, as penas que ferirem a tal princípio.
Assim como o princípio da dignidade da pessoa humana, a vedação de penas cruéis, também, encontra-se na Constituição Federal. Sendo, portanto, inconstitucional qualquer pena que seja cruel. Pena cruel é qualquer pena que não seja proporcional ou que fira o princípio da dignidade, ou seja, ao se aceitar uma pena desproporcional, ou que viole o princípio da dignidade, estar-se-á diante de uma pena cruel.
Segundo o que está previsto no artigo 5º, III, XLVII e XLIX, ninguém deverá ser submetido à a tortura, nem a tratamento desumano ou degradante, ou será submetido à penas cruéis, ou, ainda, terá sua integridade física ou moral violada. Entretanto, a Castração Química fere a todos esses preceitos, por submeter alguém a tratamento desumano ou degradante – pois, o “tratamento” causa efeitos como a depressão, a alteração da coagulação sanguínea, fadiga crônica, entre outros (HEIDE. 2010) – além de submeter à pena cruel e ainda ferir a integridade física e moral do condenado. Corroborando desta ideia, Fábio Konder Comparato:
No que tange às penas degradantes ou cruéis, é geralmente admitido que entram nessa categoria todas as mutilações, tais como (...), e a castração de condenados por crimes de violência sexual, constante de algumas legislações ocidentais (COMPARATO. 2001. p. 297).
Ao fazer uma análise daquilo que está disposto, na Constituição Federal, acerca das penas aplicáveis aos criminosos, pode-se constatar que a Castração Química é uma verdadeira afronta aos princípios constitucionais, principalmente, os da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, além de afrontar, ainda, a vedação às penas cruéis e à violação da integridade física ou moral do preso.
Faz-se necessária, ainda, uma adenda, o “tratamento” da castração química teria que ser por tempo determinado – caso contrário, violaria outro princípio constitucional, ao estabelecer uma pena de caráter perpétuo a alguém – por isso, não seria definitiva, assim sendo, quando terminasse o “tratamento”, o criminoso poderia voltar a praticar os delitos, pois, teria de volta a sua libido, o seu apetite sexual, podendo, inclusive, vir de forma mais intensa. Neste sentido, Márcio Pecego Heide:
A castração com o Depo-Provera não é, em tese, definitiva. O molestador tem que se apresentar sempre ao médico designado para continuar tomando as injeções no prazo indicado, sem as quais os testículos poderão, até mesmo, aumentar a produção de testosterona acima dos níveis anteriormente verificados e causar uma alteração em sua libido de forma mais intensa do que a originalmente verificada. (HEIDE. 2010)
Ainda há de se levar em conta que a aceitação da pena de castração química se equivaleria à pena de morte àquele que cometeu homicídio, ou à amputação das mãos daquele que roubou, voltando, desta forma, à Lei de Talião, o que acabaria por representar uma regressão do Direito Penal, pois estaria, praticamente, jogando fora todos os avanços conquistados ao longo dos anos, no intuito de instituir penas mais proporcionais e humanas aos criminosos.
CONCLUSÃO
A castração química, como anteriormente analisada, consiste na utilização de drogas com a finalidade de inibir o funcionamento dos órgãos reprodutores. Hodiernamente, tem-se utilizado, em alguns países, tal instrumento como forma de punição aos criminosos sexuais, para que estes não voltem a cometer tais crimes.
No Brasil, já existe um Projeto de Lei no Senado com a finalidade de implementação de tal instrumento, também, no direito brasileiro, a fim de punir os criminosos sexuais. Entretanto, tal projeto encontra um entrave na Constituição Federal, já que esta veda penas cruéis, ou que atinjam a integridade física ou moral do preso (art. 5º, XLVII e XLIX). Além dos referidos incisos do artigo 5º da Constituição, deve-se, ainda, levar em conta, que a pena de castração química viria a agredir outros princípios do direito brasileiro, também, sendo estes os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.
Por estar em pleno contraste com a Constituição Federal, o Projeto de Lei nº 552/2007, é totalmente inconstitucional. Além, ainda, de se mostrar como um retrocesso às penas de castigos corporais, antes vistas na Lei de Talião – olho por olho, dente por dente – e em outros códigos da Antiguidade.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. O “direito” do condenado à castração química. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10613 Acesso em: 04/02/2010.
ALVES, Roque de Brito. Constituição e Direito Penal. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/12642/12206 Acesso em: 02/06/2010.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: Exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 20ªed. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 12ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2010.
HEIDI, Márcio Pecego. Castração química para autores de crimes sexuais e o caso brasileiro. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9823. Acesso em: 01/04/2010.
LAMBACH, Carlos. Boletim Informativo: Gabinete do Senador Gerson Camata. Disponível em: http://www.senado.gov.br/web/senador/gcamata/boletins/Boletim_003.pdf Acesso em: 01/04/2010.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
[1] As práticas de torturas e penas cruéis foram remontadas e demonstradas de forma dramática (e não menos brilhante) por Michel Foucault, logo no início de sua obra Vigiar e Punir (FOUCAULT. 1999. p.08), apresentando um histórico da prática punitiva do estado até meados do século XVIII, em que as aplicações das penas eram tidas como verdadeiros espetáculos dirigidos a sociedade, como forma de dar exemplo aos demais, mostrando as conseqüências de praticar condutas ilegais.
[2] Sobre este tema: A ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, também conhecida como ação genérica, foi introduzida no Direito brasileiro, como visto, pela Emenda Constitucional n. 16 de 26 de novembro de 1965, à Constituição de 1946, que a ele se referia como representação. Trata-se, no entanto, de verdadeira ação, no sentido de que os legitimados ativos provocam, direta e efetivamente, o exercício da jurisdição constitucional. Mas certamente não se cuida do típico direito de ação, consagrado na Constituição (art. 5º, XXXV) e disciplinado pelas leis processuais.
[3] Para maiores informações, link da matéria sobre o caso: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/04/pedreiro-preso-por-assassinato-de-jovens-em-go-e-encontrado-morto.html