CASO PRÁTICO E ANÁLISE DE ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA PRESENTE EM CONTRATO

Por Patrícia Fernanda Santos Velozo | 21/06/2018 | Direito

SINOPSE DO CASE DA DISCIPLINA DIREITO DO CONSUMIDOR1
Patrícia Fernanda Santos Velozo²
1 DESCRIÇÃO DO CASO
A divulgação do início das matriculas para o ano de 2016 da escola Instituto Batista de Carolina foi realizada em carro de som. A publicidade encerrava com os dizeres: “Nossa diferença é Jesus!”. No contrato para matricula na escola, havia cláusula segundo a qual todos os alunos matriculados no ensino fundamental e médio deveriam participar dos procedimentos e cultos da religião professada pela escola. Os pais de Alexandre Velasco matricularam-no na referida escola. Referida cláusula estava em destaque e dela tomaram imediata ciência os responsáveis por Alexandre Velasco.
2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
2.1 DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS No que diz respeito ao caso descrito em se tratando da publicidade abusiva, questiona-se: A publicidade veiculada pela escola é abusiva? Uma cláusula contratual pode obrigar os alunos a tomarem parte dos ritos religiosos da escola? O fato de a cláusula contratual estar redigida em destaque e dela terem tomado ciência os pais de Alexandre Velasco afasta a possibilidade de alegação de abusividade? 2.1.1 A publicidade veiculada pela escola é abusiva. 2.1.2 A publicidade veiculada pela escola não é abusiva.
2.2 ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO 2.2.1 A publicidade veiculada pela escola é abusiva.
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1 Case apresentado à disciplina Direito do Consumidor da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.
² Aluna do 6º período, do Curso de Direito, da UNDB.
A liberdade religiosa é assegurada pela Constituição a qual a consagra como direito fundamental e ainda prescreve que o Brasil é um país laico. Segundo Scherkerkewitz, ao analisar tal afirmação se deve aferir que o Estado deve se preocupar em proporcionar a seus cidadãos um clima de perfeita compreensão religiosa, não admitindo a intolerância e o fanatismo. Dessa forma, entende-se que não se pode haver uma relação de dependência ou de aliança com a entidade religiosa a qual a pessoa esteja vinculada. Intrinsicamente à liberdade de religião encontra-se a liberdade de culto a qual consiste na liberdade de orar e de praticar os atos próprios daquela religião (SCHERKERKEWITZ, Iso). Tal liberdade encontra-se ferida no caso descrito, tendo em vista que tal direito de escolha foi ferido com a cláusula que obriga seus alunos a praticarem os ritos religiosos da instituição. Ainda se é possível entender que tal pressão pode ser prejudicial ao jovem o qual pode não deter ainda de uma escolha concreta de religião.
A nova concepção de contrato também deve ser considerava haja vista que a partir dela não é a mais a vontade o elemento nuclear e sim o interesse social. O Estado, através das leis, busca o equilíbrio contratual buscando limitar o poder da vontade. Juntamente com essa nova concepção se encontra o principio da boa-fé objetiva que significa uma atuação pensando no outro, no seu parceiro contratual respeitando seus interesses legítimos (MARQUES, 2011). Pode ser que os pais de Mario tenham se interessado pelo cunho religioso da escola mas o interesse social seria a educação e ainda assim, mesmo que tenham aceitado a cláusula, cultuar deverá ser uma escolha do aluno e não tida como uma obrigação.
A veiculação da publicidade como uma forma de atrair consumidores e de oferecer serviços pela escola é uma atividade regulada pelo Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, deve-se analisar se tal publicidade detém ou não de um cunho abusivo. Nota-se que ao finalizar tal publicidade com a expressão: “Nossa diferença é Jesus!” houve um desacordo com o que regula o artigo 20 do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR), pois o mesmo dispõe que nenhum anuncio deve proporcionar um favorecimento ou estimular qualquer forma de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.
No que se refere à abusividade da cláusula, observa-se que o CDC ao tratar do assunto não exige que para que tal cláusula seja classificada como abusiva necessite que o fornecedor tenha agido de má-fé. Tal abusividade pode ser percebida no cunho material da clausula, pois obriga o jovem a participar dos procedimentos e cultos da
religião professada pela escola. Observando que o objetivo primordial de uma instituição escolar é proporcionar o ensino acadêmico o qual é visto como um interesse social. Diante do exposto, pode-se aferir que a publicidade veiculada pela escola é abusiva.
2.2.2 A publicidade veiculada pela escola não é abusiva.
A Constituição assegura ao individuo o direito a liberdade de religião. Apesar da laicidade do Estado, é possível perceber o reconhecimento dado pelo constituinte ao caráter benéfico da existência de todas as religiões para a sociedade, seja pelos princípios morais e éticos, a pregação como instrumento para o fortalecimento da família, o estímulo à caridade ou simplesmente pelas obras sociais benevolentes praticadas pelas próprias instituições (SCHERKERKEWITZ, Isso). A partir disso é possível entender que a escola tem liberdade de escolher colocar, em sua instituição e ensino, orientações religiosas e os pais possuem autonomia em aceita-las, pois, em caso contrário, terão liberdade para procurar outra instituição que supra suas vontades.
Dentre os direitos básicos fundamentais e universais reconhecidos pela ONU, do consumidor, se encontra o direito à informação. Esse direito assegura ao consumidor o conhecimento de dados indispensáveis sobre produtos ou serviços (ALMEIDA, p.43, 2003).
O Código Defesa Consumidor objetiva promover lealdade, transparência e equilíbrio nas relações entre fornecedor e consumidor. Tal dispositivo não admite fraude, o intuito de enganar, cláusulas obscuras, minúsculas e contratos que coloquem o consumidor em situação de desvantagem (BENJAMIN, p.276, 2008).
A maior parte dos contratos celebrados no âmbito consumerista são os chamados contratos de adesão, os quais são elaborados unilateralmente pelo fornecedor e diminui consideravelmente a vontade real do consumidor. Ainda que ocorra a inclusão de algumas cláusulas no formulário, tal ação não desfigura a natureza de tal contrato, como disposto no parágrafo primeiro do CDC. Ele ainda dispõe que as cláusulas que limitarem o direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque permitindo sua imediata e fácil compreensão. (BENJAMIN, p. 288, 2008). Diante disso, pode-se considerar que tal contrato da instituição financeira não agiu de forma abusiva tendo em vista que o mesmo destacava tal cláusula indo de acordo com o que regula o CDC. Sendo assim, a instituição respeitou o dever de informação e não faltou com o principio da transparência, pois no momento da veiculação do anuncio pelo carro, os consumidores já
teriam conhecimento do cunho religioso da escola. Além disso, a atitude da instituição também é regulada pela Lei de Diretrizes e Bases (Lei n 9394/96) em seu artigo 33 o qual dispõe que o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e é assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
2.3 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES CONTIDOS EM CADA DECISÃO POSSÍVEL 2.3.1 Interesse social e boa-fé objetiva
Pode-se considerar que o contrato deve respeitar não somente a vontade das partes e sim, o interesse social. Se percebe ainda que a boa-fé objetiva que deve estar inclusa nos contratos, não foi respeitada pois o interesse contido, assim como é percebido em contratos de adesão, foi estritamente de interesse unilateral.
2.3.2 Liberdade religiosa e direito à informação
A liberdade religiosa como sendo direito fundamental de todos. A escola pode colocar orientações religiosas na sua instituição já que as matriculas são facultativas e os pais ao assinarem o contrato e ao ouvirem o anúncio no carro de som ficaram cientes do cunho religioso da mesma.
REFERÊNCIAS ALMEIDA, João. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. BENJAMIN, Antonio. Manual de Direito do Consumidor. 2.tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
CONAR. Disponível em:< http://www.conar.org.br/> . Acesso em: 29.mar.2016.
LEI DE DIRETRIZES E BASES- LEI 9394/96. Disponível em:< http://www.jusbrasil.com.br/busca?q=lei+de+diretrizes+e+bases>. Acesso em: 29.mar.2016.
MARQUES, Claudia. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
SCHERKERKEWITZ, Iso. O direito de religião no Brasil. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5;htm>. Acesso em: 29.mar.2016

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