CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR COMO CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE POR FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Por YURI RIOS DE SENA SANTOS | 10/06/2015 | Direito

 
 

CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR COMO CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE POR FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO: Divergências Doutrinárias Acerca do Caso Fortuito e Força Maior como Excludentes de Responsabilidades Objetivas Pelo Fato do Produto[1]

 

 

Yuri Rios de Sena Santos [2]

Roberto Almeida [3]

 

 

Sumário: Introdução;1 Noções Gerais da Responsabilidade Civil e do CDC;1.1 Responsabilidade Subjetiva e Objetiva;2Pressupostos da Responsabilidade Objetiva Pelo Fato do Produto e do Serviço;2.1 Pressupostos da Responsabilidade Civil Pelo Fato do Produto; 2.1.1 Conduta; 2.1.2 Dano;2.1.3 Nexo Causal; 2.1.4 Defeito 3 Excludentes da Responsabilidade por Fato do Produto e  Cabimento do Caso Fortuito e Força Maior; 3.1 Caso Fortuito e Força Maior; 3.2 Caso Fortuito Interno e Externo; 3.3 Análises Jurisprudenciais ; Conclusão.

RESUMO

 

 

O objeto de estudo deste trabalho é a dimensão da responsabilidade por fato do produto e do serviço, sendo o caso fortuito e a força maior, como excludentes de tais responsabilidade pelo fornecedor. Abordar-se-á acerca da responsabilidade civil nas relações de consumo, bem como os pressuposto para haver tais responsabilidades pelo fato do produto. Além disso, procurar-se-á considerar as divergências doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do caso fortuito e da força maior como excludentes de responsabilidades, bem como a análise de jurisprudências aos casos concretos, com a finalidade de entender qual segmento interpretativo é dominante. A importância desse estudo se dá justamente em saber, naquelas situações imprevisíveis, quem vai ser o responsável pelo fato do produto e qual linha interpretativa será utilizada para chegar a tal conclusão. Para a confecção deste presente trabalho, utilizar-se-á o método dedutivo.

Palavras-chave: responsabilidade civil; código de defesa do consumidor; excludentes de responsabilidade; caso fortuito e força maior.

INTRODUÇÃO

Em março de 1991, com fins de cumprimento do art. 5º, XXXII da Constituição Federal, em que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, entrou em vigor o Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei 8.078/90, estabelecendo normas de direito com a finalidade de equilibrar a proteção e defesa do consumidor, pólo vulnerável da relação contratual. O aludido Código classifica a responsabilidade civil quanto ao vício de segurança, em sua Seção II (arts. 12 a 17, CDC) e quanto ao vício de adequação, Seção III (arts.18 a 25). O primeiro denomina-se de “Responsabilidade Civil Pelo Fato do Produto”, por sua vez, o segundo, é conhecido como “Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço”. No presente estudo, limitar-se-á apenas quanto ao primeiro, no qual os fornecedores respondem por algum acontecimento externo, causando dano material e/ou moral ao consumidor, por motivo de defeito do produto. A responsabilidade pelo fato do produto está disposta no art. 12 do CDC.

Antes da vigência do CDC, o consumidor não tinha proteção, assumindo os riscos por conta própria. Após a legislação reconhecer o nexo causal entre o fornecedor e o dano, em 1988, aConstituição Federal reconheceu a existência, em seu art. 37, §6º, a responsabilidade objetiva direta aos fornecedores pelo fato do produto.

Fazendo uma análise do artigo 12, aquele que constrói, produz, fabrica ou importar responde solidariamente a reparação do dano causado ao consumidor, independente de haver culpa, devido à dificuldade de reconhecer precisamente o responsável pelo suposto vício ou defeito. Por exemplo, na produção de um carro, a empresa que faz a montagem é diferente daquela que produz as peças, que é diferente daquela responsável pelas rodas e assim por diante. Esse dano pode se dá por defeito ou por informações insuficientes e/ou inadequadas à utilização e ao risco que o produto poderá oferecer ao consumidor. Em relação ao defeito, o Código estabelece um rol taxativo, apresentando todas as possibilidades de haver erro na produção de determinado produto.

O tema em escólio apresenta significativa importância devido as divergências interpretativas, gerando polêmica ao mundo jurídico, uma vez que o caso fortuito e a força maior não foram pacificados como causas excludentes de responsabilidades dos fornecedores. Assim sendo, vejamos o que a doutrina e a jurisprudência concluem.

1        NOÇÕES GERAIS DA RESPOSABILIDADE CIVIL E DO CDC

Quando se fala em Responsabilidade Civil, faz-se mister não observar tão somente o conceito da palavra “responsabilidade”, mas sim as condutas de seus agentes, acarretando danos, uma vez que “toda atividade que acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar”.[4] Esse dever jurídico se dá justamente pela conduta externa de alguém, imposta pelo Estado. Cavalieri entende que “toda conduta que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte de geradora de responsabilidade”. [5] Tal responsabilidade, na verdade, surge com a finalidade de estabelecer um dever em relação a um cumprimento obrigacional. Flávio Tartuce entende que:

A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. [6]

Além do conceito de Responsabilidade Civil, faz-se necessária a análise de algumas das  suas classificações, como a responsabilidade Subjetiva e Objetiva.

1.1  Responsabilidade Subjetiva e Objetiva

Com relação aos tipos de modalidade de responsabilidade, podemos citar a responsabilidade subjetiva e objetiva. A primeira está ligada à ideia de culpa, onde “ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir”. [7] Entretanto, com o tempo, passou-se a acolher uma outra modalidade de responsabilidade, mas dessa vez não haveria necessidade de existir o elemento culpa, já que situações novas surgiam, excluindo a culpabilidade como pressuposto gerador do dano. Trazendo a referida distinção para o novo Código Civil, o fornecedor responderá pela reparação dos danos, independentemente de culpa. Sendo, portanto, a responsabilidade objetiva do réu.  Para demonstrar esse último entendimento, o art. 927 do Código Civil, em sua segunda cláusula, contém a seguinte redação:

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Nesse sentido, pode-se analisar a fundamentação da responsabilidade objetiva através da teoria do risco, na qual a doutrina impõe várias modalidades, dentre elas, o risco proveito; risco profissional; risco excepcional; risco criado e o risco integral, sendo este último, o risco que vai interessar para o nosso estudo, visto que o nosso objeto é justamente caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidades. A acenada modalidade de risco justifica a responsabilidade objetiva, mesmo nos casos de inexistência do nexo causal, fazendo-se existente em caso fortuito e força maior.[8]

2        PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Antes de analisar tais pressupostos, insta frisar que a responsabilidade pelo fato do produto se diferencia da responsabilidade civil, devido a duas principais diferenças: ausência do requisito “culpa” e o acréscimo do requisito “defeito”. Com relação ao primeiro, uma vez existindo dano, será o fornecedor responsabilizado independentemente de culpa. O segundo requisito é a violação do dever de adequação. Feito tais considerações, analisar-se-á os seguintes pressupostos:

2.1    Pressupostos da Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto

Para analisar o tema em escólio, faz-se necessário estabelecer alguns pressupostos relacionados, como a conduta, o dano, o nexo causal, entre ambos, e, agregando-se aos requisitos tradicionais, o defeito.[9]

2.1.1 Conduta

Em relação à primeira, imagina-se ser uma ação cometida por alguém, no caso, do fornecedor em relação ao consumidor, sendo uma conduta legal, tipificadas pelo nosso ordenamento jurídico. Caso a mesma seja contrária à norma jurídica, tanto ao direito civil quanto ao direito penal, configurará um ato ilícito, ou seja, a omissão de um comportamento esperado pelo sujeito, de um comportamento devido. Bruno Miragem afirma que “a conduta se caracteriza pela participação do fornecedor no processo de produção e disposição deste produto ou serviço no mercado”, tornando responsável, todo agente econômico da cadeia.[10]

2.1.2 Dano

Tratando-se de dano em responsabilidade civil, pode-se considerar em uma esfera os danos materiais e morais, e noutra, os danos individuais, coletivos e difusos. O dano material, como o próprio nome sugere, é aquele dano relacionado ao patrimônio da pessoa, reduzindo-o. Sérgio Cavalieri aduz que é “o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa, apreciaveis economicamente”. [11] Em relação ao dano moral, o referido autor aduz que, hoje, tal dano não se restringe apenas à dor, tristeza e sofrimento, mas sim a todos aqueles bens considerados personalíssimos, sendo “uma agressão a um bem ou atributo da personalidade”. Aos danos individuais, caracterizam aqueles relacionados a um determinado consumidor. Diferentemente, os difusos seriam aos sujeitos indeterminados e os coletivos aos determináveis, sendo ambos indivisíveis.[12]

2.1.3 Nexo causal

Em se tratando de nexo de casualidade, há uma grande discussão doutrinária acerca de como se identificar o mesmo. Devido a essas dificuldades, foram traçadas teorias para solucionar a divergência. Sergio Cavalieri aponta duas: teoria da equivalência dos antecedentes e teoria da causalidade adequada, enquanto Bruno Miragem acrescenta mais uma, a teoria do dano direto e imediato.

Em suma, a primeira aduz que o dano só pode ocorrer se for a consequência de uma das circunstâncias anteriores. Em outras palavras, o fato tem que ser um dos elementos necessários para a concretização do dano, se não ocorrer o fato, não ocorre o dano. Para a teoria em questão, “causa é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, sem distinção da maior ou menor relevância que cada um teve”.[13] Insta frisar que a crítica feita para a mesma é que devido a inexistência entre a diferença de causa e condição em maior ou menor relevância, não há um limite para restringir as causas, não se sabe exatamente o limite de antecedentes que podem ser levados em conta. Por exemplo, em um crime com arma de fogo, a vítima seria indenizada por quem o cometeu, por quem vendeu a arma, pelos fabricantes,...

A segunda teoria, por sua vez, é a mais aceita pelo nosso ordenamento jurídico, “teoria da causalidade adequada”, onde afirma que apesar de haver vários antecedentes ao nexo de causalidade, concorrem apenas aqueles necessários e adequados. Nesse caso, há uma distinção entre causa e condição aos antecedentes que tiveram maior ou menor relevância.[14] Consequentemente, não tem uma regra para estabelecer a condição mais adequada. Venosa argumenta que “nem todos os antecedentes vão poder ser levados à conta do nexo causal, o que nem sempre satisfaz no caso concreto, cabendo ao juiz fazer um juízo de probabilidades, nem sempre com resultado satisfatório”.[15] Assim, sendo necessário a  resolução de caso em caso.

Por fim, a última teoria, bastante adotada pela doutrina brasileira é a teoria do Dano direto e imediato ou teoria da causalidade necessária, onde a mesma aduz que a causa é o requisito essencial para a imputação de responsabilidade, só havendo responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço caso houvesse defeito. [16]

2.1.4 Defeito

O defeito é o principal pressuposto para responsabilizar alguém pelo fato do produto ou serviço. O direito brasileiro traz no art. 12, §1º do CDC as hipóteses relevantes para se considerar o produto como defeituoso, dispondo que:

O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I- sua apresentação; II- o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III- época em que foi colocado em circulação.

Tais defeitos podem ser classificados em três modalidades: a) defeitos de concepção ou projeto; b) defeitos de fabricação e; c) defeitos de comercialização.

Posto as situações, bem como as classificações do defeito, faz-se necessário analisar seu conceito, sendo o defeito “toda anomalia, que, comprometendo a segurança que legitimamente se espera da fruição de produtos e serviços, termina por causar danos físicos ou patrimoniais aos consumidores do produto ou serviço (...)”.[17] Percebe-se que há uma falha ou anomalia gerando consequências prejudiciais, pois além de haver expectativa frustrada, há o risco do produto não oferecer segurança ao consumidor.

Há uma grande “confusão” quando se fala em vício e defeito. Leonardo de Medeiros Garcia defende fazer distinção entre prejuízo intrínseco e prejuízo extrínseco. O primeiro relaciona-se ao vício, busca garantir a incolumidade econômica do consumidor, ou seja, por exemplo, na compra de um carro, caso o ar condicionado não funcione, há o vício de adequação do produto. Por sua vez, em relação ao prejuízo extrínseco, a responsabilidade já não é por vício, mas sim pelo fato do produto, pois a inadequação do produto gera prejuízos além do produto, afetando a segurança do consumidor, por isso incolumidade físico-psíquica. [18]  Continuando com o exemplo do carro, caso o freio não funcione (defeito de execução), além de não corresponder às expectativas do consumidor, acarretou em danos além do produto, pondo a sua vida em risco.

3 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE POR FATO DO PRODUTO E  CABIMENTO DO CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

Nessa modalidade de responsabilidade objetiva, o nexo causal é indispensável, onde se observa a necessidade de haver a relação entre causa e efeito. Cavalieri Filho aduz que a principal causa de exclusão de responsabilidade do fornecedor, dar-se-á com a “inexistência de defeito”.[19] O aludido autor aduz que caso haja defeito, o mesmo poderá ser de concepção,de produção ou de comercialização, no qual a repercussão externa do produto ao consumidor materializam os acidentes de consumo.

Voltando-se a Responsabilidade Civil para o CDC, em seu art. 12, §3º dispõe expressamente a previsão de cabimento das excludentes de responsabilidade:

 

O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I- que não colocou o produto no mercado; II- que embora haja colocado no mercado, o defeito inexiste e; III- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Vale ressaltar que nas três situações, há a necessidade do fornecedor desconstituir o suposto nexo causal, ou seja, é dele o ônus de provar que não poderá ser responsabilizado.

Exclui-se a responsabilidade do fornecedor, quando o mesmo consegue provar tais excludentes. Levando-se esta afirmativa em consideração, o inciso I aborda uma das hipóteses, a não colocação do produto no mercado, onde o fabricante, o construtor, o produtor ou importador prova não ter colocado tal produto defeituoso no mercado. Quem responde então? O terceiro obrigatoriamente estranho à relação. Este será responsabilizado pelos danos ocorridos a determinados ou determináveis consumidores. Nesse sentido, Almeida alega que ao “terceiro estranho à obrigação de indenizar, porque a responsabilidade decorre exatamente da colocação no mercado”. [20] Os exemplos “clássicos” dessa situação são aqueles relacionados à furto ou roubo de produtos defeituosos, por exemplo, um roubo em uma fábrica de refrigerante.

A segunda hipótese excludente diz respeito á inexistência de defeito. Quando se tratou acerca dos pressupostos de responsabilidade por fato do produto, um dos requisitos essenciais foi a existência do defeito. Se não há defeito, o fornecedor não é responsabilizado, inexistindo a possibilidade do produto causar acidente de consumo, então conclui-se que “o dano poderá ter ocorrido por culpa exclusiva do consumidor”.[21]

A última situação tratada pelo CDC explana justamente a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Um exemplo clássico seria a atividade relacionada aos serviços bancários, onde o cliente de uma instituição financeira utiliza de forma indevida a sua senha do cartão magnético, afastando o nexo de causalidade entre o dano e a conduta. Vale ressaltar que o Código utiliza a expressão culpa. Para Sergio Cavalieri deveria ser fato exclusivo, uma vez que por se tratar de responsabilidade objetiva, tudo é resolvida na base do nexo de causalidade, excuindo todo modo de culpa.[22]

3.1 Caso Fortuito e Força Maior

A doutrina não pacificou ainda o Caso Fortuito e Força Maior a priori como excludentes de responsabilidade, cujas polêmicas existem por várias explicações, dentre elas, a defesa da existência dessa excludente no tema abordado e outros são mais taxativos, acreditam que não há essa possibilidade. Além disso, até hoje não se chegou a um entendimento uniforme acerca da diferença entre caso fortuito e força maior. Por isso a importância do presente estudo, uma vez que a polêmica existe, configurando objeto de várias interpretações.

 O CDC, em seu artigo 12, §3º, dispõe acerca das excludentes de ilicitude. Como o legislador foi taxativo em apresentar tais hipóteses, se estabeleceu, com relação ao caso fortuito e força maior, a seguinte questão: afinal, estas podem se enquadrar como excludentes de responsabilidade por fato do produto? Uma vez verificada a ausência por parte do legislador, tanto a doutrina como a jurisprudência se divergem a respeito do assunto. Uns interpretam de maneira literal, havendo sim a responsabilidade. Não obstante, outros fazem uma interpretação extensiva com relação ao Código Civil. Roberto Senise Lisboa aduz que devido à ausência expressa da lei, não se pode considerar como excludentes, pois “considera-se que as normas restritivas de direito somente podem ser interpretadas de forma declarativa ou estrita”.[23] Por sua vez, Batista de Almeida diz que “ambas as hipóteses (caso fortuito e força maior) possuem força liberatória e excluem a responsabilidade, porque não quebram a relação de causalidade entre defeito do produto e o dano causado ao consumidor”.[24] O aludido autor completa dizendo que não teria sentido responsabilizar o fornecedor de um eletrodoméstico, caso um raio explodisse o mesmo, gerando incêndio e danos aos moradores. Então, percebe-se que o nexo de causa entre dano e defeito do produto pode ser elidido diante de caso fortuito e de força maior.[25] Até porque caso fortuito e força maior são causas estranhas à conduta do fornecedor.[26]

Em relação ao Código Civil, o seu artigo 393, p.u., afirma que “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Apesar do CDC não ter expressado-os como excludentes, muitos utilizam a interpretação deste dispositivo para fundamentar tal existência.

Outra polêmica se dá em relação à diferença entre o caso fortuito e a força maior. O Código Civil não alega diferenças, principalmente pela existência da conjunção “ou”           (caso fortuito ou força maior). Silney Alves Tadeu defende a existência de dois grupos, um em que as teorias asseguram não haver diferença conceitual, mas sim quanto às consequências práticas, derivando distintos efeitos. Por sua vez, o outro grupo traz duas doutrinas, uma alega que caso fortuito seria a consequência de acidente naturais, enquanto  força maior  seria a consequência gerada por um terceiro. Para a outra vertente, significa o contrário, sendo caso fortuito resultado acidental e imprevisto de obstáculo e força maior, referindo-se “à natureza insuperável deste obstáculo, contra o qual não se pode triunfar”.[27] Ou seja, caso fortuito supõe a imprevisibilidade, já a força maior, a irresistibilidade do dano, tendo como elemento comum, a inevitabilidade.[28]

 Para o entendimento do presente estudo, consideramos a imprevisibilidade, como momento anterior ao lançamento do produto ao mercado e a irresistibilidade, como momento posterior.

3.2 Caso fortuito Interno e Externo;

 

 Além das diferenças comentadas, Cavalieri diferencia Caso Fortuito em fortuito interno e fortuito externo. A respeito do primeiro, entende-se como fato imprevisível, inevitável no momento da fabricação do produto ou realização do serviço, não excluindo a responsabilidade do fornecedor, uma vez que a sua atividade se liga aos riscos do empreendimento. Já o fortuito externo, fato estranho ao produto, ocorrido em momento posterior à sua fabricação, inexistindo defeito (art. 12, §3º, I, CDC), estando protegido pela excludente de responsabilidade, não guardando relação com o produto, senão haverá possibilidade de impor ao fornecedor “uma responsabilidade objetiva fundada no risco integral, da qual o Código não cogitou”.[29]

3.3 Análises Jurisprudenciais

Com relação às jurisprudências, a maioria das decisões entende que, apesar de não estar previsto expressamente no CDC, o caso fortuito e a força maior são motivos sim para excluir responsabilidade dos fornecedores. Assim sendo, a quarta turma do Tribunal Regional Federal da 5º Região (TRF5) decidiu deferir os pedidos dos apelantes no caso, uma vez que estes alegaram força maior às enchentes que inundaram a casa da apelada. Percebe-se que a parte autora ainda tenta aduzir haver Incidência do Código do Consumidor em relação à Qualidade da obra, porém, tal justificativa foi considerada “descabida” para a quarta turma:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONJUNTO HABITACIONAL. FINANCIAMENTO COM RECURSOS DO FGTS. LEGITIMIDADE DA CEF NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DEFEITOS DA OBRA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. SÚMULA 194/STJ. INUNDAÇÕES OCORRIDAS ANOS DEPOIS DA ENTREGA DO EMPREENDIMENTO. CASO FORTUÍTO E FORÇA MAIOR. VERIFICAÇÃO.

1. (...)

2. (...)

3. Jurisprudência do Órgão Julgador sedimentada no sentido de que as inundações ocorridas no conjunto habitacional Parque das Orquídeas, no município de Parnamirim/RN, em julho/2000, ocorreram por caso fortuito e força maior, causas excludentes de responsabilidade civil.

4. Pretensão à Indenizações por danos materiais e morais do Construtor, Agente Financiador e Município que se mostra descabida.

5. (...). (AC 200684000010186, Desembargadora Federal Amanda Lucena, TRF5 - Quarta Turma, DJ - Data::11/11/2008 - Página::229 - Nº::219.)

Outro caso interessante, aconteceu no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, onde considerou a existência de caso fortuito e força maior como pressupostos de excludente a responsabilidade dos fornecedores. Vale ressaltar que a análise de um perito confirmou a inexistência de um suposto defeito substancial, uma vez que após ter lançado no mercado, este não apresentava nenhum vício, nem o de informação. Com essas fundamentações, o presente tribunal deu provimento ao recurso em comento:

DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. REAÇÃO ALÉRGICA A PRODUTOS DE LIMPEZA. DERMATITE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FABRICANTE. AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DE VÍCIOS NO PRODUTO. ALERGIA A SUBSTÂNCIAS DA COMPOSIÇÃO. CASO FORTUITO.

1.A responsabilidade do fabricante por fatos do produto é objetiva, nos termos do artigo 12 do cdc, somente sendo afastada se excluído o nexo causal, o que pode ocorrer nas hipóteses do § 1º do mesmo artigo mencionado, bem como na ocorrência de caso fortuito ou força maior.12cdc

2. No caso dos autos, a responsabilidade do fabricante foi afastada tanto porque comprovada a ausência de qualquer vício quanto por conta da ocorrência de caso fortuito ou força maior (aqui usados como sinônimos), em razão da propensão alérgica da autora a substâncias da fórmula.

3. Entende-se cumprido o dever de informação quando o modo de usar o produto for informado pormenorizadamente com linguagem clara e acessível ao consumidor em geral.

4. Embargos infringentes conhecidos e providos. (19990310017406 DF , Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Data de Julgamento: 04/12/2006, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJU 20/03/2007 Pág. : 91)

Por todo o exposto, percebe-se a aceitação, por parte dos tribunais, do caso fortuito e força maior, como excludentes de responsabilidade dos fornecedores.

CONCLUSÃO

O presente trabalho abordou acerca das noções gerais de Responsabilidade Civil, sendo as relações de consumo uma de suas ramificações. Além disso, analisou os pressupostos, ou seja, os requisitos essenciais para se caracterizar responsabilidade civil por fato do produto e, por último, chegou ao objeto do presente estudo, às excludentes de responsabilidade por fato do produto. Com as definições e os conceitos abordados, foi possível observar que há uma divergência significativa a respeito de se enxergar quando é possível haver caso fortuito e força maior, se antes ou depois do produto estar no mercado, enfim. Por último, analisou-se acerca das decisões jurisprudenciais de alguns tribunais. A primeira decisão envolveu a força maior como fundamentação e a segunda, o caso fortuito.

Assim sendo, foi possível observar que não só na doutrina, como também na jurisprudência, o caso fortuito e a força maior, como excludentes de responsabilidades, não são decisões uniformes, onde cada jurista contém um tipo de interpretação. A exemplo do caso da moça que teve alergia à produtos de limpeza. Foi necessário haver duas decisões, e só no embargo de divergência é que houve a definição da decisão do Tribunal.

O “ponto” principal do presente estudo está relacionado ao momento de haver o nexo de causalidade, pois muitos o consideram como requisito principal para existir responsabilidade civil objetiva em casos fortuito ou força maior.

Sendo ações imprevisíveis, os autores desse estudo seguem a mesma linha de raciocínio de Cavalieri, em que sendo tanto o caso fortuito como a força maior ações inevitáveis, devido a imprevisibilidade, obstam que se conclua pela existência de nexo causal. Se não há nexo causal, não há que se falar em responsabilidade civil quando se tratar de caso fortuito o força maior.

Diante do exposto, conclui-se que, na relação jurídica não pode haver responsabilidade tão somente de uma das partes em caso fortuito ou força maior. Sendo algo imprevisível, as duas partes, tanto o fornecedor como o consumidor poderiam ser responsabilizados. Como? Imaginemos que um consumidor acaba de adquirir determinado produto. Entretanto, por motivo de caso fortuito, teve a sua mercadoria roubada. Assim sendo, apenas este não poderia ser responsabilizado. A tese que defendemos com a concretização do prejuízo, sendo o consumidor a parte vulnerável da relação, é a possibilidade dele adquirir o mesmo produto, igual ao que foi roubado, tendo seu valor abaixo do preço de mercado. Como é algo imprevisível e inevitável, não se pode querer deixar uma das partes com a responsabilidade, sendo que as duas participaram da relação jurídica, as duas estão passíveis de sofrer com fenômenos imprevisíveis, então por que não não responder, ambas, solidariamente? Então, sem nexo causal para determinar a responsabilidade, faz-se necessário a existência da responsabilidade solidária.

REFERÊNCIAS

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_______. TJDFT. [...]. Embargos Infrigentes na Apelação Cível nº 1999.03.1.001740-6, AMWAY DO BRASIL LTDA e CÉLIA MARIA ALMEIDA FERREIRA. Relator: DESEMBARGADORA NÍDIA CORRÊA LIMA. Distrito Federal, julgado em 04 de dezembro de 2006. Disponível em: <http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?NXTPGM=plhtml06&ORIGEM=INTER&CDNUPROC=19990310017406EIC>. Acesso em: 10 maio. 2013.

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TARTUCE, Flávio. Direito Civil, vol. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. – 6ª ed. – Rio de Janeiro: Forense – São Paulo: Método, 2011.



[1] Paper apresentado à disciplina Direito do Consumidor, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunos do 6º Período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor, orientador.

[4] VENOSA. Direito Civil: Responsabilidade Civil. – 7ª ed. – 2. Reimpr. –São Paulo: Atlas, 2007, pg. 1.

[5] FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, pg.2.

[6] TARTUCE, Flávio. Direito Civil, vol. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. – 6ª ed. – Rio de Janeiro: Forense – São Paulo: Método, 2011, pg. 315.

[7] FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, pg. 17.

[8] FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, pg 155.

[9]  MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 3ed. São Paulo: RT, 2012, pg. 435.

[10] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 3ed. São Paulo: RT, 2012, pg. 423.

[11] FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, pg. 78.

[12] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 3ed. São Paulo: RT, 2012, pg. 449.

[13]  FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, pg. 78.

[14]  FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, pg. 51.

[15] VENOSA. Direito Civil: Responsabilidade Civil. – 7ª ed. – 2. Reimpr. –São Paulo: Atlas, 2007, pg. 46.

[16] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 3ed. São Paulo: RT, 2012, pg. 445.

[17] ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 6ª ed.São Paulo: Saraiva, 2008, pg. 95.

[18] GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor:  Código Comentado, Jurisprudência, Dotrina, Questões, Decreto nº 2.181/97.-6ª ed. rev., ampl. e atual. pelas Leis nos 11.989/2009 e 12.039/2009. – Niterói: Impetus, 2010, pg. 114.

[19] FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, pg. 198.

[20] ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 6ª ed.São Paulo: Saraiva, 2008, pg.92.

[21] GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor:  Código Comentado, Jurisprudência, Dotrina, Questões, Decreto nº 2.181/97.-6ª ed. rev., ampl. e atual. pelas Leis nos 11.989/2009 e 12.039/2009. – Niterói: Impetus, 2010, pg. 120-121.

[22] FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, pg. 530.

[23] LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006. Pg. 315.

[24] ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 6ª ed.São Paulo: Saraiva, 2008, pg.93.

[25] MAIA, Alneir Fernando Santos. A inclusão do caso fortuito e da força maior como excludentes de responsabilidade civil nas relações de consumo, pg. 405.

[26] FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, pg. 72.

[27] TADEU, Silney Alves. Responsabilidade Civil: Nexo Causal, Causas de Exoneração, Culpa da Vítima, Força Maior e Concorrência de Culpas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 64, p. Outubro-Dezembro, p. 134-165, 2007, p. 156.

[28] FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 72.

[29] FILHO. Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil-10ª ed., rev. e ampl.- São Paulo: Editora Atlas, 2012, pg. 533-534.

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