Caso de crime culposo

Por Edson Terto da Silva | 29/12/2010 | Crônicas

Edson Silva

Na penumbra, o futuro criminoso acidental entra no recinto e despe-se tranquilamente. Será que ele não é tão acidental assim e, como em filme de cinema, trata-se de psicopata se preparando para eliminar a vítima sem deixar pistas nas roupas? Nu, ele senta-se e estranha o leve barulho que se amplifica com a madrugada silenciosa. Ouvidos atentos tentam identificar o ruído. Parece ser uma lâmpada batendo na parede... Seria o vento balançando a luminária externa?

Tranqüilo, o futuro matador tenta pensar outras coisas, no dia a enfrentar e mal percebe os primeiros raios de sol a clareando a manhã. De repente, algo lhe atinge as costas. A reação, embora silenciosa, é de puro reflexo com mãos ágeis afastando a possível ameaça. Algo desconhecido cai aos pés do homem, que observa e faz expressão de alivio ao ver que não se tratava de nada perigoso, como escorpião ou aranha venenosos. Era só uma mariposa. Aliás, pelo tamanho, ainda filhote. Isto explica as batidas na lâmpada.

Deixar o inseto no chão ia selar sua sentença de morte, já que o lugar seria alagado em poucos segundos. Ao ver que o mesmo continuava tentando voltar ao foco de luz, o homem decide apagá-lo e acender a luz de outro cômodo para que o inseto se retirasse e continuasse salvo. Da intenção para a ação muita coisa pode acontecer, mesmo em fração de segundos. Luz apagada e, ao primeiro passo para ir acender a outra lâmpada, ouve-se um estalo. O homem nada sentiu, mas pressentiu que pode ter pisado no inseto que tentava salvar.

Ao voltar acender a luz, ele depara-se já com o corpo da vítima aos seus pés e fica com a sensação de impotência diante da morte, sentimento que iguala quase todos os seres vivos, já que em relação a algumas plantas não é raro vê-las secas e teimosamente voltarem a brotar. O corpo é deixado no local, o homem volta aos seus afazeres, deixa a casa e só volta à noite na esperança que o inseto nem esteja mais lá, que tenha recobrado os sentidos e a suposta morte não ter passado de desmaio.

Ilusão pura. O inseto continua lá e agora acompanhado de inúmeras formigas que iniciam sórdida partilha pela sobrevivência. Ainda movido pelo remorso, o homem pega um pedaço de papel, recolhe o corpo e o deposita na lata de lixo, destino não tão nobre, mas que lhe pareceu melhor que ficar no chão sendo devorado por formigas. Naquele momento, ainda cheio de culpa, o criminoso acidental parece finalmente ter tirado a dúvida sobre porque chamam crimes culposos os casos acidentais e dolosos os intencionais. "Se quisesse matá-la não estaria me sentindo assim...", pensava o homem.

Edson Silva, 48 anos, jornalista da Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Sumaré

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