CASE PROCESSO PENAL - TEORIA DOS FRUTOS ENVENENADOS

Por Breno Raveli Gomes de Souza | 13/06/2017 | Direito

CASE PROCESSO PENAL II[1]

Breno Ravelli Gomes de Souza[2]

José Cláudio A. L. Cabral[3]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Sabe-se que os usos de provas ilícitas são inadmissíveis no nosso ordenamento jurídico, como explicita a nossa Constituição Federal em seu artigo 5 inciso LVI. E é absoluta o entendimento do STF de não admitir tais provas, quando aceita, somente para inocentar e não para condenar.

Tendo em vista tal explicação, o caso trata-se de um marido que contrata um detetive particular, para descobrir se sua mulher estaria lhe traindo. Ocorre que o detetive se utiliza de um grampo ilegal no celular da mulher, e descobre que a mesma além de estar traindo o marido, também coloca medicamento pesado (lexotan) para as filhas, para que ela pudesse divertir-se com seu amante mais tranquilamente, sendo tal fato ocorrido com certa frequência e sem nenhum sinal de remorso da mulher.

Pois bem o marido indignado apresenta tais provas ao ministério público, e denuncia a mulher, utilizando-se do argumento do artigo 227 da CF que relata sobre a responsabilidade da família a proteção da criança e adolescente.

A mulher em contrapartida argumenta que as fitas gravadas pelo marido não poderiam ser utilizadas como provas, por terem sido obtidas de forma ilegal, violando inclusive o artigo 5 inciso XII. Além de considera-se crime pela lei 9.296/96 em seu artigo 10.

Tendo assim o caso explicitados, temos o problema da colisão de princípios entre o direito à liberdade e privacidade e a proteção da família e da criança e adolescente, qual deve prevalecer?

2 INDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Descrições das Decisões Possíveis

  • O direito à liberdade e a privacidade deve prevalecer, e as provas utilizadas pelo marido são consideradas ilegal, não podendo ser usadas contra a mulher.
  • A proteção da família, da criança e adolescente deve ser observada, cabendo então utilizar as provas produzidas pelo marido contra a mulher, para que a mesma seja denunciada.

2.2 Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão

  • A constituição pátria atual, resultante de um processo de redemocratização do país, trouxe consigo um princípio garantidor da privacidade da vida privada, previsto no inciso X do artigo 5º. Nosso ordenamento jurídico então colocou uma certa autonomia no direito a privacidade da vida privada, sendo regido inclusive pelo código civil brasileiro (vide artigo 21), e colocou uma certa horizontalização com os direitos humanos internacionais, elevando assim tal direito à um direito fundamental. O que para Cristina de Mello Ramos deve ser observado a proteção a este direito pelo Estado e por particulares.

Somente com o advento da Constituição de 1988 passou a existir expressa referência à intimidade e à vida privada. E esta proteção constitucional deve ser observada face ao Estado, e igualmente aos demais particulares, isto é, tanto o Estado como os particulares devem observância ao mencionado dispositivo, sob pena de responsabilização por sua violação.(RAMOS, C. M. p[2] )

Além da garantia fundamental do direito fundamental, há uma violação direta de tal direito no uso de provas obtidas por meios ilegais, já que sabemos que as comunicações telefônicas são invioláveis, como expressa o inciso XII do artigo 5º  da Constituição Federal, em consonância com o inciso LVI, e o artigo 157 do Código de Processo Penal ““são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais e legais.”.  Assim sendo considerada a prova apresentada pelo marido uma prova ilícita, já que segundo Denilson Feitosa Pacheco (2005, p. 812) esclarece a questão (apud, Luiz Flávio Gomes), distinguindo a prova ilícita de ilegítima nos seguintes termos:

(...) prova ilícita é a que viola regra de direito material, constitucional ou legal, no momento de sua obtenção (confissão mediante tortura, v.g.). Essa obtenção, de qualquer modo, sempre se dá fora do processo (é, portanto, sempre extraprocessual). Prova ilegítima é a que viola regra de direito processual no momento de sua obtenção em juízo (ou seja: no momento em que é produzida no processo).

De acordo com a teoria dos frutos envenenados, no qual as provas oriundas de uma prova ilícita originária, seriam consideradas ilícitas por sua vez, tendo-se que ser desentranhadas do processo. O entendimento jurisprudencial do nosso país, entende que não se pode utilizar provas ilícitas no processo.

Em relação ao art. 157, §1º do CPP, o STF primeiro havia optado pela incomunicabilidade da ilicitude das provas, sendo que o vício de uma prova ilícita não contaminaria as outras derivadas. Só a ilicitude da prova inicial não teria o condão de contaminar todas as outras provas dela provenientes. No entanto, esse entendimento foi alterado, sendo que se adota a doutrina dos frutos da árvore envenenada, ditando que a prova ilícita contamina as outras provas dela originadas. A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos ‘frutos da árvore envenenada’) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham -se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando -os, por efeito de repercussão causal.(SILVA, E. Cardoso p[06], 2013)

Outro ponto importante a ser levantado, é a possibilidade do uso de provas ilícitas somente pro reo, no qual só seria aceita o uso de uma prova adquirida de forma ilícita para inocentar o réu, não cabendo o mesmo usa em prosocietate como explica Jardeson Lourenço Muniz:

Com base na possibilidade da consideração de prova ilícita no processo penal em benefício do réu, entendemos que em detrimento de nossa ordem constitucional seria impossível a consideração de prova ilícita no âmbito processual penal na espécie prosocietate, tendo em vista que se estaria pondo em risco toda a estrutura de nosso ordenamento jurídico. Tal afirmação se faz oportuna pelo fato de tal espécie de prova ter um interesse eminentemente social, sem observar as garantias individuais da pessoa, como a liberdade, a qual deverá prevalecer em face de uma situação onde, por exemplo, haja uma prova obtida por meios ilícitos que incrimine uma determinada pessoa. Neste ponto, a referida prova não há de ser considerada como fator incriminatório, pois devido à grandeza do Estado, este tem a obrigação de buscar outros meios (lícitos) para poder alcançar seu objetivo, contudo, sem fragilizar o Estado Democrático de Direito. (MUNIZ, J. Lourenço. 2013)

Concluindo-se assim, que seria totalmente incabível a denúncia realizada pelo marido da mulher, embasado nas provas colhidas de forma ilegal pelo mesmo, cabendo assim então o magistrado recusar qualquer denúncia realizada pelo ministério público, sobre o assunto.

  • Apesar de estar expresso em nosso texto constitucional a vedação do uso de provas ilícitas, este é um tema bastante discutido, já que é necessário fazer uma análise do caso concreto para retirar alguma conclusão. Por este inciso LVI do artigo 5º  da constituição federal não ser aplicado de imediato a todos os casos, podemos levar em consideração que este se trata de um princípio e não de uma regra, na definição de Alexy, citado pelo professor Virgilio Afonso da Silva (2002, p.26):

Alexy divide as normas jurídicas em duas categorias, as regras e os princípios. Essa divisão não se baseia em critérios como generalidade e especialidade da norma, mas em sua estrutura e forma de aplicação. Regras expressam deveres definitivos e são aplicadas por meio de subsunção. Princípios expressam deveres prima facie, cujo conteúdo definitivo somente é fixado após sopesamento com princípios colidentes. Princípios são, portanto, “normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas”; são, por conseguinte, mandamentos de otimização. (ALEXY, R. 1995 p.184)

Devendo-se assim sopesar no caso concreto a aplicação de tal princípio, buscando sempre o menos gravoso para o bem comum. No caso em tela podemos conflitar os princípios de liberdade individual e direito à privacidade com a segurança familiar da criança e do adolescente. Aplicando-se assim o princípio da proporcionalidade, buscando a decisão mais justa.

Nesse limbo de sopesamento de princípios, surgirá a necessidade de aplicação do princípio da proporcionalidade, o qual deverá ser utilizado como forma de equilíbrio entre valores contrastantes, de forma que melhor se adeque ao que se acredita como justo, mas sempre de forma a garantir a segurança jurídica que prima o Estado Democrático de Direito. (MUNIZ, J. Lourenço 2013)

Ainda no mesmo entendimento do princípio da proporcionalidade o doutrinador Adalberto José Aranha (1999) defende a seguinte tese:

Por ela, de maneira excepcional e em casos de extrema gravidade, pode-se usar a prova ilícita, tomando-se por base e sopesando-se os valores em contradição e em debate. Tal teoria afirma que a admissão da prova obtida mediante um meio ilícito é em princípio meramente relativa, que pode ser violado desde que esteja em jogo e em posição contrária outro princípio ao qual se atribui igual ou maior valor.

Tendo em vista que a segurança familiar da criança e do adolescente possui um valor maior ao direito à privacidade, podemos concluir através desta tese que a prova poderia ser usada sim contra a esposa, na denúncialevantada pelo marido.Através do embasamento do princípio da proporcionalidade que advém do direito alemão, no qual as jurisprudências admitem exceções aos textos legais constitucionais, desde que se adeque a melhor situação fática, para garantir a segurança jurídica.

Fato este que pode ser exposto em um julgado do STJ (HC 23.891/PA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/09/2003, DJ 28/10/2003, p. 308):

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXTORÇÃO. BANDO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA.

 

I – O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, hipóteses não ocorrentes na espécie.

 

II – Considerando que existem outros elementos probatórios que justificam a proposição da ação penal, principalmente a prova testemunhal e, também, a gravação de conversa telefônica realizada pela própria vítima, não há que se perquirir acerca do trancamento da ação penal, apenas e tão somente, porque os elementos probatórios atinentes à interceptação telefônica incorrem em eventual ilicitude.

 

III – A gravação de conversações através do telefone da vítima, com o seu conhecimento, nas quais restam evidentes extorsões cometidas pelos réus, exclui suposta ilicitude dessa prova (precedentes do Excelso Pretório). Ordem denegada. (HC 23.891/PA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/09/2003, DJ 28/10/2003, p. 308).

Mostrando assim a não aplicação absoluta do uso de provas ilícitas, cabendo assim sempre o uso do princípio da proporcionalidade para alcançar a justiça e a segurança jurídica.

3 DESCRIÇÕES DOS CRITÉRIOS E VALORES

  • Teoria dos Frutos Envenenados: A teoria dos frutos envenenados, dispõe que as provas oriundas de uma prova original ilícitas, virão a ser consideradas ilícitas também
  • Princípio da Proporcionalidade:Requisito principal a ser observado, segundo a doutrina, para o uso de provas ilícitas no processo penal, jurisprundêncialmente aceito, dependendo do caso concreto
  • Proporcionalidade Pro Reo:O uso de provas ilícitas, aceito somente para favorecer o réu, não possibilitando seu uso ao contrário.

 

REFERÊNCIAS

ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

HILLER, Neiva Marcelle; CHEROBIN, Rafael Caetano; SILVA, Pollyanna Mariana. A (in)admissibilidade das provas derivadas das ilícitas no processo criminal brasileiro.Disponivel em: . Visto em: 05/10/2015

KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Do Direito à Intimidade como Esfera de Liberdade do Indivíduo.Disponível em: . Visto em: 05/10/2015

MUNIZ, Janderson Lourenço. A influência excepcional do princípio da proporcionalidade na Consideração de prova ilícita no âmbito do Direito Processual Penal. Disponível em: . Visto em: 05/10/201

PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005.

RAMOS, Cristina de Mello. O direito Fundamental à Intimidade e à Vida Privada.Disponível em: . Visto em: 06/10/2015

SILVA, Ester Cardoso. Da Prova: Jurisprudência do STF e STJ em relação às provas Ilícitas. Disponível em: . Visto em: 06/10/2015

SILVA, Virgílio Afonso. “O proporcional e o razoável”. Revista dos Tribunais, 798 (2002). p. 23-50.

 

[1] Case apresentado a disciplina de Processo Penal II da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2] Aluno do 7º Período Noturno

[3] Professor, Mestre Orientador

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