CASA DE DETENÇÃO DE PEDRINHAS/MA SOB O OLHAR DA LEP

Por Luana Leticia Gomes de Moraes | 04/12/2017 | Direito

UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO

CURSO DE DIREITO

 

CAMILLA GUERREIRO

JESSICA LOPES

LARISSA GUARÁ

LUANA MATOS

LUANA MORAES

NATHÁLIA MATOS

 

SEMINÁRIO DE EXECUÇÕES PENAIS

 

CASA DE DETENÇÃO DE PEDRINHAS - CADET

 

São Luís

2010

 

CAMILLA GUERREIRO

JESSICA LOPES

LARISSA GUARÁ

LUANA MATOS

LUANA MORAES

NATHÁLIA MATOS

 

 

SEMINÁRIO DE EXECUÇÕES PENAIS

 

CASA DE DETENÇÃO DE PEDRINHAS - CADET

 

 

 

 

Seminário apresentado à disciplina de Execuções Penais, ministrada pela professora Thayara Castelo Branco, do 8º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, para obtenção de nota.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

São Luís

2010

 

 

"O saber a gente aprende com os mestres e com os livros. A sabedoria, se aprende é com a vida e os humildes."

Cora Coralina

 

 

SUMÁRIO

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

  1. EMBASAMENTO TEÓRICO

 

  1. PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO PENAL

 

2.2 ESTABELECIMENTOS PENAIS

 

  1. CASA DE DETENÇÃO

 

  1. HISTÓRICO E AS CONDIÇÕES ATUAIS DA CASA DE DETENÇÃO DE PEDRINHAS – MA.

 

  1. CASA DE DETENAÇÃO DE PEDRINHAS – MA: UMA ANÁLISE ACERCA DA COMPARAÇÃO ENTRE A REALIADADE E A LEGALIDADE.

 

  1. CONCLUSÃO

 

  REFERÊNCIAS

 

  ANEXOS

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente artigo tem como finalidade avaliar a Casa de Detenção – CADET, e suas instalações, fazer um paralelo entre a Lei e realidade, examinar o motivo da criação da Casa e obter uma visão diferenciada do Sistema Prisional através da ótica de profissionais renomados do Direito e dos próprios presos.

A CADET fica localizada na BR 135, entre o Km 13 e 14, no bairro de Pedrinhas ainda em São Luís. Podemos perceber que a população ao redor da Penitenciária é de classe média a baixa, muitos dos quais são parentes dos presos que vieram do interior para ficar mais próximo dos seus entes queridos. No decorrer da composição do trabalho, nos deparamos com questões polêmicas como o punitivismo exacerbado dos juízes influenciados pelo senso comum, o problema gravíssimo de desrespeito aos direitos fundamentais dos presos e de como o Direito Penal tem exercido a sua função “não declarada” ao invés de recorrer aos garantismos Constitucionais.

Em visita feita à CADET, pudemos vivenciar a experiência dos condenados ao entrevistá-los e conhecer um pouco de sua realidade, como se dão as condições de higiene, de saúde, alimentação e se, de fato, todos os assistencialismos elencados na Lei de Execução Penal são garantidos. Ainda buscando entender melhor as incógnitas que circundam a vida destes detentos, buscamos o entendimento de renomados profissionais do Direito que lidam diariamente com o Sistema Prisional Maranhense, como o Juiz da 5ª Vara de Execuções Penais, Dr. Douglas, e os Promotores de Justiça Cláudio Cabral e Cláudio Guimarães, que contribuíram ricamente para a construção deste artigo.

A CADET inicialmente foi construída como um dos anexos de Pedrinhas para abrigar presos provisórios, porém em 2003 tornou-se uma Unidade independente e desde então destina-se a presos condenados de regime fechado, teoricamente. Cerca 40 presos possuem trabalho interno na CADET, que vão desde limpeza e conservação aos que possuem afazeres no cartório, e aos que trabalham, inclusive dentro do escritório do Diretor.

O Diretor da Casa de Detenção nos conta que costuma compará-la a uma “mini cidade”, na qual ocorre todo tipo de situação: roubo, estupro, furto, tortura e até morte. E que entre os presos não existe um crime que prevaleça, em meio a eles estão os que furtaram, traficaram, estupraram, todos misturados. E que o índice de reincidência é altíssimo, em torno de 70% a 80%.

Bem como todo o nosso Sistema Penitenciário, a CADET é uma instituição que apresenta muitos aspectos que precisam de melhorias urgentes e, no decorrer do trabalho, iremos comparar todas as infrações da lei cometidas pelo sistema fazendo uma comparação direta com Lei de Execuções Penais e a Constituição e apresentar uma solução para este Sistema que, por alguns, já é denominado de “falido”.

 

2. EMBASAMENTO TEÓRICO

 

A Execução Penal funda-se num agrupamento de princípios e normas que regulam o cumprimento das penas e das medidas de segurança. Ele regula também as relações entre o condenado e o Estado, sendo voltado às medidas assistenciais e de reabilitação.[1]

Nesta parte do trabalho iremos falar um pouco sobre alguns dos princípios que regem a execução penal e dar uma rápida pincelada sobre os estabelecimentos prisionais existentes no Brasil.

 

2.1 Princípios da Execução Penal

 

Discorreremos aqui brevemente a cerca dos princípios que regulam o sistema penitenciário e a execução penal.

O primeiro deles que podemos citar aqui é o Princípio da Humanidade das Penas, que nos fala que uma pessoa que foi condenada apesar de ter tido alguns de seus direitos tolhidos não deixou de ser um ser humano e sempre irá levar consigo um direito congênito que é o da sua dignidade.

Não se deve gerar um sofrimento desnecessário ao preso. E isso está bem claro na nossa Constituição Federal em seu art. 5º, XLVII, que diz que não poderá haver nenhuma pena de morte, salvo em caso de guerra declarada; penas cruéis; os condenados não poderão ser obrigados a trabalhar; não haverá prisão perpétua, assim como também não deverá haver banimento. E o inciso XLIX assegura aos presos a integridade física e moral. Aqui cabe inclusive falar de um outro princípio que está presente em nosso ordenamento jurídico, no qual a pena deve ser proporcional ao delito cometido pelo condenado de acordo com o princípio da Proporcionalidade das Penas.

Outro princípio a ser citado aqui é o da Personalidade da Pena também chamado de Princípio da Intranscendência da Pena, que fala que a pena deve ser destinada a quem de fato cometeu o crime, ela não pode passar da pessoa do condenado. Contudo a obrigação de reparar os danos, caso o condenado venha a falecer, pode ser estendida aos sucessores até o limite do valor do patrimônio transferido.[2]

Temos em seguida o princípio da Legalidade das Penas, este princípio está ligado aos limites que serão dados no momento da aplicação da pena no que se refere à qualidade e quantidade de pena a ser imposta ao condenado. Da mesma maneira que a pessoa tem o direito de saber quais os crimes que a ele estão sendo imputados, tem também o direito de saber qual a sanção que lhe será atribuída e a mesma deve ser aplicada nos limites impostos pela lei. Constituição Federal de 88, art. 5º, XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

A Individualização da Pena é outro princípio que deve ser respeitado à risca, não se pode aplicar uma mesma pena ou uma mesma quantidade de sanções à várias pessoas. Devem-se observar as particularidades de cada um e somente após isso aplicar a pena cabível.  Ainda assim, a pena deve ser cumprida em estabelecimentos distintos e de acordo com a natureza do delito cometido, idade e sexo do apenado.

Temos também a Inderrogabilidade da Pena, verificado pelo juiz que o crime realmente existiu, este não poderá deixar de aplicar a pena, salvo nos casos em que haja uma expressa autorização legal, no caso o perdão judicial.

O Princípio da Coisa Julgada ou Vedação do Excesso de Execução, este princípio vem nos dizer que a execução deve ser exatamente com está prevista no título executivo, seja em relação à quantidade, ao regime, aos benefícios ou à espécie de sanção penal. Não pode ser mais e nem pode ser menos que aquilo que está no título.

 

2.2 Estabelecimentos Penais

São locais utilizados pelo Estado com a finalidade de alojar pessoas presas, quer provisórios, quer condenados. E também existem estabelecimentos que servem para internar aqueles que estão em cumprimento de medida de segurança.

São estabelecimentos penais:

  • Estabelecimentos para idosos: São estabelecimentos próprios, seções ou módulos autônomos, incorporados ou anexos a estabelecimentos para adultos, que têm por objetivos alojar condenados ou provisórios que possuam no mínimo 60 anos de idade ao ingressarem ou que completem essa idade no curso do cumprimento da sua sentença.
  • Cadeias públicas: São estabelecimentos de segurança máxima que visa acolher pessoas presas provisoriamente pelo Estado.
  • Penitenciárias: Locais destinados ao alojamento de condenados a pena privativa de liberdade em regime fechado.
  • Penitenciárias de segurança máxima: estabelecimentos penais que possuem apenas celas individuais, este é direcionado a abrigar presos com condenação em regime fechado.
  • Penitenciárias de segurança média ou máxima: prisões que têm por objetivo alojar condenados em regime fechado, possuem celas individuais e coletivas.
  • Colônias agrícolas, industriais ou similares: locais destinados a abrigar condenados em cumprimento do regime semi-aberto.
  • Casas do albergado: Estes locais são destinados a condenados em regime aberto ou a quem tem a sua pena limitada aos fins de semana.
  • Centros de observação criminológica: locais onde são realizados os exames gerais e criminológicos, são locais de segurança máxima e regime fechado. Estes exames serão encaminhados a Comissão Técnica de Classificação, as quais direcionarão o preso ao estabelecimento adequado e dirá também qual o tratamento que o mesmo deverá receber.
  • Hospitais de custódias e Tratamento Psiquiátrico: estabelecimento destinado ao tratamento de pessoas condenadas ao cumprimento de medida de segurança que possuem algum tipo de transtorno mental.

2.3 Casa de Detenção

Pelo que pudemos observar e pelo que o Diretor Administrativo do presídio nos falou em entrevista, a casa de detenção do estado do Maranhão, a CADET, é um local que a princípio foi elaborado para abrigar presos provisórios e que hoje, na verdade, acabou por ser utilizada para alojar, também, os presos sentenciados de regime fechado. Portanto lá existe tanto presos provisórios, como sentenciados.

Pudemos também constatar que lá é um local em que, ironicamente falando, serve como depósito de seres humanos, pois, isto também de acordo com o que o diretor nos disse, quando nas outras penitenciárias não há mais espaço para abrigar presos, eles, o Executivo e o Judiciário, os mandam pra lá. Nas palavras de Wacquant, os estabelecimentos prisionais estão em uma situação tão precária “que se parecem mais com campos de concentração para pobres, ou com empresas públicas de depósito industrial dos dejetos sociais, do que com instituições judiciárias servindo para alguma função penalógica”[3].

A CADET é um estabelecimento prisional que tem uma capacidade para abrigar 400 (quatrocentos) presos e na verdade hoje possui 668 (seiscentos e sessenta e oito). Ou seja, os problemas que lá existem são os mesmos de outro local do sistema prisional, o que muda é apenas o endereço.

 

3. HISTÓRICO E AS CONDIÇÕES ATUAIS DA CASA DE DETENÇÃO DE PEDRINHAS – MA.

 

O que hoje se transformou em Complexo Penitenciário de Pedrinhas surgiu em 1965, durante o governo Newton de Barros Belo, como Penitenciária Agrícola de Pedrinhas, com capacidade para alojar 120 presos. Com o aumento do número de presos, tornou-se de fulcral importância a ampliação e a construção de novos estabelecimentos, formando o mencionado Complexo[4]. A Casa de Detenção (CADET) era incorporada à penitenciária, porém no ano de 2003 tornou-se independente.

A CADET, que é o nosso objeto de estudo, foi construída com capacidade para abrigar 400 presos, porém atualmente conta com um número de 668 presos, o que, segundo o Sr. Márcio Wendell Ávila dos Reis, diretor administrativo da CADET, é uma situação fácil de ser controlada, visto que o referido estabelecimento já chegou a comportar cerca de 1000 detentos. Ele também ressalta que, após o desmembramento da casa de detenção (quando se tornou independente), não houveram mais rebeliões, devido ao que eles chamam de SIA (Serviço de Inteligência), que é formado pelos próprios presos, de confiança do diretor, que informam a ele possíveis rebeliões, com o fim de reprimi-las a tempo.

Conforme mapa em anexo, a Casa de Detenção é dividida em 02 (dois) pavilhões (PD1 e PD2), cada um composto por 05 (cinco) blocos, cada bloco contendo 10 (dez) celas, totalizando 100 celas. O Diretor administrativo supracitado nos informou que cada cela tem o tamanho de 3m², feitas para abrigar no máximo 04 (quatro) presos, porém, devido à superlotação, existem algumas celas que abrigam 13 (treze) detentos. Entretanto, um dos detentos afirmou que já houve cela que chegou a abrigar 17 (dezessete) presos. Perguntado sobre como é feita a distribuição dos presos nas celas, o referido diretor respondeu que depende da situação, podendo ser por tipo de crime ou, se o preso tiver algum inimigo no bloco ou cela, é transferido para outra cela.

Sobre a organização dos blocos, nos foi informado que os presos são divididos nesses blocos de acordo com o crime que cometeram ou com o comportamento de cada um dentro do estabelecimento. Como exemplo, o diretor nos informou que existe um bloco destinado aos presos que trabalham, estes tendo que ficar separados por serem vistos pelos outros presos como delatores, ou seja, que trabalham para o sistema. Há o bloco destinado aos que praticaram crimes contra a liberdade sexual, chamados pelos próprios detentos como os que praticaram o “duzentão”, se referindo aos arts. 213 e seguintes do Código Penal. E há também o bloco dos super perigosos. Nosso grupo não teve acesso a esse bloco devido ao fato de um preso, chamado de “Da Foice” (apelido dado pelos outros detentos, por este ter cometido o crime de homicídio contra sua própria mãe, com o uso de uma foice), e este se encontrava fora de sua cela, solto no bloco. Os próprios presos dos outros blocos por onde passávamos avisavam ao diretor, que nos acompanhava durante toda a visita, e também outro agente, ambos armados, que o Sr. “Da Foice” estava solto, pois este, além de ser portador de doença mental (caso em que deveria estar preso sob medida de segurança, mas devido à falha do sistema prisional isso não é possível), não pode entrar em contato com pessoas externas ao presídio, por possuir comportamentos inadequados, principalmente na presença de mulheres.

Conforme nos esclareceu o Dr. Douglas de Melo Martins, juiz da 2ª Vara de Execuções Penais – VEC, a Casa de Detenção teoricamente deveria abrigar presos provisórios. Por outro lado, o diretor administrativo da CADET nos afirmou que lá é um estabelecimento que inicialmente deveria abrigar somente presos sentenciados no regime fechado. O que acontece de fato é que “lá tem presos provisórios, mas também tem presos sentenciados, e tem gente que deveria estar cumprindo medida de segurança, ta uma bagunça”, afirma o Dr. Douglas.

Conforme os dados que constam em anexo, dos 668 (seiscentos e sessenta e oito) presos, 517 (quinhentos e dezessete) presos são provisórios e 151 (cento e cinqüenta e um) são sentenciados. Porém, esse grande número de presos provisórios se dá pelo fato de que eles também consideram provisórios os que em cujo processo já foi proferida a sentença penal condenatória, mas as cartas de guia, que torna o preso definitivo e o encaminha para um determinado estabelecimento, não foram expedidas.

Perguntamos ao diretor do presídio qual era o critério para o preso provisório ir para a CADET e não para os outros estabelecimentos destinados a presos provisórios, já que ele havia dito anteriormente que lá na CADET só deveriam ter presos sentenciados. Ele respondeu que a falta de espaço nos estabelecimentos prisionais ocasionou a criação desses novos estabelecimentos, porém a cada dia que passa o número de presos aumenta, e não havendo espaço no estabelecimento que deveria abrigar o preso, eles mandam “pra onde cabe”.

Tanto o diretor como alguns presos citaram que o grande número de presos existente no sistema prisional maranhense e a tal “bagunça” dos estabelecimentos penais são culpa do Poder Judiciário, pois os presos são, individualmente, responsabilidade do juiz. O discurso que se ouviu lá sobre isso é que existem muitos presos, tanto lá na CADET como nos outros estabelecimentos, que já cumpriram suas penas e ainda permanecem presos, e muitos outros acabam morrendo na prisão, e os entrevistados ressaltam que a justificativa que dão para eles é que não existe um número de funcionários satisfatório para conceder os benefícios para cada caso concreto. O que acaba acontecendo, conforme nos foi dito, é que, já que a Vara de Execuções Penais seria a responsável para realizar a progressão e não fazem em tempo digno, acaba-se delegando essa função a alguns agentes penitenciários formados em direito, que geralmente atuam na assistência jurídica. O diretor citou que muito juiz não sabe nem onde o preso está, quanto mais sabe se este já cumpriu sua pena. Conclui que isso ajuda a aumentar o número de presos e diminuir o número de agentes responsáveis pela vigilância dos presos. Ainda sobre esse assunto, o diretor destacou que  o fato citado de já haver tido quase 1000 (mil) presos na CADET só restou acentuado por conta do último Mutirão Carcerário realizado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), juntamente com o Tribunal de Justiça do estado.

Quanto ao direito ao banho de sol, o diretor nos informou que este é diário. Porém, não é possível que seja no mesmo horário para todos os presos, porque, fora o fato de a CADET só contar com o plantão de 07 (sete) agentes penitenciários por dia, o que torna bastante difícil o controle da demanda, existe ainda as rixas entre os presos, geralmente determinando um horário para o PD1 e outro para o PD2. Vale ressaltar que 07 (sete) agentes penitenciários para conterem uma demanda de 668 (seiscentos e sessenta e oito) presos equivale a cerca de 96 (noventa e seis) presos por agente, o que é, acreditamos, quase impossível. Isso sem falar que nem todos esses agentes trabalham diretamente na vigilância dos presos, vários deles atuam em funções administrativas.

Os detentos também têm direito de visita, e também por motivo de difícil controle do número de presos não é concedida a todos os presos ao mesmo tempo, sendo que aos sábados é a visita ao PD1 e aos domingos ao PD2; para os presos que tem filhos, o dia de visita das crianças é quarta-feira. A visita em geral (dos fins de semana) ocorre no interior dos blocos e nas próprias celas, e a visita das crianças ocorre no refeitório. Essas visitas duram praticamente o dia todo, tendo duração de 08 (oito) horas, de acordo com o horário estipulado pelo estabelecimento (das 8h às 16h).

Há também o direito de visita íntima. Esta pode ocorrer em qualquer dia da semana, mas é necessário que haja um cadastro prévio, feito pela assistência social do presídio, de quem pode receber a visita. Conforme nos informou o diretor, só os que são casados ou que tenham comprovada união estável é que tem direito a esse tipo de visita; e, como a união estável é de difícil comprovação, geralmente o que se leva em conta é que existam filhos frutos da união do casal. Geralmente essas visitas ocorrem em salas separadas destinadas a esse fim, porém só existem 02 (duas) salas dessas no estabelecimento, e cada visita dura em torno de 03 (três) horas. Como existem condições para os presos receberem visita íntima, acima referidas, os presos que não são casados nem tem união estável acabam arranjando meios de terem relações sexuais. Explicamos: nos sábados e domingos, dias de visitas dos respectivos pavilhões já mencionados, quando algum preso quer manter relações sexuais com algum visitante, acabam por se utilizar de suas próprias celas; prendem um cobertor na frente da cama, formando o que eles mesmos chamam de “empanado”. Perguntamos a um dos detentos com o qual tivemos contato se os outros presos saíam da cela quando isso ocorresse, e o que ele nos respondeu foi até motivo de surpresa, pois ele disse que às vezes acontecem até 06 (seis) encontros íntimos dentro da mesma cela.

Sobre os crimes praticados pelos presos da CADET, segundo o diretor, os maiores índices são Tráfico de Drogas, Assalto e Crimes contra a Liberdade Sexual, principalmente o Estupro, mas que, segundo ele, “lá dentro tem de tudo”. Nos foi contado casos de presos com mais de 30 (trinta) processos só no estado do Maranhão, e de outro que praticou um simples furto de uso (fato atípico) de uma bicicleta. Enquanto um preso é de alta periculosidade, o outro poderia ser punido com penas alternativas, como está sendo proposto atualmente, inclusive na mídia, pelo CNJ. Isso nos fez crer que há aí uma afronta a vários direitos fundamentais do ser humano, o que acaba por transformar os estabelecimentos penais em verdadeiras escolas de crimes.

Há que se citar, também, que muitos presos trabalham na CADET, exercendo serviços como se fossem funcionários do estabelecimento. Conversamos com o Ulisses e com o Paulista, ambos trabalhando diretamente com o diretor, presos por tráfico de drogas. O Ulisses nos relatou que hoje em dia se sente ressocializado, se o que se entende por ressocialização for no sentido de que ele tenha se conscientizado de que nunca mais cometerá crimes. Disse que no começo teve problemas com alguns presos, mas que hoje em dia é bem tratado, não tendo reclamações a fazer. O Paulista contou que na semana seguinte à nossa visita receberia liberdade condicional. Também não nos fez reclamações. Acreditamos que, provavelmente, a CADET não seja um ambiente tão tranqüilo quanto a idéia que eles nos passaram, porém não fizeram reclamações, o que deduzimos ser pelo fato de estarmos o tempo todo na presença do diretor.

Esses exemplos de presos que trabalham na administração do presídio são raros, visto que não há vagas para que todos trabalhem nessas funções, além de não se ter a segurança necessária. Segundo os dados em anexo, existem 22 (vinte e dois) presos que trabalham na administração, e 44 (quarenta e quatro) presos que trabalham. O restante dos presos fica nas celas, realizando apenas serviços de limpeza das mesmas.

Perguntamos ao diretor qual era o critério utilizado para escolher qual preso irá trabalhar na administração. Ele nos informou que isso varia de acordo com a gestão de cada diretor, e que cada um prefere criminosos que tenham praticado determinado tipo de crime, analisando seu comportamento durante o cárcere.

 

4. CASA DEDETENÇÃO DE PEDRINHAS-MA: UMA ANÁLISE ACERCA DA COMPARAÇÃO ENTRE A REALIDADE E A LEGALIDADE

 

                        O Direito Penal é a parte do ordenamento jurídico detentora da função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de pôr em risco valores essenciais para a vivência social, e descrevê-los como infrações penais[5]. Enquanto ciência jurídica, o direito penal possui natureza dogmática, já que suas manifestações estão baseadas no direito positivo, seu sistema se expõe através de normas jurídicas, onde essas se fazem obrigatórias a todos.

                        E é justamente nesse ponto que o Direito Penal entra, com o discurso da promessa de segurança jurídica, proteção dos bens jurídicos de um seleto grupo e a tentativa de conter os excluídos. Concebe-se o controle da força de trabalho que está fora do mercado valendo-se de meios punitivos. Caracteriza como função principal da pena a manutenção das expectativas comportamentais normativas, o que ocorre especialmente através da prevenção geral positiva, que se transforma em retributiva quando impulsionada pela lógica vingativa da sociedade[6].

                        No Brasil há um aumento constante de discussões acerca do aumento da criminalidade. Há inúmeros estudos para entender esse panorama na sociedade.

     Há uma grande desigualdade na sociedade brasileira. Isso somado a globalização neoliberal, que provoca o desemprego estrutural (substituição do trabalho humano pelas máquinas), aumento da pobreza e da exclusão social. A globalização é um processo que fatalmente traz uma maior concentração de renda, exclusão social e a marginalização. Apesar de o Estado ter conhecimento de toda essa situação, não demonstra-se capaz de garantir o cumprimento de dois artigos fundamentais da Constituição Federal: “art.5º - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade, nos termos seguintes”; e o “art.6º - “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.[7] Para Vera Regina Andrade:

 

 Ao Estado neoliberal mínimo no campo social e da cidadania, passa a corresponder um Estado máximo, onipresente e espetacular, no campo penal. Os déficit da dívida social e da cidadania é amplo e verticalmente compensado com excessos de criminalização; os déficit de terra, moradias, estradas, ruas, empregos, escolas, creches e hospitais, como multiplicação de prisões, a instrumentalidade da Constituição, das Leis e direitos sociais, pelo simbolismo da Lei Penal e direitos sociais, pelo simbolismo  da Lei penal, a potencializarão da cidadania pela vulnerabilidade à criminalização.[8]

 

                        Os processos de exclusão podem gerar o aumento das práticas de violências, principalmente a violência criminal urbana, como, por exemplo, a decorrente de ações de crime organizado, com o comércio ilegal de entorpecentes. Está ocorrendo uma alteração dos delitos, ou seja, a forma de sua concretização.

                        O regime penitenciário brasileiro é adotado com caráter correcional, com fins de reeducar e ressocializar o criminoso. No entanto, ao analisar a situação da Casa de Detenção de Pedrinhas, percebe-se que não há como, na situação em que se encontram, de ressocializar e reintegrar à sociedade o preso. Vale ressaltar, que esta ressocialização não é garantida pelo simples fato do próprio sistema carcerário e penal não respeitarem nem direitos basilares dos detentos.

 

[...] as prisões são cenários de constantes violações dos direitos humanos e conseqüentemente dos direitos dos presos. Têm sido cada vez mais freqüentes o enfrentamento entre presos e carcereiros, assim como brigas de ajuste de contas entre os próprios presos. O desespero dos presos acaba gerando conflitos, onde milhares deles amotinam-se para exigir melhores condições de vida em troca da liberdade de reféns.[9]

 

                        As condições dos presídio é sub-humana, há violação direta aos direitos humanos, o que acarreta situação de revolta. O art. 5º, inciso XLIX, da CF, prevê: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Tal dispositivo tem força constitucional, e mesmo assim não é respeitado. A falta para tal respeito está no simples fato do Estado demonstrar descaso para com a situação, pois infra-estrutura há, o que não há é o direcionamento adequado dos recursos necessários, como saúde, higiene e um espaço adequado para cada um.

 

A cadeia não comporta a totalização dos Apenados, os agentes penitenciários não têm formação adequada e tampouco ética no cotidiano com o preso; muitas vezes desrespeitando Princípios básicos de Direitos Humanos e das Garantias Fundamentais. Tudo isto gera conseqüências drásticas, que não cumprem, nem de longe, com o objetivo de reintegrá-los e ressocializá-los à sociedade.[10]

 

                        É verdade que não se deve atribuir como causa de reincidência, apenas o fracasso prisional; há que se ressalvar fatores pessoais, políticos e sociais.

                        O direito à dignidade, ao respeito da pessoa humana, à intimidade, são os mais violados. A liberdade concedida sem prévio preparo, sem tratamento educativo e sem a contribuição da sociedade, torna-se pior, as vezes, do que a própria prisão, sendo motivo de reincidência.[11]

                        O art. 41 da LEP (Lei de Execuções Penais) enuncia os direitos do preso. Os direitos humanos do preso estão previstos em vários documentos internacionais.

 

Não pode haver mais dúvidas de que o Sistema Penitenciário Brasileiro rigorosamente está falido, além de inútil como solução para os problemas da criminalidade. Nele há um desrespeito sistemático aos direitos humanos garantidos pela Constituição, inclusive aos condenados.[12]

 

 

                        Há muito tempo que a reincidência é questão de discussão no nosso país. Michel Foucault é um dos grandes precursores dessa idéia. Em sua obra “Vigiar e Punir”, ele aborda diversos aspectos que hoje em dia são demonstrados como uma forma cruel e inadequada de punição, onde mais tarde terminará fazendo com que o condenado volte de fato a delinqüir.

                        Para falarmos adequadamente desta idéia difundida na atualidade, podemos remeter a Cesare Beccaria, que já criticava veementemente a prisão cujas características de suplício, não detinham em nada o acusado[13]. Foram essas idéias que inauguraram o discurso que hoje temos sobre a prisão, como se ela fosse um instrumento que apenas visa “assistir” a pessoa que cometeu alguma ação ou omissão de modo que a perda da liberdade possa fazê-lo se arrepender da infração e ressocializar-se, voltando a conviver com a sociedade.

                        A partir desses objetivos é que se criou a Lei de Execução Penal (LEP – Lei 7210 de 11 de julho 1984). Surgida a partir de uma febre de humanismo, essa legislação criada há mais de 20 anos, prevê uma série de direitos aos presos e tem como principal fundamento, a ressocialização.

                     Portanto, fazendo uma comparação entre a Lei de Execução Penal e todas as garantias constitucionais com o que realmente ocorre na prática do sistema prisional, mais especificadamente na CADET, como constatamos em nossa visita ao estabelecimento, verificamos uma enorme afronta à LEP e ao princípio da dignidade humana.

                    A casa de detenção, inicialmente, foi estabelecida para abrigar apenas presos provisórios, porém, com o surgimento da CCPJ do anil, o CDP e, também, a superlotação dos presídios, a partir de 2003 quando tornou-se uma Unidade independente, passou a receber tanto presos provisórios (a maioria deles já presos condenados, mas sem a carta de guia, como foi dito anteriormente) quanto presos já sentenciados, cumprindo pena de regime fechado e, para nossa surpresa, presos cumprindo medida de segurança.

                    Fazendo uma entrevista com o Juiz da Vara de Execução Penal, Dr. Douglas, constatamos que na CADET deveriam ficar os presos provisórios, assim como na CCPJ do anil e no CDP (Centro de Detenção Provisória), no presídio São Luis deveriam ficar os presos de regime fechado. Porém, na prática isso não ocorre, ficam todos misturados, acarretando uma grande afronta ao princípio da presunção de inocência.

          A LEP afirma em seu artigo 1º “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal a proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”,

    É estabelecida na Lei em seu artigo em seu art. 10 “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. E fecha com o parágrafo único: “A assistência estende-se ao egresso.”

    É considerado egresso, como expõe o art. 26 da Lei: I o liberado definitivo, pelo prazo de um ano a contar da saída do estabelecimento; II – o liberado condicional, durante o período de prova. Quanto a esse egresso se pode perceber que a saída do preso não coincide com tal dispositivo, pois ao observar a saída de um preso da CADET- MA, se percebeu que ele não tinha nem para onde ir, e já era reincidente.  

    Na CADET, assim como na grande maioria dos presídios brasileiros, verifica-se total desrespeito à princípios basilares  que deveriam existir em todo sistema prisional, como por exemplo o princípio da dignidade humana. É nítida sua ofensa quando nos deparamos com a forma que os presos são tratados pelos agentes, pela comida que é fornecida, pela falta de vestimenta, pela falta de estrutura do estabelecimento, etc. Contradizendo com, senão tudo, a grande maioria do que está previsto nos dispositivos da LEP.

  O art. 11º aduz que a assistência será material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. A única assistência que percebemos que tem maior afinco é o da religião. Art. 12º: “a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas”. Na prática percebemos que o preso, ao entrar na CADET recebe alguns objetos para higiene, porém uma única vez, a família que deve levar ao visitá-los, quem não tem família, ou se a família não obtiver condições, o detento fica sem roupa, sem objetos de higiene, etc. O estabelecimento fornece diariamente apenas alimentação, de má qualidade, conforme imformações de detentos. Quanto a vestuário, o que se observou foi inúmeros varais esticados por todas as celas, com roupas penduradas após lavagem, e os presos trajavam roupas pessoais.

 

Nem sei dizer pra vocês o que é pior... Se você não dá o direito da pessoa, por exemplo, a falha do Judiciário, que prende mal e que deixa a pessoa além do tempo. Isso deixa eles muito angustiados. Como eu sou juiz, a mim, eles reclamam mais é disso, se eu fosse médico, eles reclamariam mais dos problemas de saúde deles. Quando vão as pessoas de Defesa dos Direitos Humanos eles reclamam mais é de tortura, de superlotação, então depende de quem eles vêem pela frente. Com certeza, a mim o que eles pedem mais é informação sobre os seus direitos e a concessão dos benefícios dentro do prazo. Para os Defensores, é esse o mesmo pleito.   Quase não vai ninguém da área de saúde lá... Mas se for, todos têm algum problema de saúde pra reclamar. Os casos de tortura são muitos, mortes dentro do Sistema Prisional... Na CADET mesmo, tivemos algumas mortes, é... Então eu digo que são muitos os problemas e aí a ênfase depende de para quem eles estão reclamando. E estes são os maiores problemas. [14]

 

                  A assistência à saúde também não esta em conformidade com o que aduz o art. 14, onde a assistência deverá ter caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. Na verdade o que se viu, quer dizer o que não se viu, foram equipamentos e pessoal próprio para fazer esse atendimento. Tem uma enfermaria pequena, com apenas uma maca (se é que podemos chamar de maca) e apenas uma enfermeira, é relevante ressaltar que na CADET tem 668 detentos.

Quanto à assistência jurídica, o art. 41, IX, da LEP, expõe que é direito do preso entrevista pessoal e reservada com o advogado, e ainda o art. 16 que aduz que, “as Unidades da Federação deverão ter serviços de assistência jurídica nos estabelecimentos penais”. Existe uma sala para defensória, porém sem nenhum defensor público. Devido a essa escassez de assistência judicial, vários detentos já estão excedendo a pena sentenciado.   

      Em relação à assistência educacional, tem-se na nos artigos da lei que a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. E no artigo 18 da LEP, aduz que o ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa. Todavia na CADET não existe.

      Na assistência social, que “tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade”, como alude o art. 22 da LEP, ajudando ao preso a se adaptar ao convívio dentro do estabelecimento penal e a uma preparação para seu retorno a sociedade, com orientação especializada. Todavia, as condições presenciadas por nossa equipe em relação à este amparo e ao nível de vida que os eles levam, não reflete nem em uma tentativa dessa assistência.

        Por fim, a assistência religiosa, essa é a única que conseguimos vê com eficácia, talvez por não depender, do Estado, pois os padres e pastores vãos de forma livre e porque querem, na verdade, essa assistência se torna muito importante para os presos, pois é a única que podem se apegar para enfrentar a vida naquela rotina desumana.

 Após tudo que se pesquisou acerca do assunto e tendo como pano de fundo a visão de Foucault, partimos da idéia de seletividade do sistema penal. Com o código sendo infringido a todo o momento, com as leis penais cada vez mais banalizadas por todas as camadas sociais; percebemos que o grupo que está cumprindo pena, é o grupo dos negros e pobres. As pessoas que passam pela prisão ficam marcadas, encontram dificuldades para arrumar empregos, fazer amizades e, portanto inserirem-se socialmente.

 

A idéia de humanização das penas criminais tem sido uma reivindicação constante no perpassar evolutivo do Direito Penal. Das penas de morte e corporais, passa-se de modo progressivo, às penas privativas de liberdade e destas às penas alternativas (multa, prestação de serviços a comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana).[15]

 

 “A substituição das penas privativas de liberdade passam a ser um dos problemas mais árduos da política penal de nossos dias, sendo considerado a chave para qualquer futura reforma penal”.[16] Assim como Zaffaroni, temos o entendimento que, se de fato as penas alternativas fossem utilizadas em detrimento das penas privativas de liberdade, esse fato com certeza contribuiria para a diminuição carcerária no país. O importante não é deixar de punir, e sim saber punir.

 

 

CONCLUSÃO

Após visitarmos a CADET e compararmos a todas as garantias que estão nas leis, chegamos à conclusão de que a realidade se situa a quilômetros da teoria.  Em todos os aspectos, há a fuga da Lei.

Deparamo-nos com várias perguntas que talvez não possamos obter respostas agora. Podemos apenas divagar. Como: de quem é a culpa? A culpa é nossa, infelizmente. Da sociedade que não aceita a instalação de pequenos presídios em seus bairros, rejeitando a idéia preliminarmente, sem nem dar a oportunidade do Poder Público refletir os benefícios de tal feito. Culpa da sociedade também por ter preconceito com ex-presidiários, que mesmo após cumprir sua pena ainda sofrem por não conseguir um emprego e sendo, portanto obrigados a delinqüir. Culpa do Executivo e do Judiciário que não possuem nenhuma iniciativa para mudar tal quadro, que não demonstram nenhum interesse pelo que eles consideram a “escória” da sociedade. A culpa é de todos por se acomodar com essa situação de desrespeito à dignidade da pessoa humana simplesmente por nunca nos imaginarmos um dia presos ali, apesar de sermos todos cometedores de crimes, só não somos a clientela do Direito Penal.

Ao cumprirmos o objetivo principal de visitar e entender um pouco a realidade dos presos da CADET, podemos fazer uma análise extensiva a todos os presídios do Brasil, cuja realidade é exatamente a mesma, se não for pior. Ao bani-los de nosso convívio e preocupação, não percebemos que essa marginalização somente nos atinge novamente, pois ao aplicarmos o punitivismo exagerado, influenciado pelo senso comum que tem ditames como “criminoso bom é criminoso morto” ou que “se um preso quisesse qualidade de vida não delinqüia”, apenas inflamos mais ainda os já altíssimos índices de prisioneiros no Brasil, diminuindo a possibilidade de poder ser feito um trabalho personalizado com os presos, no qual cada um poderia ter o acompanhamento correto de seu processo, de uma assistente social, de suas famílias e assim por diante. E dessa forma, aumentarmos a chance desses presos não se reeducarem e reincidirem no crime, que, por via de regra, é sempre um crime pior que o primeiro.

Quando nos aproximamos dos detentos e olhamos com os olhos imparciais a situação dos presos da CADET, e mais uma vez reforço a idéia de que é a mesma situação da significante maioria dos presos do Brasil, nos perguntamos qual é a função desse Sistema Penitenciário, afinal? Concluímos que a sua real função não passa de manter o capitalismo repressor do qual fazemos parte, no qual devemos manter a maioria das riquezas concentradas com a minoria, o que resta é um Sistema Penal como instrumento repressor para manter a estrutura social vertical absolutamente desigual. Este Sistema que deveria ressocializar, reeducar, prover saúde, educação, religião, trabalho, assistência social, etc., infelizmente é uma letra de lei vazia, mais uma utopia das nossas vidas. Vivemos em um mundo que as pessoas só pensam em si mesmas e que os menos favorecidos pelo nosso sistema se “lixem”, e quando, por falta de uma educação estrutural, estes delinqüem, e nesse momento isso deveria virar nosso problema, nós simplesmente lhes damos as costas mais uma vez e os encarceramos o mais longe possível das nossas “vidas perfeitas”.

Enfim, nossa função como novos juristas e futuro do nosso país é de tentar mudar a mentalidade das pessoas com questões críticas e polêmicas como essa. Cumprimos nosso papel ao analisarmos a CADET de um ponto de vista prático, mas isso não é suficiente, devemos nos mobilizar futuramente em nossas profissões com o intuito de diminuir tamanha diferença entre Lei e realidade, com a finalidade de reaproximar o Direito da utopia do tripé proposto por Miguel Reale quando apenas iniciávamos nossas vidas no mundo jurídico: fato, valor e norma. E que, no fim das contas, possamos atingir a justiça.

 

REFERÊNCIA

 

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima: códigos de violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

 

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2003.

                                                                                                                             

BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

MARCIAL, Fernanda Magalhães. Os direitos humanos e a ética aplicada ao sistema penitenciário. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 132, 15 nov. 2003. Disponível em: . Acesso em: 24 maio 2010.

 

MACHADO, Vitor Gonçalves. Considerações sobre os princípios informadores do direito da execução penal. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14432> Acessado em: 27 de maio de 2010.

PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. vol.1. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

 

WACQUANT, Löic. As prisões da miséria. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2001, p. 11. Tais dados foram retirados do site http://www.sindspem ma.com.br/arquivos/file/folder_historico_dos%20presidios.pdf acesso em 22/05/2010.

                                                                                                                             

ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro – I. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

 

ANEXOS

 

Anexo I

 

- Entrevista com o Dr. Douglas de Melo Martins, juiz da 2ª Vara de Execuções Penais – VEC

 

Alunas: Nosso trabalho é sobre a casa de Detenção, nos sabemos que é em Pedrinhas, mas não sabemos se é dentro do complexo, quais são os tipos de preso que vão pra lá, se existe alguma lei que regula. Qual a necessidade da existência da Casa de Detenção e pra que quê ela serve?

Douglas: Bom, a casa de Detenção, ela deveria abrigar presos provisórios, e ela faz parte do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, mas é um presídio separado. As pessoas fazem uma confusão entre uma Penitenciária de Pedrinhas, que é uma Penitenciária agrícola destinada ao cumprimento de pena do regime semi-aberto. Na casa de Detenção deveriam ficar os presos provisórios. No presídio São Luis, deveria ficar os presos de regime fechado. Ai tem a CCPJ do Anil, também é destinada a presos provisórios. Tem o CDP que é o Centro de Detenção Provisória, que também faz parte do Complexo Penitenciário de Pedrinhas e que é destinado a presos provisórios. Mas se vocês me questionam, eu vou antecipando, se lá somente tem presos provisórios, lá tem presos provisórios, mas também tem presos sentenciados, e tem gente que deveria estar cumprindo medida de segurança, tá uma bagunça.

Sim então, qual é o problema, assim, entre tantos outros, a super-lotação , tem esse problema de não estar abrigando somente presos provisórios, tem sentenciado e até pessoas com deficiência mental, então ta nesse formato, na Casa de Detenção. Vocês querem ver como funciona?  Vocês já foram em Pedrinhas? Vocês chegam ali do lado direito quando você vê logo lá “Penitenciária de Pedrinhas”, o primeiro que vocês encontram, é a Penitenciária de Pedrinhas que é o que muita gente confunde com toda Pedrinhas, ali é o bairro de Pedrinhas, e tem a Penitenciária de Pedrinhas. Sai da Penitenciária de Pedrinhas, do lado você não consegue nem identificar, você acha que é uma coisa só, do lado tem a casa de Detenção, presídio São Luís, e ainda tem ao lado a CCPJ de Pedrinhas, e da frente é que fica o CDP. Então a entrada da Casa de Detenção e do CCPJ, você se confunde, é praticamente uma do lado da outra, só que os presídios por dentro eles não se comunicam, são separados, mas é colado ali um no outro. Já me antecipando as perguntas, eu não concordo com esse método, porque fazendo isso você vai criando uma espécie de Carandiru, você vai concentrando num local só todos os presos do Estado praticamente, você não tem presídio praticamente, só que todos concentrados ali em Pedrinhas, em Pedreiras e em Timon. Os outros locais são todas delegacias adaptadas no interior do Estado. Porque que eles não conseguem construir fora de Pedrinhas? Pedrinhas a comunidade já meio se acomodou com a existência do presídio, a sociedade lá em Pedrinhas aceita, quando você fala em construir em outros locais, a comunidade sempre rejeita e rejeita por vários motivos não é só por culpa da sociedade, rejeita por equívoco da própria administração, você não pode chegar ainda mais com preconceito que as pessoas têm em relação a presos, e com as imagens que as pessoas vêem, nos meios de comunicação, você não pode chegar e olhar, nós vamos construir um presídio aqui, não é assim que faz, você tem que chamar a sociedade e discutir. Olha! Nós estamos pensando em construir um presídio aqui e queremos refletir com vocês sobre a conveniência disso, sobre as vantagens e desvantagens disso, convocar uma audiência pública para fazer uma reflexão sobre isso e propor, principalmente  um novo modelo de execução penal, pra comunidade poder aceitar. Como eles não fazem isso, o governo não quer ter esse diálogo com a sociedade, eles não conseguem a aceitação da comunidade. Tentaram construir um na Cidade Operária, o povo ficou desesperado, não aceitou e pronto. (...) quando vocês visitarem Pedrinhas, vocês vão logo perceber esse problema, de tudo ali é só um nome, eu não sei por que eles dão esse monte de nomes pra uma coisa praticamente única que as vezes é só uma parede que separa uma da outra, só um muro praticamente. Então não é adequado, é impróprio, e agora querem fazer outro absurdo, querem levar o presídio feminino pra lá. É absurdo! Não dá, eu garanto pra vocês misturar homem com mulher. (...) o local é inadequado, porque não colocar em outro espaço?

Alunas: Qual é a diferença do CCPJ para a Casa de Detenção?

Douglas: Os dois são destinados a presos provisórios só que eles na maneira de organizar como o CDP já tem um nome provisório no próprio nome, então eles colocam só provisórios mesmo lá, e a casa de Detenção ta meio dividida entre provisórios e sentenciados.

Alunas: Você já nos disse que só tem Presídios em Timon, Pedreiras e em São Luis...

Douglas: Sim, eles adaptaram umas delegacias em Caxias, Imperatriz, mais recentemente em Açailândia e estão reformando em Santa Inês delegacias para comportarem presos, mas todas em situação de improvisação. Construído pra ser Presídio mesmo só esses que eu falei pra vocês.

Alunas: Essa distribuição é feita como? É pelo local que foi cometido o crime? Porque sabemos que tem presos no CADET e em toda Pedrinhas que vêm de todo o Maranhão...

Douglas: A maioria dos presos que estão em Pedrinhas são do interior, é outro absurdo, as pessoas deveriam cumprir a pena perto da família, lamentavelmente isso não ocorre. Não ocorre como assim? Por uma série de motivos: 1º a sociedade não os querem perto, o Judiciário quer esquecer, ninguém quer ter aquele compromisso de construir um ambiente adequado para cumprimento do que a Lei de Execuções Penais estabelece. Isso é trabalhoso por conta daquilo que eu já conversei com vocês : depende da reflexão com a sociedade, dá um pouco mais de trabalho pro Judiciário. As pessoas preferem que “tire de perto de mim”, condena lá e manda pra São Luís como se isso fosse resolver o problema. A Lei de execuções penais prevê que o cumprimento deve ser próximo da família e o Estado, e aí eu falo de Estado de uma forma geral: O Executivo, Judiciário, deveriam tomar providências pra cumprir o que a Lei de Execuções Penais estabelece, a pessoa deveria cumprir a pena próxima da família, mas as pessoas não fazem isso, o Estado não tem se preocupado com isso, e nós, juízes, estamos acomodados com isso. (...)  Nós que eu falo de um modo geral, da minha parte, foi quando estava fazendo execução penal em Pedreiras, nós construímos uma APAC lá a partir da reflexão com a sociedade, e é isso que deve ser feito no estado inteiro. E eu vou fazer uma reflexão com vocês sobre isso, porque fazer isso? Tem o motivo humanitário. Pra quem defende os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana, já é uma boa motivação pra que a pessoa seja bem tratada, sejam respeitados seus direitos e a Lei seja cumprida, a Lei de Execuções Penais, e a Constituição Federal. Mas vamos dizer que você não tenha essa inspiração humanitária, tem o motivo egoístico. As pessoas que recebem acompanhamento da família, visita da família reincide menos. E quem não recebe visita da família, reincide mais. Só isso já deveria ser um motivo pra que a sociedade queira colocar as pessoas pra cumprir perto da família, porque está contribuindo pra melhorar a segurança pública, a segurança de todos nós. Se diminuirmos a reincidência a sociedade fica mais segura pra todos nós.  Pra diminuir a reincidência foram feitos vários estudos que comprovaram que se tiver acompanhamento familiar a reincidência é menor. Quer motivo melhor?  Esse é um motivo egoístico, você tá pensando em si próprio. (...) Então você tem que fazer Tratamento Penal: “segurança pública é polícia na rua prendendo gente”, erro grosseiro, é burrice. Por vários motivos: é burrice porque? É caro fazer isso, caríssimo, não sei se vocês tem noção, mas a manutenção de um preso é de 3 salários mínimos por mês em média no país. Tem presídio que custa mais, outros menos, mas a média é essa. Então pensem bem, na hora que o juiz manda prender uma pessoa, eu juiz, na hora que mando prender uma pessoa, eu tenho que pensar duas vezes no dinheiro público que vai ser gasto. Quanto você gasta com isso? (...) Então se você não tem um ponto de vista humanitário, pense ao menos do ponto de vista econômico! A sociedade paga um preço muito alto por isso! E o povo na rua não faz essa conta, só dizem assim: criminoso bom é criminoso preso! Tem que ficar preso. (...) Não dá pra pensar em segurança pública sem refletir sobre reincidência, e não dá pra diminuir a reincidência sem diminuir esses problemas. Esse Carandiru, eu falo Carandiru no sentido de você aglomerar esse mundo de gente. Nós deveríamos ter o que, então? Eu defendo que a gente construísse aqui presídios nos bairros, pequenos, uma APAC na área Itaqui-Bacanga, outra na Cidade Operária, outra em São José de Ribamar, pronto! Construir unidades em que cada pessoa pudesse cumprir sua pena pertinho da sua família, sendo tratado, com acompanhamento psicológico e assistente social. (...),

Eu vou contar uma coisa pra vocês, e se alguma de vocês deixar de ir por conta disso eu vou ficar muito triste com vocês, porque vocês são saudáveis e não vai acontecer nada, certo? Mas quando você entra lá... É só doença! É só isso que você encontra, mas olha só, o índice de tuberculose é alto. Eu entro lá e vem aquele monte de gente, inclusive alguns doentes, pra cima da gente, é uma coisa triste, todo mundo querendo... Diferente de vocês que não vai acontecer isso! É... Vocês não são juízes então eles não ficam naquela expectativa de resolver, então você chega e eles “doutor, vem aqui...” e agarra a gente... Mas é desse jeito que eu to falando, eu to aqui aí chega um me puxando por trás “doutor olha aqui meu caso... Vê se eu já não tenho direitos”... Segura minha mão, pede pelo amor de Deus... É assim. (...) todo mundo querendo, implorando pelo seu direito, pedindo socorro. Isso ocorre se for um juiz que dá atenção pra eles, um advogado, um Defensor Público... Eles pedem ajuda, imploram por uma atenção. É preciso que vocês saibam disso, doença é um problema... Quando eu vejo pessoas interessadas como vocês estão eu me alegro porque nós somos muito privilegiados, pra nós, e eu sempre digo isso pras pessoas, pra termos qualidade de vida, é fácil demais! Vocês não têm dificuldade... O mínimo vocês têm : saúde, alimentação, moradia adequada, até lazer vocês têm. Eles têm direito a isso também. Porque nós não podemos contribuir uma parte da nossa vida pra ajudar os que não têm o que nós temos? Por isso que eu fico satisfeito quando vejo pessoas estudantes como vocês, de classe média, interessados, querendo colaborar, querendo entender a Execução Penal, querendo contribuir pra melhorar alguma coisa lá, me alegra! Porque eu só vejo a maioria ai preocupado pra ir onde está o dinheiro, uma visão assim tão pequena do que é qualidade de vida, mas o fato é que eu espero que vocês realmente visitem, não se preocupem... Vocês vão ver muito é pobreza e doença. (...)

Alunas: Doutor, aproveitando o ensejo do que você falou, quais são, ao seu ver, os piores problemas dos presos encarcerados ali? Nós aqui de fora sabemos da superlotação, algumas reclamações, mas como o senhor está lá, pelo menos semanalmente, sabe qual é a pior reclamação, o pior desrespeito aos direitos fundamentais deles...

Douglas: O pior... Nem sei dizer pra vocês o que é pior... Se você não dá o direito da pessoa, por exemplo, a falha do Judiciário, que prende mal e que deixa a pessoa além do tempo. Isso deixa eles muito angustiados. Como eu sou juiz, a mim, eles reclamam mais é disso, se eu fosse médico, eles reclamariam mais dos problemas de saúde deles. Quando vão as pessoas de Defesa dos Direitos Humanos eles reclamam mais é de tortura, de superlotação, então depende de quem eles vêem pela frente. Com certeza, a mim o que eles pedem mais é informação sobre os seus direitos e a concessão dos benefícios dentro do prazo. Para os Defensores, é esse o mesmo pleito.  Quase não vai ninguém da área de saúde lá... Mas se for todos tem algum problema de saúde pra reclamar. Os casos de tortura são muitos, mortes dentro do Sistema Prisional... No CADET mesmo tivemos algumas mortes, é... Então eu digo que são muitos os problemas e aí a ênfase depende de para quem eles estão reclamando. E esses são os maiores problemas.

Alunas: Só uma última pergunta: o senhor até criticou o fato de eles ficarem ali todos juntos, a CADET, a São Luis, o Cadeião... Porque o CADET está dentro do complexo de Pedrinhas? Foi a sociedade que reclamou? Qual o motivo de presos provisórios estarem juntos com presos sentenciados...? Qual é a realidade mesmo?

Douglas: De quem é a culpa? Para quem eu vou apontar o meu dedo? É culpa de todos nós. O principal, assim, é o Governo e eu não estou falando este Governo, to falando de sucessivos governos. (...) todos foram centralizando ali em Pedrinhas, então e um problema  inicialmente de responsabilidade maior do Governo. Mas é culpa do Judiciário porque também nunca questionamos, aceitamos isso, ficamos na passividade. O Ministério Público que não entrou com ações, medidas para impedir isso. É culpa da sociedade que não aceita que sejam construídos presídios nos bairros, então a culpa é de todos, não tem inocente nessa história, todos nós somos culpados. Todos temos condição de contribuir de alguma forma, pode partir de uma ação conjunta também, precisa passar por uma reflexão da sociedade com as Instituições que têm o poder para resolver isso. O Judiciário, o Ministério Público, Executivo e Legislativo. Todos precisam se envolver, e todos sairão beneficiados, pois se tivermos uma execução penal melhor, nós diminuímos a reincidência, e se diminui a reincidência melhora a segurança pública e se melhora a segurança pública, nós somos os beneficiados. É bom que vocês saibam, na reincidência, de regra os crimes são mais graves que o primeiro, então pra termos segurança é preciso enfrentar a segurança. Vamos prender de novo quem já soltamos e só vai aumentando o número de presos, que já é absurdo, é quase meio milhão de presos no Brasil e tá aumentando.

Bom, encerrando aqui, vocês são estudantes do 8º período de Direito, quem é o professor de vocês? Então minhas últimas palavras são para a Thayara. Thayara, parabéns por motivar as pessoas, os seus alunos para que eles se interessem por Execução Penal, que é o “primo pobre” do Direito. E é muito bom ter professores que motivem as pessoas pra que se interessem por esse assunto, eu sei que elas não tinham como se interessar por esse assunto até porque a Execução Penal está esquecida, ninguém vê, todo mundo passa ali na BR, mas ninguém olha ali pra Pedrinhas, e as minhas palavras finais são pra te homenagear por motivar essas meninas a se interessarem por esse assunto, Parabéns!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anexo II

 

- Entrevista com o Dr. Cláudio Guimarães, Promotor de Justiça

 

Alunas: Doutor, nós queríamos saber a sua visão, como Promotor, algumas experiências suas a respeito do CADET, que sabemos que na teoria é para presos provisórios, apenas, mas que na realidade isso não acontece. E depois também que o senhor nos falasse sobre as Varas Ações Civis que o MP já acionou a respeito dos presídios.

Cláudio: Na verdade o problema da Casa de Detenção é o problema de todo o Sistema Penitenciário Brasileiro, que é absolutamente falido!  Falido porque a concepção do Sistema Penitenciário é equivocada, você pode abrir hoje mais cem prisões por dia no Brasil que ainda assim isso não vai atender a demanda, porque estão atacando conseqüências e não causas. Vivemos num sistema injusto, com uma distribuição de renda absurda, que é o caso do Brasil, mas também de grande parte do mundo, nós temos um sistema de produção capitalista que visa a acumulação de riqueza por poucos e a exclusão social da maioria, um sistema né? Que tem a função de controlar a desordem! Pra que eu vou analisar o CADET? Ele faz parte de um sistema prisional falido! Ontem mesmo eu fiz uma inspeção no centro de triagem, o que eu vi é que lá é uma imundície, um desrespeito aos postulados mínimos de dignidade a pessoa humana, o problema lá é seriíssimo! Na minha concepção, não se buscam soluções porque ele está cumprindo a função para o qual foi efetivamente criado que é controlar através da agressão as camadas menos favorecidas da sociedade. É uma obviedade onde poucos tem muito e muitos não têm nada, você tem que ter um instrumento pra disciplinar, organizar esse caos. E esse instrumento é o Direito Penal.

Alunas: A gente quer saber também a sua opinião a respeito do complexo de Pedrinhas, no qual está inserido a CCPJ, a CADET, a São Luís e muitas pessoas criticaram o fato de estarem todas juntas, formando um “grande Carandiru”, e nós queríamos saber a sua opinião sobre isso, se deveriam ser separados em pequenas cadeias... Que solução se daria?

Cláudio: Olha, dentro desse caos, algumas coisas podem ser feitas... Você poderia construir  presídios com mais salubridade, presídios onde a metragem por preso fosse respeitada, mas a gente volta pra aquele problema: a demanda é muito grande! Você vai construir presídios que tenham os requisitos constitucionais, mas aí você não vai fazer mais nada, só construir presídios! Existem inúmeros Mandados de Prisão de pessoas já condenadas que não são presos porque não tem onde botar! Essa que é a realidade. Então estruturalmente, você tem como melhorar... As APAC´s são uma experiência muito positiva como forma de minorar o sofrimento dessas pessoas, e ao que me consta você é condenado uma pena privativa de liberdade, você não é condenado a perder sua saúde, sua dignidade, sua integridade física. (...) você vai cumprir uma pena privativa de liberdade e já sabe que lá tem uma alta possibilidade de perder sua vida.

Alunas: Quando conversamos com o professor e promotor Cláudio Cabral, ele nos informou que existem várias ações civis públicas que o Ministério Público ajuizou, mas que elas “não andam”... O que o senhor pode nos dizer a respeito disso?

Cláudio: [risos] A ação civil pública em sua essência é um paroxismo, é uma coisa incoerente. Eu vou obrigar o Estado a fazer alguma coisa, o Judiciário interfere no Executivo. Se o Executivo não cumprir, ele vai pagar uma multa, que é revertida para o próprio Estado, então... Eu penso que quando o Estado é obrigado a fazer alguma coisa ela se torna inócua, mas poderia haver uma conjugação de esforços pra tentar estruturar esses parques penitenciários com o mínimo de decência, porque hoje em dia vemos uma situação indecente, absurda! E ainda tem as pessoas com o senso comum que dizem que se quisessem uma situação decente não teria delinqüido, e nós sabemos que 99,9% da população comete crimes, vocês cometem crimes! Você sai daqui e vai comprar um Cd pirata, um DVD pirata... Isso é crime! Você falar mal dos outros, é crime. (...) Então nós temos que quebrar uns dogmas, umas percepções e entender que o Direito Penal funciona muito bem para o fim que ele foi proposto, que é administrar as injustiças sociais. O Direito Penal, na minha visão, tem essa função.  Como é que nós vamos manter uma sociedade tão injusta? O Estado tem que ter um aparelho repressivo muito forte. Então esta é a grande função do Direito Penal, a manutenção de uma sociedade absolutamente injusta, o Direito Penal não está preocupado em ressocializar, em reeducar, não tem nada disso. O Direito Penal tem o objetivo primordial e único de manter a estrutura social vertical absolutamente desigual. Então a partir desta minha concepção, ah! Você poderia melhorar? Pode sim, tem o monitoramento eletrônico, ele vai tirar pessoas que poderiam estar com prisão preventiva em suas próprias residências, então você tem como arrefecer, minorar as conseqüências drásticas que advém do Sistema Penal, tá, mas essa ilusão das funções oficiais exibidas pela doutrina jamais isso vai acontecer.  A tendência é ir pelo contrário, essa situação de desrespeito a dignidade da pessoa humana vai permanecer, por absoluta incapacidade estrutural do Estado de modificar. Por falta de interesse também, né... Enfim..pra quê melhorar os presídios se o senso comum acha que a situação dos presos, é...hoje nós temos no senso comum as pessoas, mídia, elas passam que essas pessoas devem ser castigadas ao extremo, e lá  dentro se morrerem melhor! As pessoas dizem “bandido bom é bandido morto”, percebe que isso atinge os alicerces de estrutura do Estado que é democrático e com tanta luta está sendo construído, então se você começa a abrir mão de direitos e garantias pretensamente dos outros, por via de conseqüência você está abrindo mão de direitos seus, esse totalitarismo penal parte dessas questões pontuais e vai se alargando daqui a pouco estamos com um Estado absolutamente repressor, totalitário, ditador. As pessoas não entendem, conhecem pouco, não conhecem a História. A História tá aí, você vê um pouquinho pra trás... Estamos passando por experiências que já foram vivenciadas: o extermínio de Hitler, Lenin, Mussolini, Stalin, todos tentaram exterminar os seus desafetos, que via de regra eram os excluídos sociais. Então você paga um preço muito alto pela violência, aí anos depois as pessoas se perguntam: “poxa, como é que foi possível? Que absurdo com os judeus na 2ª Guerra Mundial!” Então de 45 pra cá são... 65 anos... É muito pouco tempo, então hoje a gente olha pra trás e se pergunta: “como foi possível acontecer o Holocausto?” Eu espero que daqui a uns 50 ou 60 anos as pessoas olhem prá trás e pensem do mesmo jeito: “Como é que existia esse Sistema Penitenciário? Que as pessoas entravam pra cumprir a pena de liberdade e acabavam sendo mortas?” Porque diariamente os presos são mortos. Não tem nem o direito natural de correr, isso é muito grave, se você é agredido na rua, você pode correr. A pessoa pega uma faca pra lhe matar, você corre. E dentro do presídio não tem o direito natural de correr. A pessoa vai lá, os desafetos, dão chuçadas, facadas matam a pessoa que está sob a tutela direta do Estado e “tá ótimo”. (...)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anexo III

 

- Entrevista com o Dr. Cláudio Cabral, Promotor de Justiça

 

Alunas: Qual a necessidade da casa de detenção? Qual a função dela? Qual os presos que estão ou são encaminhados para lá? Como deveria funcionar e como funciona na prática? E qual o olhar do MP em relação a esse lugar que é tão desrespeitado os direitos humanos dos presos, e as vezes a gente ver que o MP se omite?

Cabral: Em relação à penitenciaria do MA e especificamente São Luís, nós temos a antiga penitenciária de pedrinhas que é aquele prédio central, nós temos ali também a casa de detenção que é a primeira parte do lado direito de quem ta olhando pra gente e nos temos a CCPJ de pedrinhas. Atravessando a BR, temos o centro de triagem e o CPD que é o famoso ‘’cadeião’’. A casa de detenção serviria para presos provisórios no primeiro momento, antes da existência da CCPJ (centro de custodia de pesos de justiça. Justiça no sentido provisório). Ocorre que o sistema penitenciário do Maranhão, como todo o Brasil não funciona assim como determina a legislação penal. Então a casa de detenção e o presídio de pedrinhas servem para presos já condenados e alguns casos ainda pra provisórios, ai que vem o desrespeito à lei no sentido de juntar, de fazer como que eles cumpram pena no mesmo estabelecimento. Não há divisão de presos quanto à periculosidade, quanto à natureza do crime. É interessante existir um presídio só para homicidas, um presídio só para estelionatário, outro só para traficante, etc. Porque senão quando você faz a mistura, os presos até aprendem outras modalidades de técnicas de crime q antes eles não tinham conhecimento, daí que vem o famoso nome “universidade do crime’’. Que é isso? Quando você mistura pessoas, ou seja, coloca estuprador junto com homicida, e ele tem o que Focoult já dizia: “secund cold”, por isso há problemas entre estupradores e presos ou criminosos de outra natureza. Porque o cara que ta ali dentro sabe que a família dele está lá fora, e quando entra um estuprador poderia ter sido a vitima a filha ou até a mulher dele, então essa pessoa vai ter problema lá dentro, vai sofrer, pode ser morto. Nós agora mesmo estamos fazendo as diligências nas delegacias, São Luís já avançou. As delegacias não estão mais servindo de locais de custódia de presos, em razão do centro de triagem não receber presos após às 18h, eles são levados para a delegacia, são lavrado os autos de prisão em flagrante e, se isso ocorrer após as 18h ele dorme numa cela na delegacia, mas pela manhã já é encaminhado ao centro de triagem. Então o que há ali é o seguinte: é o desrespeito total, também, a toda orientação da ONU, que diz que os presídios tem que ser pequenos e médios, com uma capacidade máxima de 500 internos. E pedrinhas cada vez mais está aumentando, seguindo a lógica inversa do que já se viu e se percebeu inclusive no Carandiru, que quanto mais você vai fazendo anexo, anexo, anexo, você vai perdendo o controle, eles que vão tomando conta, é muito difícil. O ideal é que você tenha pequenos presídios, os presídios de porte médio, aí você tem mais condições de trabalhar. Nós podemos falar em reinserção social só através de pequenos e médios presídios, que é o caso de Pedreiras, o método APAC. Então, de onde surgiu o APAC? Surgiu no interior de SP, e depois esse mesmo método é levado para uma cidade chamada Itaúna, no interior de Minas, que é uma cidade nas montanhas, em que tem no máximo 100 mil habitantes, e os presos numa determinada oportunidade se revoltaram e tocaram fogo na delegacia. Todos os presos tiveram que ser removidas para uma cidade vizinha e ao passar do tempo as famílias tinham que se deslocar o tempo todo, o que houve? As famílias se juntaram e juntos com os comerciantes bancaram a construção da cadeia local, e aí esse método APAC que já tinha em SP foi levado pra lá, mas eu já fui lá e os próprios presos é que tomam conta do presídio, você tem uma única funcionária pública porque tem que assinar os documentos relativos aos benefícios, mas desde o porteiro ao diretor do presídio eram voluntários de lá. Então tudo indica, tudo aponta no sentido de pequenos presídios, e aqui no MA nós estamos fazendo do complexo penitenciário de pedrinhas um grande Carandiru. Então não há como respeitar os direitos humanos. Tudo indica, tudo aponta no sentido de pequenos presídios. Aqui no MA nós temos, por exemplo, o complexo penitenciário de pedrinhas que é um grande Carandiru, então não tem como respeitar direitos humanos, não tem como fazer um trabalho de qualidade como a inclusão social. Quanto à omissão do MP, o MP tem várias ações civis publicas ajuizadas tratadas politicamente, não judicialmente. Falando não como promotor de justiça, mas como quem estuda a matéria, na verdade é um grande discurso oficial, o discurso atual do CNJ, de ‘’ começar de novo”, na verdade isso é só discurso, na prática nada disso acontece. A própria sociedade tem essa visão da pena privativa de liberdade como tendo que isolá-los, é apenas a função retributiva da pena, de isolá-los, excluí-los da sociedade. Para ficar de bem com os direitos humanos por pressões internacionais tem que isolar mesmo. Não há nada de importante. Eu acho que tivemos um grande retrocesso, nós tínhamos suma secretaria de justiça no governo de Zé Reinaldo, essa proposta foi apresentada por mim e pelo juiz José Américo Abreu Costa, ele ainda era vice governador quando ele assumiu o governo já eleito ele adquiriu a secretaria de justiça. Já no governo Jackson deixou de existir e voltou a ser secretaria de segurança cidadã e, agora ta havendo movimento de novo nesse sentido e não há como você imaginar uma só estrutura para prender e recuperar. São duas doutrinas diferentes, são dois treinamentos totalmente diferentes. O delegado e o policial civil são treinados para prender e investigar, e o outro que é o agente penitenciário (agente ressocializador), eles tem que receber uma outra educação, uma outra doutrina, um outro treinamento, porque se ele achar que é essa pessoa que tem que prender não vai atender o que determina a lei. Não teria sentido a LEP, eu acho que o grande problema é esse. O MA ainda é um dos pouco estados que continuam com essa estrutura uma, são os processos que complicam tudo. O funcionamento dessa máquina. Ainda com o superlotamento de pedrinhas querem levar o CRISMA para dentro do complexo, um absurdo! Quando entrei como secretário adjunto a CADET tinha 12 agente para segurar quase 1000 presos, e final de semana só ficam eles, porque o pessoal do administrativo sai, então só não toma a CADET quem não quer. O modelo dos estabelecimentos tem que ser forte e de maneira centralizada, porque o preso tem que ta mais próximo ä família, quanto mais próximo melhor. A maioria dos presos vem do interior, a família não tem como ir e voltar o tempo, são presos da classe pobre, então ou eles abandonam seus familiares dentro do presídio ou eles vão ficar naquela redondeza fazendo aquele grande cinturão em torno da penitenciária. Para finalizar, e já dando o meu ponto de vista ä vocês, infelizmente existe uma grande afronta perante a LEP e a dignidade da pessoa humana, o que deve ser tomado uma providencia urgentemente que, na minha opinião, seria a construção de presídios pequenos na cidade e um melhor treinamento aos agentes penitenciários.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anexo IV

- Entrevista com o Sr. Márcio Wendell Ávila dos Reis, diretor administrativo da Casa de Detenção de Pedrinhas – CADET

Alunas: Qual a finalidade da Casa de Detenção, como ela funciona e os tipos de presos que ficam aqui?

Márcio: A Casa de Detenção, a unidade em si, era um anexo da Penitenciária Pedrinhas. Em 2003 ela se tornou uma unidade independente. Desde que ela se tornou independente não tivemos nenhuma rebelião. Era pra funcionar só com presos sentenciados, mas hoje também trabalhamos com presos provisórios, porque hoje para a VEC, se o preso é sentenciado e ele não tem a carta de guia, pro juiz da vara de execução ele é considerado provisório. Então para ele ser realmente sentenciado precisa ter a carta de guia.

Alunas: Mas nós pensávamos que a Casa de Detenção abrigasse presos provisórios e na prática também recebesse sentenciado.

Márcio: Na verdade, hoje as unidades que são para presos provisórios, são a CDP, e as CCPJ, hoje os presídios que abrigam os presos sentenciados são a Penitenciária de Pedrinhas, Presídio São Luís e a Casa de Detenção.

Alunas: Então aqui nunca foi criado para preso provisório?

Márcio: Em si, não. Mas é como tirar uma carteira de habilitação. Quando você esta aprendendo quer fazer tudo certinho, mas quando você vai ver a realidade é completamente diferente da teoria. Na verdade a LEP só existe no papel, porque na realidade do Brasil inteiro e não só aqui no Maranhão, ela é totalmente distorcida do que deveria, da condição dos presos, e não há verba, pois o custo é muito alto pro governo sustentar todos esses presos. Só aqui, para ter idéia, o que pagamos por mês de alimentação dos presos é R$ 230.000,00. Fora o pagamento dos presos que é mais R$ 13.000,00 que vocês sabem que eles recebem 1/3 do salário mínimo para trabalhar. Temos 40 presos trabalhando aqui com a gente, que recebem em torna de R$ 300,00.

Alunas: Qual o trabalho que eles desenvolvem aqui?

Márcio: Olha, eles desenvolvem todo tipo de trabalho, tanto de limpeza e conservação, como trabalho no cartório, na portaria, tem uns que trabalham aqui comigo, basicamente é isso. Isso quem avalia é o próprio diretor, de saber se o preso tem condição de trabalhar solto aqui o dia todo de segunda a sexta. No nosso caso todos trabalham dentro, todos são de regime fechado.

Alunas: E os presos que não trabalham, eles passam o dia fazendo o que?

Márcio: Nada, ficam ociosos.

Alunas: Perdão por voltar ao assunto. Mas foi passado pra gente que aqui era destinado a provisórios e abrigava definitivo, e é ao contrario, certo?

Márcio: Não, no papel seria isso, no início era foi criada para isso, antes de ser independente. Pois como anexo de Pedrinhas, só tinha preso provisório, quando se tornou uma unidade independente, começou a abrigar preso sentenciado.

Alunas: Então quando abriu a CDP, este perdeu a finalidade.

Márcio: Exatamente, este agora é a Casa de Detenção de antigamente, que é a CDP junto com a CCPJ.

Alunas: Então ela perdeu sua função inicial, passando a abrigar mais definitivo do que provisório, é isso?

Márcio: Exatamente.

Alunas: E essa mistura de preso sentenciado com provisório?

Márcio: Olha, é meio complicado. A gente trabalha aqui com quebra-cabeça. É uma mini cidade onde tudo acontece. Ocorre todo tipo de crime que você imaginar.

Alunas: Dos que vem pra cá, a maioria é por qual crime cometido?

Márcio: Tem todo tipo de crime, estupro, assalto, furto, estupro, homicídio.

Alunas: Como eles vêem isso aqui dentro, eles entendem que isso aqui funciona realmente pra eles se restabelecerem?

E qual o nível de reincidência? Ou eles não voltam?

Márcio: Olha, o nível de reincidência é muito alto, por exemplo o oficial de justiça esta ai e vai me trazer um alvará pra esse preso (fala isso apontando para os autos de um processo). Esse rapaz aqui, sentenciado por tráfico de drogas. Acontece muito de tu estar liberando um preso e depois de um mês, dois meses ele esta aqui de novo. Eu acho que se eu for comparar em porcentagem, porque eu não tenho esse dado exato, então não posso garantir, mas seria em torno de 70 a 80 % o índice de reincidência.

Alunas: Na tua avaliação, do que deveria ser e pro que é, esta em quantos por centos?

Márcio: O que funciona eu acho que não da nem meio por cento. (0,5%) Muito pouco.

Alunas: Qual a estrutura daqui?

Márcio: Nos temos só duas alas, com cinco blocos cada, no caso são dez blocos. Cada um desses dez blocos tem dez celas, o que da cem celas por ala, um total de duzentas celas.

Alunas: Quantos por cela?

Márcio: Quando foi criada é para no Máximo 400 vagas. Hoje nos temos 668.

Alunas: Mas você não acha que juntar presos sentenciados e provisórios fere o principio da presunção de inocência?

Márcio: Olha, pra vocês que vêem jornais, que acham que os agentes carcerários são torturadores, hoje a maioria dos agentes são advogados. Na verdade os maiores torturadores são a Justiça.  Hoje nós temos casos em que o preso pegou 3 anos de sentença e ta cumprindo quase 4. E além da pena ele ainda é doido, que tal?

Alunas: Então não seria o caso de medida segurança?

Márcio: E ele vai pra onde? Hoje o Estado, ele não tem hospital de custódia. O Nina Rodrigues só fica com preso se for com uma ordem do juiz dizendo “interna essa cara e pronto”, e ainda depende do médico, porque junto com a ordem judicial o médico tem que da o laudo. E ainda tem o problema da vaga, hoje o pessoal da VEC com o CNJ pediram os dados de quantos doentes mentais, e eles estavam dando ordem obrigando a internarem. Aqui também tem doido, maluco.

Alunas: Qual o critério dos provisórios que vem pra cá?

Márcio: Quando não tem mais vaga nos outros lugares. Aonde tem vaga eles vão colocando. Por exemplo, agora a CCPJ encheu, e eles tão mandando pra cá.

Alunas: Mas aqui tem vaga? Você disse que já estavam muito acima do esperado.

Márcio: Só para você ter idéia já chegamos aqui a 980 presos. Eram 15 presos por cela.

Alunas: Eles tem algum tipo de acompanhamento psicológico?

Márcio: (um riso silencioso quase irônico) Não.

Alunas: A gente aprende que o preso vem pro presídio para pagar por um crime cometido com o intuito de se ressocializar.

Márcio: Na verdade, ressocialização em presídio, no Brasil, é ilusão. Começa pelo próprio juiz, está aqui, o oficial de justiça que sabe. Me responde se o juiz sabe aonde o preso esta? (direciona esta pergunta a um oficial de justiça que estava presente na sala) A maioria não sabe, os oficiais que vêm procurar aonde o preso esta. O próprio juiz que condena não sabe aonde ele bota o preso. A maioria não conhece nem a prisão.

Alunas: Eles não têm controle. Não é isso?

Márcio: Não tem. As vezes eles não têm nem dados, pedem pra gente. Nos somos o executivo, quem tem obrigação de saber o processo do preso é o judiciário. Nos estamos aqui pra custodiar o preso.

Alunas: Tem algum trabalho que seja pra reeducar, que ele possa utilizar lá fora? Tipo oficinas?

Márcio: Para preso fechado não tem. A maioria é pra caso de semi aberto. Aqui não temos.

Alunas: Eles praticam algum tipo de culto?

Márcio: Sim, vou levá-las pra conhecer, temos uma capela e agora inclusive ta tendo um culto.

Alunas: Como funciona a parta de visita íntima? Eles têm?

Márcio: Tem, o preso tem que ser casado ou comprovadamente ter uma união estável. É complicado provar essa união. Normalmente o critério que a gente adota é se tem algum filho. Acontece uma vez na semana.

Alunas: E só tem direito a esse encontra se comprovar a união estável?

Márcio: Olha eu vou te explicar. Pela LEP, o encontro íntimo teria que ser quando o preso fosse casado ou comprovadamente vivesse em união estável. Na prática, acontece assim, tem o bloco 1 e o bloco 2, dia de sábado é do bloco 1, e de domingo do bloco 2. E ai só fica na cela quem vai ter o encontro. Eles chamam de “empanada”, eles cobrem com o pano e ficam lá. Cada um fica com sua mulher na sua suíte, na sua “empanada”. Às vezes ficam oito casais na mesma cela.

Alunas: Qual o tempo de duração?

Márcio: A visita começa das 8 da manhã até as 16:00.

Alunas: Então pode ficar direto esse tempo todo?

Márcio: pode.

Alunas: A gente tava comentando, que normalmente quando a mulher vai presa, o marido esquece e com os homens?

Márcio: Aqui tem é briga por preso. Vou simplificar, o cara foi preso, a Irmã vem visitar e se apaixona por outro preso. Cara tem muito casamento aqui. A mãe do preso se apaixona por outro. Tem briga de mulher aqui que vocês não tem noção.

Alunas: Como acontece os casamentos aqui?

Márcio: Vou levar vocês lá na igreja, mas é normal, tem festa, lua de mel, só não saem daqui.

Alunas: Quando foi a ultima rebelião?

Márcio: Desde que se tornou unidade independente ainda não houve rebelião, desde 2003.

Alunas: Como fica a parte desportiva dele?

Márcio: Banho de sol. Na quadra de esportes. Ai é feito uma triagem e separados os horários pros dois blocos não se encontrarem.

Alunas: E eles ficam andando por aqui?

Márcio: Sim, os que trabalham, os que não trabalham ficam na cela.

Alunas: Aqui tem RDD?

Márcio: Aqui tem RDI, Regime Disciplinar Isolado, castigo, solitária, se chama de tudo isso, mas tem sim.

Alunas: Como acontecem as punições?

Márcio: Como eu falei, aqui acontece todo tipo de crime, tentativa de fuga, tráfico, apreensão de armas artesanais, apreensão de celular, ontem mesmo a gente fez uma apreensão e achamos dois carregadores de celular e armas.

Alunas: Aqui tem alguma oficina pra eles fazerem isso? (Em relação as armas artesanais que ele nos mostrou)

Márcio: Deixa eu te explicar, na verdade eles não tem cama, são blocos de cimento e dentro do cimentos tem esses ferros (aponta para algumas armas artesanais que haviam sido apreendias na manhã daquele dia) que eles arrancam e afiam a ponto, isso aqui é parte da grade e isso de janelinha. Daí eles afiam, passam o dia todo (fala isso fazendo o gesto de afiar faca).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anexo V

- Entrevista com J.I.D – Ex preso provisório na CADET

Foi feita uma entrevista com essa pessoa através apenas de uma simples conversa, pois o mesmo não queria ser filmado, não queria que fizessem gravação de sua voz, assim como também nos pediu que não colocasse seu nome em lugar nenhum do trabalho.

1- Perguntado por qual motivo estava lá, respondeu que:

Estava lá porque havia sido acusado de estar ilegalmente no Brasil (Ele é libanês) e estar portando e utilizando documentos falsos. E também estava sendo acusado de estar contrabandeando computadores e notebooks (Ele possui uma loja de vender produtos de informática). Ele foi pego no aeroporto Cunha Machado com os documentos falsos e com os equipamentos e possuía nota fiscal de todos, porém os policiais que fizeram a apreensão deram um jeito de sumir com as notas fiscais.

2- Perguntado como era o tratamento que os agentes penitenciários e demais servidores públicos que estavam lá davam a ele, respondeu que:

Era muito bem tratado pelos agentes e que ele podia ficar onde quisesse lá dentro a hora que quisesse, isto porque ele pagava para ter essas regalias e recompensava todo agrado que os agentes davam a ele.

3- Perguntado sobre como era o tratamento que os mesmo agentes davam aos outros presos, respondeu que:

Com os outros presos era da maneira “normal” que eles têm o costume de tratar. Tratavam mal mesmo, com xingamentos e, muitas das vezes, até com surras. Mas isso não era com todos, pois os agentes penitenciários tinham medo de alguns deles.

4- Perguntado sobre ele era tratado pelos presos, respondeu que:

Quando chegou, alguns presos os viam com olhares estranhos e como o mesmo tinha medo que algo acontecesse com ele, então teve que dar um tênis no valor de mais ou menos R$ 800,00 a um dos presos, deu calça jeans de valor estimado em R$ 2.000,00 a outro, e também dava pequenos agrados a um e outro para que ele pudesse ficar tranqüilo. Disse que o preso que recebeu o tênis era como o “líder” de lá e que o mesmo falou para os outros ouvirem em alto e bom som: “Se alguém mexer com esse aqui (disse isso apontado para o entrevistado) vai levar UM ANO!”, um ano era como o preso que era o “líder” se referia a 365 facadas.

5- Perguntado como era o ambiente, respondeu que:

A cela que ele estava era limpa, tinha as paredes pintadas e o banheiro reformado, isto porque o mesmo pagou pintores e pedreiros, que eram presos também, para pintar e reformar o quarto que estavam. A cela era limpa porque o entrevistado pagava diariamente um dos presos para arrumar e limpar. Que tinha televisão, DVD, ventilador e a cama que ele dormia tinha um colchão novo porque ele havia comprado. Disse que parecia até um quartinho de hotel.

6- Perguntado quantos presos estavam com ele na cela, respondeu que:

Eram quatro.

7- Perguntado sobre como eram as outras celas, respondeu que:

Eram sujas, cheirava muito mal, que tinham celas que havia pessoas aglomeradas e que muitas das vezes os presos recebiam visitas de ratos. Os ratos apareciam inclusive na dele que era limpa e arrumada.

8- Perguntado sobre como era a comida que era fornecida, respondeu que:

Nunca comeu lá, mandava comprar fora.

9- Perguntado qual era a reclamação dos outros presos em relação a comida, respondeu que:

Eles diziam que a maioria das vezes a comida não era boa, mas a reclamação maior é que era muito pouca, tanto no café da manhã, no almoço ou no jantar.

10- Perguntado sobre quanto tempo passou lá, respondeu que:

Não foi muito tempo, algo em torno de 15 a 20 dias. Contou-nos também que para sair de lá criou um time para jogar futebol na quadra e inventou que tinha torcido o pé. Foi levado a enfermaria e dizia que o pé estava doendo muito, para que pudessem levá-lo a um hospital. E assim foi feito, isso com ajuda de alguns dos agentes, que faziam isso mediante pagamento. Foi encaminhado para o hospital Santa Casa e por lá permaneceu, sempre com um guarda vigiando na porta, até conseguir o habeas corpus e ficar livre.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anexo VI

- Entrevista com a Sra. Maria da Conceição de Jesus, mãe do ex-presidiário William da Conceição de Jesus

Maria da Conceição de Jesus, mãe do ex-presidiário William da Conceição de Jesus, menor de idade, condenado que passou um tempo na Casa de Detenção. Entrevista concedida por telefone.

1- Perguntada sobre o motivo pelo qual seu filho estava preso, respondeu que:

            Foi por homicídio.

2- Perguntada quantos anos ele pegou, respondeu que:

            3 anos

3- Perguntada o motivo pelo qual pegou só 3 anos, visto que o crime de homicídio tem uma pena maior, respondeu que:

            Ele pegou somente 3 anos porque a época do fato era menor de idade.

4- Perguntada porque ele estava preso com pessoas maiores de idade, respondeu que:

            Inicialmente ele estava no local onde devem ficar os menores infratores, porém durante o curso de sua medida sócio-educativa completou 18 anos e assim transferiram ele pra Casa de Detenção. Disse também que quando fizeram isso com ele, ela procurou diversas vezes o juiz da execução para que o colocasse no local devido. E após um tempo ela conseguiu.

5- Perguntada quanto tempo seu filho passou na casa de Detenção, respondeu que:

            Passou 3 meses.

6- Perguntada sobre qual era o tratamento que os agentes davam para o seu filho, respondeu que:

            Os agentes tratavam muito mal, xingavam. Mas que seu filho nunca chegou a apanhar deles.           

7- Perguntada sobre como os agentes tratavam os outros presos, disse:

            Mal também, disse que os agentes não tratavam ninguém bem.

8- Perguntada sobre seu filho era tratado pelos outros presos, respondeu que:

            Que pelos seus companheiros de cela era tratado bem, e também pelos do seu bloco. Mas tinha uma certa rivalidade entre as pessoas de blocos diferentes. Contudo, durante o tempo que passou lá nunca houve nada demais.

9- Perguntada sobre como era o ambiente, respondeu que:

            O ambiente era muito sujo, fedorento, péssimo. Disse também que os agentes não era fornecido material de higiene e limpeza, e nem permitiam que os familiares levassem algum. Falou ainda que tinham muitos ratos, baratas, mas que os ratos apareciam mais a noite.

10- Perguntada sobre quantos presos tinham na cela com ele, respondeu que:

            Eram 9, com seu filho totalizava 10.

11- Perguntada sobre com era a alimentação, respondeu que:

            A comida era péssima, que muitas vezes cheirava mal. Disse que havia dias em que a comida era azeda, vinha estragada. Quando era assim, eles não podiam comer e ficavam com fome, porque não era fornecida uma boa no lugar da ruim.

12- Perguntada como era nos dias de visita, respondeu que:

            Era tratada bem pelos agentes penitenciários. E que passava por uma revista “muito doida”, tinha que tirar a roupa, ficar totalmente pelada, abaixar e levantar várias vezes. Revistavam também tudo que ela levava. Informou-nos que essa revista era feita por uma mulher.

13- Perguntada se depois de solto ele voltou a delinquir, respondeu que:

            Não voltou a cometer crimes, que hoje trabalha como caseiro em um sítio e mora no mesmo. Ela acredita que seu filho foi ressocializado.

 

 

 

Anexo VII

 

- Dados fornecidos pelo Diretor Administrativo da Casa de Detenção

 

CASA DE DETENÇÃO - 20/05/10

N° DE AGENTES MASC: 22

N° DE AGENTES FEM: 08

N° DE AD. QUE TRABALHAM COMO AGENTES:  21

N° DE MÉDICO: 01

N° DE ENFERMEIRO(A): 01

N° DE AUX. DE ENFERMAGEM: 06

N° DE ASSISTENTE  SOCIAL: 01

N° DE PRESOS EXISTENTES: 668

N° DE PRESOS PROVISÓRIOS: 517

N° DE PRESOS CONDENADOS: 151

CAPACIDADE DA UNIDADE: 400

N° DE SERVIDORES QUE TRABALHAM DA ADMINISTRAÇÃO: 22

N° DE PRESOS QUE TRABALHAM: 44

 

FUNÇÃO DOS INTERNOS:

 

BOMBA: 04

ELETRICISTA: 01

PORTEIROS: 06

AUX. ADMINISTRATIVOS: 02

CARTÓRIO: 03

CADASTRO: 03

AUX. DO DIRETOR: 01

ENFERMARIA: 02

CAZINHA: 03

LIMPEZA E CONSERVAÇÃO: 19

 

 

 

Anexo VIII

 

- Mapa da Casa de Detenção de Pedrinhas

 

[1] MACHADO, Vitor Gonçalves. Considerações sobre os princípios informadores do direito da execução penal. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14432> Acessado em: 27 de maio de 2010.

 

[2] Ainda assim, ao nosso ver, está sendo respeitado o princípio da Intranscendência, pois o patrimônio que está sendo atingido é somente o patrimônio que pertencia ao condenado. Não entra aqui o patrimônio particular de cada herdeiro.

[3] WACQUANT, Löic. As prisões da miséria. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2001, p. 11.

[4] Tais dados foram retirados do site http://www.sindspem-ma.com.br/arquivos/file/folder_historico_dos%20presidios.pdf acesso em 22/05/2010.

[5] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, 2007, p.                           

[6] BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao Direito Penal; p. 21 a 29

[7] ANDRADE, Vera Regina Pereira. Sistema Penal X Cidadania Mínima, 2003, p. 26.

[8] Idem, p. 27.

[9] MARCIAL, Fernanda Magalhães. Os direitos humanos e a ética aplicada ao sistema penitenciário, 2003, p. 01.

[10] Idem.

[11] Idem.

[12] Idem.

[13] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, 2003, p. 25.

[14] Trecho de Entrevista: Juiz da 2° Vara de Execuções Penais.

[15] PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, 2004, p. 144.

[16] ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro – I, 2003, p. 138.