Carandiru
Por Dan DP | 24/07/2008 | SociedadeCarandiru
Carandiru é uma sociedade na qual impera a auto-tutela, a lei do mais forte. Constituída por
delinqüentes cuja formação psíquica, moral, religiosa, didática e
profissional foi por eles mesmos negligenciada sob o aval indireto ou
direto de suas próprias famílias e do poder público, sobrevive no interior do presídio de mesmo nome – o maior da
América Latina - no seio da sociedade civil paulistana do final da
década de 1980 e início da década posterior. Ali habitam toxicômanos,
homicidas, latrocidas etc..
A violação da norma se converte em
fator intrínseco, paradigma subjetivo de sua conduta. A incompetência
administrativa do então Governo do Estado de São Paulo agrava a
precariedade do sistema carcerário que se reflete sob a forma das constantes rebeliões, do tráfico interno de drogas, da proliferação acelerada do vírus HIV
diante do olhar analítico e por vezes paternalista – por força da
circunstância - do médico Dráuzio Varela, responsável pelo tratamento
da saúde dos detentos.
É por meio do livro Estação Carandiru, de sua autoria, convertido em
filme pelo cineasta Hector Babenco, que se nos mostra o cenáriounderground
do sombrio universo carcerário nacional. Palco das maiores injustiças,
Carandiru abrigou gerações de brasileiros vivendo à margem da
sociedade, no ócio diário, responsável pelo aumento da violência
interna que estabelece a pena de morte para estupradores, dependentes
químicos endividados e traidores. São vidas que carregam nítidos traços
de ódio e violência, fruto em grande parte, da vergonhosa desigualdade
social e de famílias problemáticas.
A sociedade carcerária domiciliada no Carandiru era composta por filhos
abandonados pelas mães, por ladrões de joalheria, por traficantes,
todos. vivendo voluntariamente do crime. Carandiru abre espaço para
muitas discussões de cunho sociológico, jurídico, político entre outros
Mostra-nos não apenas o talento de um escritor ,de um cineasta e dos
atores , mas principalmente como funciona o sistema carcerário
brasileiro: mal administrado de forma proposital para facilitar a fuga
de presos ricos como traficantes e estelionatários, permitindo desta
forma a continuidade do tráfico, da prostituição, do crime. Nos
presídios do Brasil, tais criminosos são apenas visitantes, pois a
existência de um sistema jurídico mal resolvido, assim o permite:
condena-se a uma pena desproporcional aquele que mata para se defender
(Deusdete), mas absolve-se aquele que mata dezenas ou até mesmo
centenas de pessoas; vide o próprio Coronel Ubiratan, responsável pelo
massacre no qual morreram 111 presos. (Interessante notar que o número
de campanha para sua reeleição ao
cargo de deputado estadual era 14111 ou seja, 111 foi o saldo de presos
mortos quando da invasão ao presídio há 14 anos atrás!).
As práticas homossexuais no interior do Carandiru eram exercidas com
liberdade e consideradas "necessárias" devido ao fato de os encontros
íntimos entre os presos e suas esposas ser permitido somente em dias de
visita. Assim, o homossexual era tratado como uma mulher real,
transfigurando-se, "casando-se" - confirmando a nova tendência.
O problema do vírus HIV e DST's constituiu-se em grande barreira para o
trabalho do doutor Varela. Devido à ignorância dos detentos, sua
proliferação se deu em grande escala arrebatando vítimas de todas as
idades frente ao uso compartilhado de seringas e o sexo sem
preservativo. Na falta de enfermeiros qualificados,Varela não pôde
dispensar o auxilio de pseudo-enfermeiros, toxicômanos, sob o efeito
do crack, em meio às pragas urbanas tais como ratos e baratas.
O tráfico interno de drogas dá-se a partir do tráfico externo elevando o traficante ao posto de nobreza, uma verdadeira "majestade",
com o poder de tirar a vida ou conservá-la , de acordo com seu desejo
"real", comportamento que nos remete ao Zebedeu, de Walter Avancini, em"Mandacaru". Às vezes desastrado, outras sarcástico
e cruel, manipula a vontade alheia, condicionada ao vício em
narcóticos, para "limpar a própria barra", como no episódio em que o
surfista viciado em crack, Ezequiel, é coagido a assumir a culpa pela
morte de Zico em troca de porção diária de crack
*A invasão ao Pavilhão 9 deu-se no dia 2 de Outubro de 1992 com
autorização do Governador Luís Antônio Fleury Filho, por meio do
Secretário de Segurança Pública, Pedro Campos Franco e do Coronel
Ubiratan Guimarães, comandante metropolitano. Relatos mostram que houve
submissão por parte dos detentos à PM De nada valeram os lençóis
brancos amarrados às panelas e cabos de vassouras num pedido de paz. A
cena do crime foi modificada pela PM, dificultando o trabalho técnico
da perícia. 325 policiais entraram sem seus crachás de identificação.
*Fonte: www.dhnet.org.br grifo acrescentado
Daniel Elias (sarcas)