CARACTERIZAÇÃO DA NARRATIVA em O CORTIÇO

Por Geraldo Gerraro Goulart | 12/08/2010 | Literatura

O CORTIÇO - Caracterização da Narrativa, levando em conta os recursos literários utilizados para construí-los e sua possível relação com as propostas de Emile Zola.

Em O cortiço o caráter naturalista imposto pelo autor nos leva a testemunhar um narrador onisciente e onipresente que numa narrativa em terceira pessoa dá ao leitor uma visão crítica e pessoal dos fatos. O narrador ao adaptar-se á idéia do chamado "pacto ficcional" expõe detalhadamente as manifestações dos sentimentos humanos como raiva, frustrações, sensualidade, religiosidade, as opções sexuais e os sentimentos passionais das personagens.

Aluísio Azevedo, metaforicamente, retrata o Brasil do final do século XIX evidenciando em O cortiço, noções cientificas do evolucionismo como a seletividade e a adaptatividade do indivíduo. Mostrando ações de competição dos mais fortes entre si (Romão e Miranda) e entre estes e os mais fracos (Romão e Bertoleza) empurrando mais para baixo a camada de miseráveis, composta de brancos, escravos e mestiços.

Em O cortiço nos é exposto, pelo narrador, uma imagem da degradação social representada pela miséria material e humana. Estas são fortes características do naturalismo tão evidente na época.

O cortiço nos dá a visão de um micro universo onde se encontram os excluídos que não se misturam com os nobres, cada um tendo seus problemas e seus vícios decorrentes do meio em que vivem.

O autor usa, na obra, recursos da teoria determinista que defende que o meio, o lugar e o momento influenciam o indivíduo. Isso é claro, na mudança de comportamento do personagem Jerônimo. A transformação de Jerônimo de um indivíduo trabalhador e honesto em um homem preguiçoso e assassino (AZEVEDO, Aluísio de. O cortiço. 5. ed. São Paulo: Ática 1977. 116, 117). Segue-se a ele, Pombinha. A personagem se corrompe devido ao lugar e meio onde vive, mostrando claramente a característica forte do Naturalismo, e do Determinismo que defende que o individuo é produto do meio em que vive. Também é presente no romance, idéias do evolucionismo sob o aspecto cientifico.

O narrador, muito próximo das personagens, nos descreve um lugar, O cortiço, onde se desenvolve a promiscuidade tão natural ao naturalismo e distante do romantismo. A narrativa nos descreve ainda O cortiço como uma personagem personificada, que é tratado em alguns trechos como personagem único representando uma coletividade. Encontramos ainda o uso de Zoomorfismo baseado nas idéias de Emile Zola onde o narrador faz a comparação das personagens com animais. Ele explicita a animalização do ser humano movido pelo instinto e o desejo sexual.

O narrador acentua a degradação dos indivíduos aproximando-os de animais, dando a eles apelidos "Leandra com ancas de animal do campo" "Neném como uma enguia" os personagens também se xingam com nomes de animais "cão" "vaca" "galinha" "porco" o narrador usa um apelido de caracterização zoomórfica das criaturas, nivelando-as por baixo.

O Cortiço segue as regras do materialismo que tem, em Emile Zola, seu grande mestre. E como define Coutinho:

O naturalismo acentua as qualidades do realismo, acrescentando uma concepção de vida que a vê como o intercurso de forças mecânicas sobre os indivíduos, resultando os atos, o caráter e o destino destes da atuação da hereditariedade e do ambiente. O espírito de objetividade e imparcialidade científico faz com que O naturalista introduza na literatura todos os assuntos e atividades do homem, inclusive os aspectos bestiais e repulsivos da vida, dando preferência às camadas mais baixas da sociedade. (COUTINHO, Afrânio, Introdução á Literatura no Brasil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil. 2005. 181).

O romance de Aluisio Azevedo, O Cortiço, faz uso das teorias cientificas em destaque na época tais como: O fatalismo o Darwinismo e o determinismo de Taine, que afirmavam ser o individuo produto do meio em que vive, da raça e do momento histórico.

Concluindo que tudo é determinado por variantes biológicas. O ambiente ocupa uma posição de onipotência sobre o individuo e que "Este individuo é parte integrante da ordem natural, e seu corpo tanto quanto seu espírito se desenvolve e atua debaixo de seu condicionamento total e inevitável". (COUTINHO, Afrânio, Introdução á Literatura no Brasil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil. 2005. 181).

Segundo o Darwinismo, uma sociedade ideal e perfeita é aquela que tem como base a concorrência entre indivíduos, onde só os mais aptos sobrevivem. A narrativa do romance segue essa teoria quando narra a divisão no cortiço São Romão fazendo nascer outro cortiço (o cabeça de gato) e quando narra, posteriormente, a disputa entre estes cortiços. Esta teoria é clara também na disputa de poder entre o Personagem Miranda e o Personagem Romão.

Outra característica marcante do romance é a descrição detalhada da vida no cortiço, o que dá ao leitor uma idéia de realidade quando nada mais é do que uma ilusão daquilo que parece real. A narrativa choca o leitor pela frieza dos detalhes presentes nela. Principalmente por expor as mazelas, os vícios e miséria de um grupo social. Neste caso, o romance causa um impacto intencional fazendo um apelo social fortíssimo e envolvendo o leitor numa cumplicidade. Onde o objetivo, é levá-lo a um sentimento de moralização das ações ocorridas no romance, trazendo-as para realidade dele.

O narrador tem a capacidade de explicar detalhadamente cada cena, cada ambiente que apresenta ao leitor de forma a pintar um quadro diante deste leitor. É meticuloso no detalhamento das relações pessoais entre os personagens, como a iniciação sexual de Pombinha (Pg. 93) a descrição física de Zulmira (p.28. 2°, 4° parágrafo); a descrição da gula do velho Libório num jantar (p. 52, 53).

Este detalhamento é típico da narrativa naturalista / materialista que se preocupa em descrever até o descolorido das pedras do pátio onde as lavadeiras lavavam suas roupas.

São descrições cruas, sem enfeites, diretas (o narrador dá logo o recado sem muitos floreios) é, portanto, uma descrição mais "pé no chão" mais realista e não tão idealizadora nem sonhadora como a descrição presente no Romantismo.

Caracterização das personagens principais, levando em conta os recursos literários utilizados para construí-los e sua possível relação com as propostas de Emile Zola.

1 - João Romão.
Homem de origem portuguesa, homem ambicioso que era, ajuntava dinheiro à custa de penosos esforços, andava sempre em mangas de camisas sem domingos, feriados ou dias santos, comia do resto que sobrava, dormia em cima do balcão da venda e tinha por travesseiro um saco com capim.

2 ? Bertoleza.
Ex-escrava que Romão fingiu libertar para explorar dela o trabalho e o corpo morava com João Romão servia-lhe de escrava em todos os sentidos, trabalhava de sol a sol sem descanso é era usada por Romão como uma espécie de "degrau" que este usa para subir na vida, aumentando seu rendimento, pois, tinha mulher e empregada de graça, dia e noite.

3 ? Miranda
Era um português que não se dava bem com sua mulher de vida irregular, mas não separava dela por causa do dinheiro que ela tinha, dependia financeira e sexualmente dela apesar de odiá-la.

4 ? Machona.
Uma mulher lavadeira que morava no cortiço tinha filhos sendo cada um diferente do outro, no que os moradores do cortiço julgavam ser cada um de um pai diferente.

5 ? Albino.
era um sujeito magro e afeminado fraco e que era confidente das mulheres do cortiço, gostava de beber e danças carnaval.

6 ? Botelho
Morava com o Miranda e tinha lá seus setenta anos. Era considerado antipático pelos moradores, o cabelo era duro e branco como uma escova tinha uma cara macilenta e expressão de abutre.

7 ? Rita Baiana.
Mulata fogosa gostava de dançar, sensual, morava com o Firmo e o trocou por Jerônimo, provocando entre os dois uma enorme briga o que causou a morte do Firmo pelo Jerônimo.

8 ? Jerônimo
Um português casado com uma mulher de nome piedade veio para o cortiço trabalhar para João Romão como uma espécie de capataz na pedreira. Sujeito honesto, homem de família, bom trabalhador, mas que depois de conhecer a Rita Baiana fica preguiçoso, abandona a mulher Piedade e acaba por envolver-se numa briga com o homem da Rita, matando-o numa emboscada por vingança.

Geraldo Goulart ? 2009. gerrarogoulart@ig.com.br

AZEVEDO, Aluísio de. O cortiço. 5. ed. São Paulo: Ática 1977.