Capacidade para os atos de empresa

Por Bruno Henrique de Oliveira Coqueiro | 22/06/2018 | Direito

SINOPSE DO CASE – Capacidade para os atos de empresa¹

 

Bruno Henrique de Oliveira Coqueiro²

Daniel Almeida Rodrigues³

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

 

Jorginho, com 16 anos de idade recém completados, sempre demonstrou habilidades para consertar as coisas. Inicialmente, seus brinquedos, alguns utensílios domésticos de seus pais etc. Na adolescência, seu interesse se voltou para a mecânica de bicicletas, primeiramente as suas, que mais que pedalar, curtia desmontar e remontar, fazendo alterações estéticas e de componentes mecânicos que aperfeiçoavam sua magrela. Tal habilidade logo despertou o interesse de seus colegas de rua que queriam otimizar e ou personalizar suas bicicletas. Atendendo aos pedidos, passou a prestar serviços para diversas pessoas.  

Com tino comercial, percebeu que poderia fazer uns bons trocados com aquela atividade e montou uma oficina no fundo da garagem de seu pai. Muito solicitado, ampliou os negócios, alugando uma loja na mesma rua onde morava, transferindo para lá suas atividades, passando a, além de prestar serviços de revisão e conserto, vender peças e bicicletas novas e usadas.  

De uma brincadeira, Jorginho estabeleceu-se comercialmente, atividade econômica através da qual não apenas estabeleceu o próprio sustento, como passou a ajudar nas despesas de casa.  

Além de tino comercial, Jorginho mostrou-se um cabra arretado, e viu em uma licitação de seu município uma grande oportunidade. O objeto da licitação era a venda de bicicletas e prestação de serviços de manutenção das mesmas. Tal aquisição pela municipalidade objetivava equipar seus servidores para que estes pudessem borrifar produtos de combate ao mosquito da dengue.  

Muito eficaz, e com preços bastante competitivos, Jorginho participa e vence a licitação, contrato esse que lhe renderá um grande salto em seu faturamento.   

Inconformado, o segundo colocado impugnou administrativamente o certame, ao argumento de que Jorginho era menor relativamente incapaz, e como não estava devidamente assistido por seus pais, deveria ser desclassificado, repassando-lhe o contrato com a municipalidade.

Dado o caso, deve-se supor ser um advogado e julgar quais argumentos de defesa e fundamentação legal utilizaria para defender a validade da participação de Jorginho na mencionada licitação?

 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

 

2.1 Descrição das decisões possíveis

 

2.1.1 A participação de Jorginho na licitação é válida.

2.1.2 A participação de Jorginho na licitação não é válida.

 

2.2 Argumentos Capazes de fundamentar cada decisão:

 

2.2.1 Defesa da validade da participação de Jorginho na licitação

 

A alegação do segundo colocado da licitação, o qual afirma que o vencedor, Jorginho, trata-se de um menor relativamente incapaz é inválida. Realmente, no art. 4/CC, apresenta que maiores que 16 e menores que 18 são relativamente incapazes, entretanto, o parágrafo único do art. 5/CC apresenta a possibilidade de cessar a incapacidade para menores.

“V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria” (BRASIL, Código Civil, 2002).

De acordo com esse inciso Jorginho conquistou sua emancipação através do estabelecimento de comércio e por possuir economia própria. Tornando-o capaz de exercer os direitos concedidos à maioridade, o que não torna necessário a assistência de seus pais e que também invalida a alegação do segundo colocado. A participação de Jorginho no concurso da licitação é legal.

2.2.2 Defesa da impugnação administrativa do certame contra Jorginho

Para defender a impugnação administrativa, primeiramente deve-se entender quem pode exercer a atividade de empresário, segundo o art. 972 “Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos” (BRASIL, Código Civil, 2002). Jorginho não possui pleno gozo da sua capacidade civil, pois trata-se de um menor relativamente incapaz (art. 4/CC) e portanto não pode exercer a atividade empresária.

Há uma exceção para essa situação, de acordo com o art. 974 “Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança” (BRASIL, Código Civil, 2002). Porém, Jorginho não se enquadra nesse artigo, a empresa não adveio de uma herança e sim foi começada por ele próprio.

2.3. Descrição dos Critérios e Valores (Explícitos e/ou Implícitos) Presentes em Cada Decisão                                                                                                                          

2.3.1 Legalidade:Característica, particularidade ou estado do que é legal; que está em conformidade com a lei; legitimidade. Jurídico. Que está de acordo com o direito; que se encontra em conformidade com a lei; juridicidade.Reunião daqueles que apoiam ou aprovam um governo legal..

2.3.2.Incapacidade: Falta de capacidade; falta de aptidão, de habilidade; inaptidão.
Dir. Falta de aptidão legal para gozar de um direito ou exercê-lo sem assistência ou autorização: a incapacidade dos menores ou dos interditos foi estabelecida com o fim de os proteger.

3 QUESTÕES SECUNDÁRIAS

3.1 Jorginho pode ser enquadrado como empresário? Fundamente.

O art. 966/CC traz o conceito legal de empresário

Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (BRASIL, Código Civil, 2002).

Considerando o conceito proposto pelo código, e tendo em vista a atividade econômica de Jorginho, ele pode sim ser enquadrado como empresário. Lembrando que o termo técnico de empresário e diferente do usado cotidianamente.

Em termos técnicos, contudo, empresa é a atividade, e não a pessoa que a explora; e empresário não é o sócio da sociedade empresarial, mas a própria sociedade. É necessário, assim, acentuar, de modo enfático, que o integrante de uma sociedade empresária (o sócio) não é empresário; não está, por conseguinte, sujeito às normas que definem os direitos e deveres do empresário (COELHO, p.94, 2012).

3.2 Como se operacionaliza o suprimento da incapacidade de menor com 16 anos completos, que se estabeleça comercialmente, por seus próprios esforços?

Através da emancipação, apesar de ter 16 anos e teoricamente deveria ser relativamente incapaz, graças a seu estabelecimento comercial e sua independência financeira sua incapacidade é cessada, passando a ser apto e capaz à prática de todos os atos da vida civil.

3.3 A capacidade para ser empresário se difere da capacidade para ser sócio de sociedade empresária?

Sim, para torna-se empresário e ser sócio de sociedade empresária, é necessário alguns requisitos distintos. Para ser empresário por exemplo, é mais restringível, é necessário ter capacidade de fato, o que engloba vários quesitos, inclusive a questão financeira. Já para ser sócio de sociedade empresária é mais fácil, cabível a qualquer pessoa natural.

3.4 Caso Jorginho, ao invés de ter se estabelecido por seus próprios esforços, tivesse herdado uma atividade empresária, ele poderia atuar independentemente de estar assistido?

Não, como foi exposto, o art. 974 CC deixa claro que o relativamente incapaz, só poderá atuar mediante representante ou devidamente assistido.

3.5 Qual o sentido do tratamento legal diferenciado nessas duas situações?

O sentido do tratamento legal diferenciado nessas duas situações é o princípio da preservação da empresa.

os sócios devem sempre analisar, e tentar solucionar os problemas existentes, que possam comprometer a atividade econômica da empresa.

Esse principio, não veio para proteger ou "passar a mão na cabeça" de empresa alguma, e sim para resguardar os interesses de todos os envolvidos com aquela empresa.(REFERENCIA BOLETIM JURIDICO)

3.6 No caso de um menor que herda atividade empresária, o que vem a ser o patrimônio de afetação/afetamento e qual o seu objetivo?  

O patrimônio de afetamento, é aquele herdado, difere do patrimônio pessoal. O objetivo do patrimônio deafetação/afetamento é proteger os bens do indivíduo que não possuem ligação com a empresa. Nesse caso, se o progenitor tivesse deixado dívidas, o patrimônio de afetação é que seria utilizado para o pagamento, protegendo então o patrimônio pessoal adquirido antes da herança.

REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2012. vol. 1

http://www.dicio.com.br/legalidade/

http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=941

BRASIL. Código Civil, 2002. In: VadeMecum Saraiva. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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