CANDOMBLÉ

Por Mario Luis da Silva | 11/10/2013 | Religião

CANDOMBLÉ

 

            Quem fala aqui para vocês, não é apenas o cidadão Mario Luis da Silva, Consultor de RH e pós-graduando em Gestão Estratégica de Negócios; é também e principalmente o Ogã Mario de Ogun, cujo nome religioso é Ogun Milawure, Axogun do Ile Iya Mi Osun Muiywa, Presidente do Conselho Deliberativo do Afoxé Filhos da Coroa de Dadá, palestrante e pesquisador da cultura e religião yoruba e articulista do Jornal Tribuna Afrobrasileira, o jornal mais antigo das religiões afro no estado de São Paulo, ainda em atividade.

            Isso não é um caso de dupla personalidade, é a necessidade que um afrorreligioso tem, para que possa exercer a sua atividade laboral, sem ser perseguido ou impedido.

            Passaram-se 125 anos da abolição e nós ainda não podemos nos expressar da forma que queremos. Precisamos usar de subterfúgios para podermos garantir direitos mínimos de existência, às vezes tendo que negar a própria fé!

            Acho imprescindível que tenhamos o dia 13 de Maio como referência de luta, não só pelos direitos de inserção social, nos negado até hoje, como também pelo respeito religioso, sim respeito, pois tolerância é intrínseco de um Estado laico!

            Laicidade não é aquilo que alguns líderes de igrejas eletrônicas propagam pelos seus programas e redes sociais. Estado laico é aquele em que a religião não se intromete nos assuntos da cultura e da política de uma nação. Insígnias e feriados não descaracterizam a laicidade, afinal somente os ateus não têm religião.

            Porém, aqui no Brasil como tudo é distorcido, políticos religiosos tentam legislar baseados em seus princípios religiosos, disfarçados em proteção ambiental e princípios familiares.

            Desde a invasão das terras africanas, e o consequente sequestro e escravização do seu povo, o cristianismo vem tentando descaracterizar a identidade da sua cultura e religião.

            Primeiro foi o paganismo, depois o politeísmo, a demonização de Exú e agora o sacrifício religioso.

            Passaram a ideia de que éramos pagãos, contudo temos uma cerimônia de batismo, o Ikomojade (cerimônia de dar o nome), que determina o nome e o destino da criança, inclusive aquilo que ela pode ou não fazer, comer, vestir, e até mesmo a melhor profissão; ficando sob a responsabilidade dos pais a orientação da criança, até a fase em que ela já consegue entender as diversas situações da sua vida.

            Somos monoteístas, pois Olodunmare, o Senhor dos Caminhos do Homem sobre a Terra, o Senhor de tudo e de todos, ao conceber o mundo, o fez para que o ser humano fosse feliz, por isso, cria os orixás que funcionarão como reguladores desta união: criação e criatura. Ou como eu gosto de dizer, os orixás são os gerentes de Olodunmare.  Porém, Olodunmare, dá ao ser humano o direito de conduzir a sua vida, aquilo que chamamos de livre arbítrio.  

            Mas, na sua infinita bondade oferece recursos que, mesmo o ser humano saindo do seu caminho, daquilo que lhe foi predestinado no batismo; trilhando um caminho ruim; poderá recorrer à religião, através de rituais para Exú, Ori.e Eledá – que é o orixá que rege a vida do ser humano.

            Mesmo aqueles que já nasceram com destino ruim, por intermédio desta tríade - principalmente por Ori - poderão transformar as suas vidas positivamente.

            Mas, antes de tudo há Exú!

            Força propulsora e dinamizadora da Terra. O “indulgente filho do Senhor”, como é chamado em terras yorubá.

            Aquele que pela sua grandeza, o invasor dominador, por não entender essa grandeza de ser o sim e o não; o positivo e o negativo; a vida e a morte; o ontem e o amanhã; o passado e o futuro, e por ele ter como símbolo um falo, o associaram ao diabo cristão - que não existe na cultura yorubá – afinal, é comum demonizar aquilo que não se entende.

            Um verso de Ifá diz: “... Exú mata um pássaro ontem, com a pedra que atirou hoje...”.

            É ele quem leva os pedidos feitos pelo ser humano para os orixás, aos pés de Olodunmare!

            Sem Exú não se faz nada! Primeiro a ele! Para que possamos ter bons resultados aos nossos rituais! Louvar Exú antes de sair de casa, é um dever de quem é de candomblé!

            Segundo a filosofia yorubá, é o ser humano quem escolhe o seu destino na terra.

            “Ori eni ní uni j’ oba”, a cabeça de uma pessoa faz dela um rei! Esse provérbio yoruba já nos dá a ideia de quanto é importante o Ori (cabeça) para o ser humano.

            Segundo a filosofia religiosa yoruba, é o ser humano quem escolhe o seu Ori antes do nascimento, junto à Ajalá, o orixá funfun responsável pela modelagem da cabeça. É na cabeça do ser humano que está contido o seu destino.

            A escolha é livre! Pode-se escolher um Ori rere (Ori bom) ou um Ori burukú (Ori ruim), contudo, Olodunmare na sua infinita bondade, concede ao ser humano, mesmo ele tendo escolhido um ori ruim, a oportunidade de ter uma vida boa (afinal, o ser humano está na terra para ser feliz), através do ritual do Bori (oferenda a cabeça).

             Esse ritual é propiciatório e serve para recolocar o ser humano no caminho correto do seu destino, ou poderá transformar um destino ruim em bom. Como?

            Anteriormente comentamos sobre a cerimônia de dar o nome, o batismo, momento em que se conhece qual o destino da criança, o que ela pode comer, vestir, etc...,

E baseado nesse conhecimento, é determinado o que se vai oferecer ao Ori da pessoa.

            Aos gerentes de Olodunmare, os Orixás, que chegam ao ser humano através da natureza, como: terra, fogo, ar e água, são aqueles que têm a função de equilibrar o ser humano.

            Enquanto Exú e Ori estão intrínsecos no ser humano, e são cultuados desde o seu nascimento, o Eledá (o orixá de cabeça) é cultuado comumente de forma coletiva e vem a complementar o conjunto de recursos dados por Olodunmare, para a felicidade do ser humano.

            Elementos da natureza como o mineral, vegetal e o animal, são utilizados no culto, a fim de ajudar a busca da felicidade pelo ser humano. Todos esses elementos passam por um processo de sacralização, através de rezas (oriki e adura), e cantigas (orin), sem o qual não há como serem utilizados.

            Uma questão contemporânea tem chamado atenção de políticos, mídia e protetores de animais, é o sacrifício animal nos terreiros afrorreligiosos!

            Sem o sacrifício animal não a iniciação, sem iniciação não há continuidade da religião. Cada animal sacrificado tem um sentido para sê-lo.

            Olodunmare cria o animal para servir o homem, desde a sua alimentação física, quanto a espiritual, por isso o sangue animal tem tanto valor para a religião.

            O racismo é tão latente nessa questão, que os legisladores enxovalham as casas legislativas de projetos de lei e PEC’s, porém sem observar que, poderão causar um grande impacto econômico nas exportações de carnes brasileiras, pois, os países do Oriente Médio só consomem carne, sob sacrifício religioso.

            E se eles têm realmente algum tipo de preocupação com o sofrimento animal, deveriam atuar em cima dos matadouros dos frigoríficos, já que, estes sim, maltratam animal. Já viram como matam bovinos, suínos e galináceos?

            Quem come baby beef, come carne de bezerro anêmico; quem come carne de vitela, come carne de feto abortado e somos nós afrorreligiosos que maltratamos animais?!

            Mesmo com toda a crueldade da diáspora africana, principalmente por causa da catequização cristã da sua gente, os negros que vieram para o Brasil conseguiram manter viva a sua identidade através da sua religião, a qual hoje a represento neste fórum, constituindo sem sombra de dúvida nenhuma, como o último quilombo de resistência da cultura africana no país.

            O 13 de Maio marca ainda nos dias de hoje, a luta do negro pela liberdade, dessa vez, a liberdade cognitiva. A liberdade de se permitir conhecer uma cultura diferente, a sua cultura ancestral.

            Não existe árvore sem raiz e nem povo sem história, o negro quando renega a sua origem, está renegando os seus ancestrais e consequentemente a si mesmo!

            Ao reverberar o discurso do opressor e não é só o religioso, é o social, é o político, é o de costume, é o de valor, o negro se mantém afastado da sua verdadeira posição na sociedade: a de igual.

            A igualdade que nós ainda não temos e que somente as políticas públicas de inserção, poderão garantir para as nossas futuras gerações.

            O Estado brasileiro e a sua sociedade elitista e excludente nos deve isso, há exatos 125 anos, vem nos negando algo que teria sido previsto ainda nos tempos do império e que poderia ter nos dado um futuro diferente.           

            Carta da Princesa Isabel ao Visconde da Santa Victoria, 11 de Agosto de 18891.

“Fui informada por papai que me collocou a par da intenção e do envio dos fundos de seo Banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos libertos em 13 de Maio do anno passado, e o sigilo que o Snr. pidio ao prezidente do gabinete para não provocar maior reacção violenta dos escravocratas. Deus nos proteja si os escravocratas e os militares saibam deste nosso negócio pois seria o fim do actual governo e mesmo do Império e da caza de Bragança no Brazil. (...) Com os fundos doados pelo Snr. teremos oportunidade de collocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas proprias trabalhando na agricultura e na pecuária e dellas tirando seos proprios proventos. Fiquei mais sentida ao saber por papai que esta doação significou mais de 2/3 da venda dos seos bens, o que demonstra o amor devotado do Snr. pelo Brazil. Deus proteja o Snr. e todo a sua família para sempre!"1

Três meses após a data dessa carta, a princesa e o Imperador foram depostos e desconhece-se o destinos dos tais fundos. É o Brasil, desde sempre.

Pois então amigos, a dívida com a população negra é histórica!

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Disponível:Portal Geledés   www.geledes.com.br  Acesso em 12/05/2013.