Câncer - Como lidar com as pessoas - Uma psicologia de sensibilidade

Por Suely Bischoff Machado de Oliveira | 27/04/2009 | Psicologia

Fontes :Ernest Jones em Vida e Obra de S.Freud e Relato de uma experiência clínicada psicóloga Suely Bischoff Machado de Oliveira

A palavra Câncer possui um significado e uma designação genérica de todos os tumores malignos,como umneoplasma maligno, um blastoma maligno.

É difícil entender como as pessoas enfrentam as doenças graves,como suas famílias se preparam e lidam com inumeráveis variáveis.

Podemos enumerar as quatro fases de uma doença grave:-

1)a fase anterior ao diagnóstico

2)a fase aguda

3)a fase crônica e

4)a fase de recuperação ou morte

1)A primeira fase, anterior ao diagnóstico é exatamente quando o paciente se dá conta ou pelo menos suspeita de que corre o risco de desenvolver tal doença,a palavracâncer ainda nos dias de hoje apresenta-se como algo dentro de um tabu para muitas pessoas (Ah!aquela doença, Ah!ele está com aquilo, aquela coisa terrível). Esta fase compreende o período em que a pessoa passa por uma bateria de testes e de exames e termina no momento em que recebe o diagnóstico.(é um tapa na cara !). É, contudo uma fase onde a pessoa se percebe fragilizada, ela perde o chão, fica como que atordoada, seus pensamentos voam e passampor sua cabeça ,como que se estivessemsendo rebobinados numa fitacassete.

" Num minuto atrás, eu ainda tinha esperança de que o diagnóstico dado pelo médico para o meu sangramento anal ,fosse hemorróidas, porém neste instante agora me deparei com um tumor no intestino próximo ao ânus, foi como um balde de água fria por sobre mim "!

2)A segunda fase é a fase aguda, quando a pessoa se vê forçada a entender o diagnóstico e tem de imediato, quetomar uma atitude, quetomar uma dura decisão acerca de seu tratamento, pois o tempo urge num equacionar custo/ benefício , prós e contras,enfim o indivíduo pode estar num impasse e necessita certa calma para bem se resolver frente a esse novo dilema

"Agora já estou ciente de tudo, e de como vai ser a cirurgia, vou passar a ser ostomizada sem reversão, o médico até me mostrou uma bolsa de colostomia, o que eu nunca tinha visto e nem sabia que existia."

"Essa doença me pegou de cheio, como pôde isso acontecer comigo, que sou tão regrada na alimentação, sou como coelho que apreciaverduras e legumes !"

3)A terceira fase é a fase crônica como sendo um período entre o diagnóstico e os resultados do tratamento, e que esses resultados,obviamenteirão desencadearuma grande ansiedade no paciente, numa espera angustiante, tipo:será que funcionou comigo esse tratamento ? "As sessões de quimioterapia chegam a ser bem mais angustiantes, do que a própria cirurgia em side amputação de parte do intestino foi "

"Eu apresentei um quadro de mucosite, inflamação da mucosa da boca, que é a mesma mucosa que reveste ointestino, e foi um horror de sofrimento na boca, nem escovar os dentes eu pude fazer direito, comer e me alimentar passou a ser um sufoco, até parecia que eu estava comendo gilete!"

"Passei a apresentar uma baixa resistência durante a quimioterapia, e assim fiquei com anemia"!

"Os meus cabelos grisalhos começaram a cair, como se eu estivesse sendo consumida em vida por muitos bichinhos do mal, então minha filha confeccionoupara mim ,uns lindos e variados chapeuzinhos de crochê"!

4)A quarta fase é a fase de recuperação ou de morte, onde os pacientes têm que enfrentar os efeitos psicológicos, sociais, físicos, religiosos, e financeiros do câncer

Há algum tempo, o período entre o fatídico diagnóstico de câncer e a morte iminente, era de uns poucos meses,e geralmente passados no hospital, contudo ,esse panorama mudou e mudou para melhor, pois segundo muitas pesquisas no campo da oncologia, brotaram novas perspectivas num prognóstico mais favorável ao paciente.

A fase final ou terminal de uma doença grave, como o câncer, ocorre quando a morte se converte em algo iminente e irreversível. Neste momento, tão único ao paciente, os esforços concentram-se em ajudar a pessoa a se sentir mais confortável e mais aliviada de sofrimentos, se é que se pode descrever assim !

Aqui a impotência geral, tanto do corpo clínico do hospital, como da pessoa e seus familiares , nessa luta feroz contra o inimigo, se faz verdadeiramenteangustiosa, numa busca crescente de aspectos religiosos, como algo místico e potente em que se apoiar

Assim parece ser o mundo de um paciente terminal, umMANIQUEÍSMOATERRADOR (maniqueísmo), .doutrina essa fundada por MANI no século III, na Pérsia, segundo a qual o Universo é criação de dois princípios que se combatem, ou seja, o BEM OU DEUS, e o MAL OU O DIABO..

O paciente se vê como que um "destroçado ser pensante", e gostaria de transgredir regras, e esse transgredir num sentido psicológico de poder fazer escolhas, ainda que ilusórias, fantasiosas,e mesmo quase que impossíveis de serem concretizadas

A Psicanálise busca intempestivamente obter uma fórmula para o descabido, num sentido mesmo de militar essa idéia, num defraudara esperança, como no mito grego de Hesíodo, onde a esperança é equiparada à preocupação,à enfermidade e à angústia.

Como bem disse Fernando Pessoa:-"Sem a esperança, que é o homem, senão um cadáver adiado que procria"!

Sendo assim,os cuidados à uma pessoa com câncer começam depois do diagnóstico e continuam até que o paciente se cure, entre a remissão dos sintomas ou então a morte.

Muitas decisões devem ser tomadas no âmbito pessoal, religioso, moral,filosófico, espiritual e familiar, e o corpo clínico apenas observa.

Entretanto, devido à natureza delicada de se tratar da iminente passagem do paciente (com assuntos até jurídicos), deste planeta a um outro estado, esse tema passa a ser omitido e rechaçado para ocasiões posteriores(é um empurrar o" falar sobre " com a barriga).

Às vezes o paciente eos familiares não tomam as decisões no momento propício, e depois já se torna tarde, e ocorre que muitas vezes uma opinião vinda de fora é que prevalece.

Aqui o apoio psicológico é de extrema importância,(Nos EUA existem muitos hospitais que dispõem de serviços deapoio de psicólogos e/ou depsiquiatras),numa relevante ajuda ao paciente e a seus parentes, que muitas vezes ficam como que adoentados também, numa necrose mental e numa anestesia mnemônica.

Sobretudo o que realmente parece prevalecer nesse momento, é a vontade do paciente, onde muitos deles solicitam e pedem para morrer em suas casas, numa tentativa de minimizar o impacto que a morte pode causar num hospital (frio,tétrico e desumano), e assim parece amenizar e ao mesmo tempo consolidar um amparo acolhedor,um amparo afetivo e onde o paciente possa se sentir confortável

"Em agosto,tudo se desmoronou rapidamente,um desalentador sintoma consistia num odor desagradável que vinha da boca, de modo que,quando o seu cãozinho favorito foi levado a vê-lo,refugiou-se num canto do quarto, experiência desanimadora que revelou ao doente o ponto que ele havia atingido, e em 23 de setembro de 1939 tudo estava consumido pelo câncer sagaz e traiçoeiro". (Ernest Jones em Vida e Obra de Sigmund Freud /Zahar Editores).

Esse trajeto até a morte depende da individualidade do paciente, de suas forças psicológicas e do suporte familiar satisfatório, podendo ser um trajeto curto ou mais longo, com períodos de melhora aparente até períodos de extrema gravidade.

Existe com certa freqüência, nas mortes por exemploassociadas ao câncer,um processo longo e penoso, com dores e sofrimentos tanto para o paciente,que muitas vezes já nem mais responde mentalmente falando , como para os familiares, parecendo um interminável momento, onde muitas vezes os próprios familiares " rogam a DEUS que abrevie esse sofrer".

"O respeito concedido aos sonhos na Antiguidade baseia-se num discernimento psicológico correto e é a homenagem prestada as fôrças incontroladas e indestrutíveis existentes no espírito humano, ao poder demoníaco que produz o desejo onírico e que encontramos em ação no nosso inconsciente " (S.Freud /1900)

 

Suely Bischoff Machado de Oliveirasbischoff@itelefonica.com.br

PsicólogaCRP 06/8495

Escritora e poetisa

Pós graduada pelo Hospital do Câncer A.C.Camargo