Caminhos Marítimos Para Todos os Lados

Por Julio Cesar Souza Santos | 19/11/2016 | Sociedade

Qual Era a Divisão Geográfica Estabelecida no Tratado de Tordesilhas? Qual Era o Objetivo Inicial das Expedições de Fernão de Magalhães? Por Que a Proeza de Magalhães Excedia as de Vasco da Gama, Cristóvão Colombo ou Américo Vespúcio?

O Tratado de Tordesilhas traçou uma linha de demarcação 370 léguas a oeste das Ilhas dos Açores e Cabo Verde e situou a fronteira do Novo Mundo a 46º de latitude oeste, passando através da proeminência da América do Sul. Como o domínio do Papa cobria todo o planeta, a linha atravessava ambos os polos e percorria todo o caminho à volta da Terra, do outro lado.

Esta mesma linha também servia para separar os domínios da Espanha e de Portugal na metade asiática do planeta. Aí os meridianos de 134º de latitude leste se tornou a divisão entre as duas potências. Mas, os instrumentos da época ainda não conseguiam marcar essa linha com exatidão e, na prática, isso significava que Portugal seria dona de todas as áreas pagãs (ou ainda por descobrir) a leste da fronteira ocidental do Brasil, através do Atlântico, da África e do Oceano Índico até às Índias orientais, enquanto que a Espanha dominaria a partir da fronteira ocidental do Brasil para ocidente, através do Pacífico até as Índias orientais.

Ninguém sabia ainda o que havia entre esta nova 4ª parte do Mundo e a Ásia. A Espanha continuava a ter esperanças de que Ptolomeu, Marco Polo e Colombo estivessem certos ao prolongar o continente asiático tanto para leste. O rei Carlos V (Espanha) esperava que as ilhas das especiarias estivessem do lado espanhol da linha divisória, quando ela foi traçada naquela metade asiática do globo. Por que não enviar uma expedição para marcar essa linha e depois fazer valer as reivindicações espanholas? Eis aí a oportunidade de Fernão de Magalhães.

A parte montanhosa de Portugal onde Fernão de Magalhães nasceu era conhecida como um lugar onde havia nove meses de Inverno e três meses de Inferno e, deste clima, ele partiu para a vida da corte de D. João II, onde foi criado como pagem. Aos 25 anos juntou-se à frota de Francisco de Almeida (1º vice-rei português da Índia) e depois serviu com Afonso de Albuquerque, fundador do império português na Ásia e explorou as ilhas Moluscas, onde avaliou a riqueza que ali poderia ser colhida.

Quando regressou a Portugal em 1512 como capitão, foi promovido a “fidalgo escudeiro”. Ferido enquanto combatia os mouros no norte da África, acabou ficando coxo para o resto da vida. Mas, acusado de comerciar com o inimigo ele perdeu os favores do rei D. Manuel e viu terminada sua carreira portuguesa. Daí, Fernão de Magalhães renegou publicamente sua lealdade a Portugal e partiu para a corte espanhola de Carlos V.

Levou consigo para a Espanha seu velho amigo Rui Faleiro – que pensava ter resolvido o problema da determinação da longitude – o qual tinha boa reputação como cosmógrafo e defendia o caminho marítimo para a Ásia. Daí, a fim de promover sua expedição, Magalhães casou com a filha de um influente emigrante português que controlava as viagens espanholas às Índias. Além disso, ele obteve a aprovação do poderoso bispo de Burgos que fora grande inimigo de Colombo.

Cultivou amizade de um representante de uma forma bancária que tinha ressentimentos contra o rei de Portugal e, em março de 1518, Carlos V anunciou seu apoio à expedição de Fernão de Magalhães. O objetivo era alcançar as ilhas das especiarias navegando para ocidente, mas dessa vez com um plano mais preciso: _ encontrar um estreito na ponta da América do Sul. Magalhães e Faleiro receberiam a 20ª parte dos lucros e a eles – e a seus herdeiros – seria confiado o governo de todas as terras descobertas.

Os Portugueses tentaram impedir a viagem de Magalhães, mas depois de um ano equipando a expedição o decidido navegador partiu em setembro de 1519 para sua viagem ao redor do mundo. Zarpou com 5 navios fortemente armados e bem abastecidos com mercadorias de troca como pulseiras de latão, 500 espelhos e milhares de peças de veludo a fim de despertar o interesse dos sofisticados príncipes da Ásia.

A tripulação era composta de 250 homens portugueses, italianos, franceses, gregos e um inglês – já que não era fácil encontrar espanhóis para tão perigosa viagem sob o comando de um aventureiro estrangeiro. Naquele tempo era comum o comandante submeter suas decisões a um conselho de oficiais. Mas, Magalhães não gostava disso e logo percebeu que os três (3) comandantes espanhóis do seu estado-maior tinham planos de liquidá-lo. 

 

Porém, a proeza de Fernão de Magalhães excederia – por qualquer critério moral, intelectual ou físico – até mesmo as de Vasco da Gama, Cristóvão Colombo ou Américo Vespúcio, pois além de enfrentar mares bravios, vencer passagens traiçoeiras e procurar seu caminho através de um oceano mais largo, ele exerceu seu comando com firmeza e humanidade. Sofreu os tormentos mais cruéis de paladar e estômago, suportou a fome e, melhor do que qualquer outro homem do mundo, ele compreendeu bem a navegação “a olho” e a celeste. Nenhum outro tinha tanto talento, nem o ardor de aprender como navegar à volta do Mundo – o que quase conseguiu. 

Partindo das Ilhas Canárias, dois meses de navegação depois ele chegou à ponta oriental do Brasil, de onde seguiu a costa para sudoeste atento á abertura que o conduziria ao mar do Sul de Balboa. Tentou várias vezes o que lhe pareceu passagens marítimas para o ocidente, no Rio de Janeiro e mais para o sul, no Golfo de San Matias, na esperança de que os navegadores anteriores estivessem enganados. Mas, todas as tentativas se revelaram “becos sem saída”. 

Quando chegou a meio caminho da costa da Patagônia, o Inverno se instalou e Fernão de Magalhães decidiu aguardar aí, reduzindo as rações e suportando os ventos e o frio até a chegada da Primavera. Quando os homens começaram a exigir que regressassem ao trópico, ele disse que preferia morrer a voltar para trás. Ele enfrentou duas grandes provas, uma de comando e outra de arte de navegar antes mesmo de entrar no Oceano Pacífico. 

No porto de San Julian, quando três (3) de suas naus (Concepción, San Antonio e Victória) se amotinaram, Magalhães só encontrou apoio no seu próprio navio Trinidad e no Santiago. Sabendo que tinha muitos aliados no Victória, mandou a bordo um bote cheio de homens leais a pretexto de negociarem as condições de regresso e, ao obedecer as instruções, seus emissários mataram o comandante e convenceram os tripulantes a cumprirem seus deveres. No ajuste de contas, Fernão de Magalhães executou apenas um homem que assassinara um oficial leal e abandonou em terra o chefe da conspiração e um padre revoltoso. Embora sentenciasse alguns outros amotinados à morte, acabou perdoando a todos. 

Em agosto de 1520 os quatro navios restantes navegaram para sul, em direção a foz do rio Santa Cruz, onde ficaram até outubro na primavera. Foi então que enfrentou a segunda provação, um exercício marítimo que poucos igualaram, pois ele teria que encontrar uma passagem que o levasse através de um continente de largura desconhecida. Como ter a certeza de que uma entrada não era um beco sem saída? Como saber que não estava perdido cada vez mais no meio do continente? 

Em outubro mais uma vez ele viu uma abertura após os 52º de latitude sul. Será que dessa vez abrir-se-ia a baía para o importantíssimo estreito? A tripulação achava que não, mas Magalhães estava preparado para encontrar um “estreito bem escondido”. No entanto, os mapas que vira mostravam a ponta mais meridional da “América” separada aproximadamente a 45º sul, por uma passagem marítima estreita – mas reta e aberta – de um grande continente antártico que se estendia à volta do mundo.

Dizer que o estreito através da barreira de terra estava “bem escondido” foi a subestimação do século, pois o Estreito de Magalhães era o mais tortuoso e indireto de todos os estreitos que ligavam dois grandes corpos de água. Este labirinto em zigue-zague desembocava inesperadamente no meio do mais aberto e vasto de todos os mares. Só observando num mapa moderno é possível avaliar em toda a sua extensão a perícia, a persistência, a coragem e a sorte necessárias para encontrar o caminho.

Embora a entrada do Cabo Virgens (do lado do Atlântico) passe por uma região agradável e com margens baixas, a saída do cabo Pillar (no Pacífico) é um fiorde entre montanhas escarpadas coroadas de gelo. Magalhães precisou de 38 dias para percorrer os cerca de 540 km entre os oceanos. Só a coragem de ferro demonstrada por Fernão de Magalhães contra os elementos e o seu hábil domínio dos homens lhe permitiu prosseguir.

No Porto San Julian – a última paragem na costa da Patagônia – quando eles descarregavam os navios para querenar ([1]) sofreram um choque, pois os fornecedores de Sevilha haviam-no enganado e não carregaram provisões para um ano e meio, mas apenas para 6 meses. A tripulação tentou compensar pescando a caçando aves marinhas, mas isso não chegava. As costas do Porto San Julian não ofereciam nenhuma madeira, praticamente nenhuma água doce e, além disso, os nativos locais não serviam como guias marítimos.

Depois de perder o navio Santiago no Porto San Julian, Magalhães entrou no estreito com quatro naus e, tateando o caminho, mandou seu maior navio investigar uma das possíveis aberturas para o mar – que se revelou um beco sem saída. Sem que Magalhães soubesse, o piloto desse navio (que odiava o capitão) amotinou-se, colocando seu comandante a ferros e pilotou o navio de volta à Espanha. É extraordinário que não tenha havido mais motins e que as restantes três naus se tenham mantido juntas.

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