Cálculo estequiométrico: rendimento escolar na resolução de problemas e exercícios com cálculos

Por Carlos Alberto Rodrigues Pinto | 19/04/2013 | Educação

”Cálculo estequiométrico: rendimento escolar na resolução de problemas e exercícios com cálculos” (um estudo piloto junto dos estudantes dos 1º Ano dos cursos de Química e Física do ISCED-Lubango no período de 1999 a 2004)

 

Por: Carlos Alberto Rodrigues Pinto

Assistente, do Departamento de Ciências Exactas do ISCED-Huíla

E-mail: calypinto@yahoo.com

                                                                            

   

 

0. INTRODUÇÃO

Quando ensinamos, desejamos que o nosso estudante aprenda e cresça como pessoa humana. Entretanto, ensinar não é o mesmo que aprender. Nem tudo o que se ensina se aprende. Esta realidade é o motivo da existência das metodologias de ensino, que fornecem ao professor os mecanismos mais adequados para consecução do supremo objectivo do ensino - que o estudante aprenda, e que aprenda significativamente.

Uma aprendizagem significativa é aquela que é duradoura, sólida, não apenas repetitiva ou simples reprodução, no dizer de Novaes (1992), mas sim aquela que permite ao indivíduo a busca do novo conhecimento com base no já aprendido e, também a utilização do mesmo conhecimento em aplicações futuras, a que Novaes chama reprodução ampliada.

Deve ser do interesse do professor saber se o seu estudante aprendeu e, para isso ele utiliza a avaliação como meio de recolha de dados indicadores tanto da mudança conceptual como da mudança comportamental do estudante, o que no sentido positivo, é sinónimo de aprendizagem.

A Química é sem dúvida a ciência das transformações. Em todas essas transformações cujo estudo e compreensão requerem a resposta a questões básicas, como:

  • Que substâncias?
  • Em que quantidade reage cada uma?
  • Como reagem entre si?

A Química como disciplina escolar deve proporcionar os meios para que os estudiosos possam encontrar essas respostas.

Falando concretamente da segunda questão, "Em que quantidade reage cada uma?", estaremos a abordar um conteúdo químico com base matemática. Esta pergunta é respondida por uma parte da Química a que se deu o nome de ESTEQUIOMETRIA.

A estequiometria, no dizer de O'Connor (1977), refere-se a cálculos matemáticos baseados em equações químicas. Se qualquer procedimento químico pode ser considerado essencial para cada área da química, este uso quantitativo das relações químicas deve ser o principal. Por meio de procedimentos estequiométricos, o analista pode determinar a composição detalhada de amostras; o químico orgânico pode estimar a eficiência de uma nova síntese; o engenheiro pode planejar um processo económico para a produção a larga-escala de novas substâncias; o bioquímico pode seguir os processos metabólicos de um organismo; o cientista aeroespacial pode calcular a quantidade de combustível necessária para uma espaço-nave.

O suporte para estes cálculos estequiométricos são as proporções fixas entre as espécies (átomos, iões, moléculas) envolvidos nas reacções químicas. Nestes cálculos manipulam-se conceitos como: mole, massa molar, relação de combinação, factor gravimétrico, volume molar, rendimento da reacção; reagente limitante e outros. Estes conceitos devem ser suficientemente dominados pelo utilizador para que possa resolver os problemas químicos com cálculos baseados nesta temática.

Este conteúdo, no ensino da Química no ISCED está inserido primeira e primariamente na Unidade I - "Conceitos Fundamentais. Leis das Combinações Químicas" do programa da cadeira de Química Geral leccionada nos primeiros anos dos cursos de Química, Física e no Capítulo III - "Reacção Química. Cálculo Estequiométrico" na cadeira de Química Geral para os cursos de Geografia e Biologia.

No curso de Química as cadeiras subsequentes a Química Geral, quase na sua totalidade, aplicam as leis da estequiometria: A Química Inorgânica, utiliza amplamente nas preparações de substâncias no intuito de calcular as quantidades de produto, mas também no sentido de se evitar desperdícios de reagentes; a Química Orgânica, para a avaliar a eficiência de uma síntese; a Química Analítica só faz a análise quantitativa graças ao emprego das leis da estequiometria; a própria Química Física ao estudar o equilíbrio químico, a termodinâmica das reacções, os aspectos cinéticos deve aplicar as leis estequiométricas. O exposto apenas serve para por em evidência o quão é importante um bom nível de aprendizagem desta temática na cadeira precedente - a de Química Geral - como base para as outras cadeiras.

Muitas manifestações verbais e até comportamentais de alguns dos nossos colegas (quando estudantes) e de alguns dos nossos estudantes (quando docentes) revelaram-nos um certo desconforto dos mesmos ao abordarem a temática de Química referentes aos cálculos aplicando as leis estequiométricas. Os próprios docentes queixam-se das debilidades reveladas pelos estudantes nas cadeiras posteriores a Química Geral sempre que se confrontem com cálculos estequiométricos. Estas manifestações levaram-nos a decisão de fazermos um estudo sobre a aprendizagem deste conteúdo no ISCED-Huíla.

1.    DESCRIÇÃO DO ESTUDO

Apresentamos aqui apenas um estudo piloto sobre as dificuldades de aprendizagem (e quem sabe de ensino) do conteúdo sobre a estequiometria.

Partimos do princípio de que aquele "desconforto dos estudantes" acima descrito é um indicativo da existência de dificuldades na aprendizagem do conteúdo em referência. Decidimos então, buscar com mais precisão a veracidade desta suspeita e, por isso, começamos um trabalho de pesquisa sobre os dados já existentes. Portanto, tomamos como material para análise as provas de avaliação realizadas na cadeira de Química Geral do 1º de Química e Física nos últimos cinco anos lectivos, ou seja, nos anos lectivos 1999/2000, 2000/2001; 2001/2002; 2002/2003 e 2003/2004 arquivadas na Coordenação Pedagógica do Departamento de Ciências Exactas. Associamos no nosso estudo o 1º Ano do curso de Física por fazer turma única com o 1º Ano do curso de Química.

Juntamos um total de 5 provas de 238 estudantes (para começar), sendo 131 de estudantes do curso de Química e 107 de estudantes do curso de Física. Juntamos também os enunciados dessas mesmas provas e as sugestões de resolução (correcções modelo) dos professores que leccionaram a cadeira nos anos indicados.

Utilizamos como instrumento de recolha das informações grelhas de avaliação por prova. Nelas fizemos constar a classificação (nota) obtida por cada estudante em cada questão relacionada com o conteúdo em análise, de acordo com  a correcção feita pelo próprio docente da cadeira. Fizemos um total e calculámos a percentagem de aproveitamento de em cada questão e no global das questões relacionadas com cálculos estequiométricos de cada prova.

Numa primeira fase quisemos apenas analisar o rendimento escolar neste conteúdo pela prática habitual da medida da aprendizagem apenas pelas classificações (notas) obtidas das provas. Em segundo lugar, analisamos o conteúdo de cada questão para verificar a natureza dos principais erros encontrados e assim avaliarmos os principais obstáculos a aprendizagem.

1.1. Resultados colhidos

Começamos por fazer uma caracterização das provas de acordo com o conteúdo em avaliação. As provas analisadas foram apenas as primeiras provas parcelares de Química Geral já que apenas estas avaliaram o conteúdo sobre estequiometria.

Nas cinco provas analisadas correspondentes aos cinco anos lectivos podemos distinguir apenas dois tipos de questões: (1) questões que exigem cálculos e (2) questões abertas sem exigência de cálculos. As questões que não exigem cálculos não estão relacionadas com o conteúdo de estequiometria e, por isso, não serão tratadas neste trabalho.

As questões com cálculos classificámo-las em dois grupos:

Os exercícios aquelas questões que têm características dos exercícios de aplicação (Valadares e Pereira, 1991), ou seja, os mecanismos de sua resolução são já conhecidos, e em que apenas se pretende a utilização desses mecanismos para os melhor reter. Estes mecanismos podem ser fórmulas matemáticas ou procedimentos de cálculo preestabelecidos. Perales Palacios (1993), chama a estas questões de problemas fechados.

Um problema segundo Perales Palacios (1993) poderia ser definido como qualquer situação prevista ou espontânea que produz, por um lado, um certo grau de incerteza e, por outro uma conduta tendente a busca de sua solução. Esta definição concorda, em essência, com a de Valadares e Pereira (1991) segundo a qual, um problema é uma tarefa que alguém se propõe realizar onde, a partir de uma situação inicial, vai ter que descobrir operações de modo a alcançar um determinado objectivo. Trata-se de uma tarefa em que não se dispõe de nenhum processo rotineiro conhecido para a realizar, e em que se exige alguma criatividade, capacidade de análise, síntese e avaliação de dados, relações e situações, além dos conhecimentos mínimos para a resolver. Nós concordamos com estas duas definições e damos maior força a classificação de Perales Palacios (1993), chamando problema ao que ele chama problema aberto quantitativo.

Os bons ou maus resultados numa prova dependem de muitos factores, entre os quais o nível de conhecimentos dos estudantes, a adaptação dos estudantes a determinado tipo de questões, a forma como as questões são colocadas, o próprio critério de valorização das respostas e outros. Esta ideia levou-nos a fazer um estudo das provas em análise, com base na classificação das questões enunciada acima. Esse estudo permitiu-nos reconhecer a seguinte distribuição das questões por prova:

Quadro 1. Distribuição das questões com cálculo por tipologia

Prova do ano lectivo

Número de questões

No total

Com cálculos

Exercícios

Problemas

%

% total

% cálc.

% total

% cálc.

1999/2000

8

8

100

3

37,5

37,5

5

62,5

62,5

2000/2001

11

7

63,6

3

27,3

42,9

4

72,7

57,1

2001/2002

4

4

100

0

0

0

4

100

100

2002/2003

9

9

100

5

55,6

55,6

4

44,4

44,4

2003/2004

8

7

87,5

4

50

57,1

3

50

42,9

Total

40

35

87,5

15

37,5

42,9

20

50

57,1

Estes dados mostram-nos claramente que os docentes têm preferência por questões com cálculos (87,5%). Não encontramos questões nenhuma sobre estequiometria que não envolvesse cálculos.

Apesar de termos 50% de problemas, nas questões com cálculo este valor não nos permite afirmar que haja preferências para estas questões em detrimento dos exercícios.

Em termos de aproveitamento dos alunos medido pelas classificações obtidas obtivemos os resultados seguintes:

       Quadro 2. Aproveitamento positivo (em percentagem) por tipologia de questão

Prova do ano lectivo

Pontuação total (a)

Exercícios

Problemas

Esperada

Obtida

%

Cotação obtida

% Exercício(b)

% cálculo(c)

Cotação obtida

% Problemas(b)

% cálculo(c)

1999/2000

700

53,95

7,71

17,5

6,67

2,50

36,45

8,83

5,21

2000/2001

493,5

222,75

45,14

118

53,51

23,91

104,75

38,37

21,23

2001/2002

1040

250

19,45

00,0

00,0

00,0

250

19,45

19,45

2002/2003

1100

344

31,27

128

31,03

11,64

216

31,42

19,63

2003/2004

1088

363,5

33,41

257,5

47,33

23,67

106

19,49

9,74

(a) soma das pontuações de todos estudantes em cada prova

(b) percentagem calculada com base no tipo de questão

(c) percentagem calculada com base na pontuação total obtida

Podemos notar que o aproveitamento é muito baixo nos dois tipos de questões com cálculo. Apenas no ano 2000/2001 observamos um valor superior a 50% no caso dos exercícios, o que mesmo assim não nos parece satisfatório. Se tomarmos a percentagem calculada com base na pontuação total, verificamos que em nenhum caso se atinge sequer os 50%.

1.2. Causas prováveis

O quadro 2 nos fornece um manifesto fracasso generalizado no processo de ensino/aprendizagem no concernente a estequimetria. É lógico que nos deve interessar a melhoria deste quadro por formas a garantir maiores êxitos até noutras áreas de saber afins. Mas não é possível avançar soluções sem primeiro nos fazermos a seguinte pergunta:

Qual ou quais as causas deste fraco aproveitamento?

As possíveis respostas são variadas, desde factores pessoais, ligados ao estudante e ao professor e a factores não pessoais ligados as condições materiais de realização da actividade de ensino-aprendizagem. Achamos que os factores pessoais, os ligados aos dois intervenientes directos do processo são os de maior relevância no caso do nosso estudo.

Demos alguns passos pioneiros em busca das causas.

Um estudo da literatura deu-nos algumas pistas. Gil et al (1991) dizem-nos que no geral, os professores apontam-nos como razões mais palpáveis:

-       a falta de suficientes conhecimentos teóricos;

-       o fraco domínio do aparato matemático;

-       a leitura não compreensiva dos enunciados.

Eles afirmam, e nós concordamos, que estas são apenas explicações atribuídas a quem resolve os exercícios, ou seja, aos estudantes.

Dirigimos algum estudo no mesmo sentido baseado nas mesmas provas de avaliação (nosso material de estudo). Tentámos encontrar os principais obstáculos que os estudantes encontraram na resolução das questões apresentadas. Buscamos e encontramos situações em que os estudantes revelam a falta de conhecimento dos conceitos envolvidos nos cálculos estequiométricos, alguma debilidade na capacidade de relacionar esses conceitos na aplicação das leis ponderais, alguns casos de dificuldades em cálculo matemático e outros que revelam falta de entendimento dos enunciados das questões. Desta forma resumimos os obstáculos nos seguintes itens e apresentamos as respectivas percentagens:

-       problemas com conceitos e leis: 44,9%

-       problemas com as operações matemáticas: 3,93%

-       problemas de análise dos enunciados: 25,05%

Estes itens que nós apresentamos concordam, na essência, com os de Gil et al (1991). É verdade que podem existir outros obstáculos mas a partir do nosso material de estudo não nos foi possível visualizá-los. Também somos de opinião que o levantamento destes obstáculos a partir de provas em que a maior parte das questões, isto para não dizer todas, são de cálculos e as formas de resolução não nos revelam um tratamento adequado dos conceitos é muito difícil. Outros instrumentos são necessários para uma recolha mais apurada de informações.

Como vemos os valores apontam para maiores obstáculos no conhecimento e uso dos conceitos e leis e o ponto mais com menos dificuldades é o das operações matemáticas. Estes obstáculos podem advir de um suposto baixo nível que os alunos trazem dos níveis escolares anteriores, como é tradicional os professores afirmarem.

Apesar de estes obstáculos estarem atribuídos aos estudantes, nós achamos são apenas manifestações e outros problemas que podem advir da acção dos próprios docentes. Com efeito, se a maioria dos estudantes revela dificuldades como se pode atribuir as principais causas aos próprios estudantes?

Achamos importante colocar-se algumas questões ao próprio trabalho docente:

-       O que é que os professores fazem para que a maior dos estudantes seja capaz de resolver os problemas com êxito?

Esta questão remete-nos as orientações didácticas e aos textos que os docentes elaboram. Para responder a uma questão como esta é necessário buscar várias facetas da actividade docente tais como: a metodologia de ensino, os procedimentos da avaliação, os factores motivacionais que afectam tanto a metodologia como a avaliação e outros.

Quanto ao que se refere a avaliação, já nos referimos acima que os docentes que elaboraram as provas que foram objecto do nosso estudo deram primazia às questões de cálculo. Isto pode ter várias razões mas algumas delas são muito subjectivas. A estruturação dos próprios enunciados das provas de avaliação muitas vezes não é a melhor; não se cumprem as várias funções da avaliação: como sendo formativa, sumativa, diagnóstica e permanente; a classificação por cotação (valorização) das partes constituintes da solução dos problemas e exercícios também as vezes é descurada. A continuidade e praticamente a reincidência do baixo aproveitamento revela que o diagnóstico que se faz pela avaliação serve apenas de mera classificação dos estudantes em reprovados e aprovados não levando a tomada de decisões para a sua melhoria.

Em relação à metodologia: a sua variação deveria ser, pensamos nós, uma decisão a tomar depois de se constatar, pela avaliação, que o nível de aprendizagem dos estudantes não é o melhor.

  1. 2.    CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Não é nosso objectivo com esta comunicação mostrar já a via de melhoria do aproveitamento escolar no assunto em causa. Como dissemos antes, este trata-se apenas de um estudo piloto que nos mostra a necessidade de aprofundarmos este estudo para buscar melhor clareza do problema e também as possíveis vias de solução.

No nosso entender, as vias de solução passarão por responder as questões que nos levam a reflectir sobre as ideias dos estudantes em relação ao conteúdo referente ao cálculo estequimétrico e, também a sobre as actividades e atitudes  dos docentes no tratamento do mesmo conteúdo no 1º Ano dos cursos de Química e Física no ISCED-Lubango.

As questões que nos referimos no parágrafo anterior levam-nos a considerar as seguintes hipóteses para o fraco aproveitamento.

- O fracasso generalizado que se verifica na resolução de problemas e exercícios com cálculos de estequimetria pode ter origem no fraco domínio dos conceitos e leis da estequimetria por parte dos estudantes.

- O fracasso generalizado que se verifica na resolução de problemas e exercícios com cálculos de estequimetria pode ter origem no uso de estratégias de ensino/aprendizagem  não adequadas.

Considerando que se tratam de estudantes do primeiro ano, que podemos considerar propedéutico, e portanto, aquele em que o papel do professor dever muito mais activo no sentido de resgatar o nível desejado dos estudantes para poderem enfrentar o ensino universitário, por sua própria natureza investigativo, a segunda hipótese é a que tem maior consistência para continuidade do estudo.

BIBLIOGRAFIA

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