Café Filho, o goleiro que virou Presidente da República
Por Laércio Becker | 08/05/2012 | HistóriaPor: Laércio Becker, de Curitiba-PR
João Café Filho (1899-1970), como se sabe, foi o Vice-presidente de Getúlio Vargas, que assumiu o governo após a sua morte, governando de 1954 a 1955. Ao contrário da maioria dos Presidentes de sua época, esse literalmente vestiu a camisa de um time e foi a campo. Nesse sentido, um pioneiro.
Começou como goleiro do Cruz Vermelha (Atheneu). Depois, foi goleiro do Alecrim FC. Não se sabe exatamente o período. Alberto Medeiros diz que foi de 1916 a 1919, aproximadamente. Everaldo Lopes diz que foi na década de 20.
Em seu próprio relato, Café Filho diz que assumiu em campo “posições de defesa”, dando a entender que também atuou na zaga. De qualquer modo, confessa, com bom humor, que:
“Nunca tive uma sorte absoluta, mas apenas relativa, por assim dizer, compensadora dos meus fracassos. O arqueiro que, certa vez, me substituiu, deixou que os adversários fizessem doze goals contra o nosso time, enquanto eu deixara a bola passar nas traves apenas dez vezes...”
Comprovada a sua inaptidão dentro das quatro linhas, tentou a sorte fora delas: virou dirigente. Primeiro, participou das primeiras diretorias do Alecrim. Depois, chegou a ser vice-presidente do Centro Sportivo Natalense – que foi fundado às pressas, em 04.07.1918, para fazer o número mínimo de clubes que a legislação exigia para criar a Liga de Desportos Terrestres (apenas três clubes, com ABC e América), em 14.07.1918; participou do primeiro campeonato da Liga e algumas temporadas posteriores, até se licenciar e, em 1941, se transformar no CA Potiguar. No Natalense, organizou um grupo feminino, em que acabou encontrando sua futura esposa.
Como dirigente, Café Filho marcou seu maior gol antes mesmo de ser jogador! Foi ele quem organizou a primeira partida interestadual do Rio Grande do Norte: ABC 1 x 4 Santa Cruz, que ocorreu em 15.11.1916. Como foi essa façanha? Aos 17 anos de idade, Café Filho estudava em Recife, onde fez amizade com o filho de um diretor do Santa Cruz e, com a ajuda do Dr. Ramos Leal, médico influente no clube coral, conseguiu acertar a partida. Foi um grande sucesso, que movimentou toda a sociedade natalense. No entanto, foi proibido de assistir ao jogo pelo próprio pai, que era muito austero. Como se vê em suas memórias, ele nunca o perdoou por isso.
A mais curiosa história de sua curta carreira de dirigente é assim narrada por ele:
“Uma ocasião, em Caruaru, Pernambuco, o clube que [eu] então liderava sofreu uma derrota tão vergonhosa ao jogar contra o time local, que não esperamos o dia seguinte para sair da cidade. Embarcamos, de madrugada, como uma espécie de fugitivos, em um trem de carga, aturdidos e às pressas, varridos pela onda dos comentários sarcásticos dos caruaruenses.”
Depois de tantas peripécias, saiu do futebol para entrar na política. Considerando que chegou à Presidência da República, pode-se dizer que, como goleiro, foi um bom político.
Foi o único ex-dirigente de futebol que chegou à Presidência? Certamente, não. Descontados os Presidentes da República que também foram Presidentes de Honra de alguns clubes, porque a rigor não são dirigentes, é preciso lembrar que Fernando Collor de Mello foi Presidente do CSA, de setembro de 1973 a agosto de 1974, conquistando o campeonato alagoano deste ano e uma vaga na primeira divisão do Campeonato Brasileiro.
E Café Filho foi o primeiro Presidente da República a jogar futebol? Tudo indica que sim. O que não significa que outros Presidentes não tenham batido bola. E não foi só Lula. P.ex., Medici foi atacante do Grêmio de Bagé (cf. Marcos Guterman), um “bom jogador de futebol, desde Porto Alegre” até a Escola Militar do Realengo (cf. depoimento de Geisel). O general Aurélio de Lyra Tavares, integrante da Junta Militar que assumiu durante a enfermidade de Costa e Silva, foi jogador do futebol amador do Fluminense.
João Goulart também jogava futebol. Começou no recreio do Ginásio Santana, em Uruguaiana (RS), em regime de internato. Jango jogava no time dos mais velhos, de nome “Esperanza”, onde atuava no meio campo, abrindo as jogadas para os companheiros avançarem. Segundo Jorge Ferreira, Jango era um jogador habilidoso. Tanto que, na década de 30, foi campeão juvenil pelo Internacional de Porto Alegre, até abandonar o futebol devido a uma contusão.
Outro Presidente a jogar futebol foi Tancredo Neves. No tempo de colégio, em São João Del Rey, ele já praticava o esporte bretão, como se vê nesse depoimento:
“A diversão maior era o futebol. O futebol que era travado com o maior entusiasmo, até com torcida no adro da Igreja, e aí todos nós dividíamos em times antagônicos e cada qual mostrava as suas habilidades, de acordo com as suas aptidões.”
A propósito, aparentemente, o clube cuja camisa foi vestida por mais Presidentes (não só para fotografias, mas para competição mesmo) foi o América mineiro. Além de Juscelino Kubitschek, que fez natação e jogou basquete lá, o clube teve Tancredo, que jogou futebol. Sem contar Lula, que, em 15.06.2003, disputou uma pelada no Alvorada usando a camisa do Coelho, cf. foto de Ricardo Stuckert publicada na Folha de S. Paulo.
Fontes:
CAFÉ FILHO, João. Do sindicato ao Catete: memórias políticas e confissões humanas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1966. v. 1, p. 12, 28.
D’ARAUJO, Maria Celina; CASTRO, Celso (orgs.). Ernesto Geisel. 5ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 40.
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 34, 676.
GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país. São Paulo: Contexto, 2010. p. 144, 161.
LOPES, Everaldo. Da bola de pito ao apito final. Natal: ed. do autor, 2006. p. 33-4, 48, 55.
LYRA TAVARES, Aurélio de. Temas do nosso tempo. Rio de Janeiro: ed. do autor, 1978. p. 224.
MAGALHÃES, Mário. Viagem ao país do futebol. São Paulo: DBA, 1998. p. 114-5.
MEDEIROS, Alberto Pinheiro de. História do Alecrim FC. Natal: ed. do autor, 2002. p. 72.
PAIVA, Carlos. Minha paixão: América Futebol Clube, BH, o América Mineiro. Belo Horizonte: Alicerce, 2011. p. 29.
PROCÓPIO NETO, José Procópio Filgueira Neto, dito. Os esportes em Natal. Natal: Fenat, 1991. p. 21, 28, 250.
SILVA, Hélio. Café Filho. São Paulo: Três, 1983.
SILVA, Vera Alice Cardoso; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Tancredo Neves: a trajetória de um liberal. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 66.