Caem As Algemas: Por Que? Para Quem?
Por Antonio Leandro | 11/08/2008 | FilosofiaDurante minha infância, na cidade de Vitorino Freire-MA, eu presenciei muitos jovens e homens sendo algemados e espancados por policiais. Aliás, desfilavam pelas ruas da cidade: sem camisa, descalços e cabeça pelada. Eles eram – usando literalmente as palavras do ministro Marco Aurélio Mello - "execrados e degredados aos olhos da população". Os estereótipos negativos imputados a tais sujeitos eram os mesmos que encontrei na obra Palha de Arroz, do contista piauiense Fontes Ibiapina (1921-1986) quando descreve: "negro safado, de linguajar depravado", "peste", "o moleque mais safado", "patife", "negro desavergonhado"; ou então, nas palavras do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), havia "uma exposição excessiva, degradante, afrontosa à dignidade da pessoa humana". Os estigmas negativos acima revelam a dimensão do desprezo e escárnio aos quais as camadas populares (em sua maioria negra) eram submetidas aos olhos da população.
Mas quem eram esses seres humanos que foram expostos à execração, degradação e afronta social? O STF pronunciou-se alguma vez sobre a questão? Alguém guarda na memória? E durante a Ditadura Militar, qual foi a postura do STF, levando em consideração que vários atores sociais foram, barbaramente, execrados em sua moral e degradados para lugares onde foram torturados e assassinados? Será que o cenário irá mudar com a determinação do STF? – Porque a cadeia sempre foi lugar para um tipo de sujeito que as instâncias de segurança e os poderes conservadores do país já conhecem, bastam fixar-lhe os olhares.
Segundo os ministros do STF, as algemas somente devem ser usadas "em casos considerados excepcionais". Frente a esta assertiva, fico a imaginar: "casos considerados excepcionais", o que isso significa! Não seria um daqueles casos em que uma idosa ficou presa por três meses, simplesmente porque, devido extrema necessidade, pegou no supermercado um pote de margarina? - E o Daniel Dantas, que deu um calote enorme nas finanças do país, antes de 24 horas ganhava um Habeas Corpus! A justiça não é tão cega como alguns dizem. Mas o eufemismo vem à ponta da língua: "ele não é um perigo para a sociedade". Uma resposta para escamotear a verdadeira realidade, pois quem usurpa a coisa pública deveria ser considerado um perigo para a sociedade. E, talvez, se fossemos analisar quem seriam os sujeitos perigosos, alguns policiais civis e/ou militares estariam na lista dos considerados como tais aos cidadãos.
Contudo, a reação do STF veio quando a Polícia Federal começou a desbaratar verdadeiras quadrilhas letradas e elitizadas que há muito tempo foram e ainda são ameaças para os bens públicos, começando por autoridades corruptas, que, nos últimos quatro anos, foram apresentadas à sociedade. Diante desse cenário, a indignação do ministro, confira-se pelo seu rosto e tom de voz, veio após a prisão, ao vivo, de Daniel Dantas, Naji Nahas e CelsoPita. Estes sujeitos foram, nas palavras dos ministros, "execrados e degredados aos olhos da população". Implícito não estaria o dito: "homens de bem, que não causam perigo algum para a sociedade?". Mas segundo relatório da Polícia Federal, estas pessoas faziam parte de uma quadrilha que praticava crimes de "formação de quadrilha, gestão fraudulenta, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal". Portanto, todas estas atribuições negativas demonstram que, realmente, estes sujeitos devem ser considerados excepcionais. Pois é uma quadrilha perigosa e ameaça ao sistema financeiro, social e político do país.
Na realidade, as algemas caíram porque a PF passou a mexer com sujeitos do establishment e de uma elite economicamente poderosa. Pessoas que sempre tiveram a lei ao seu favor e foram acostumadas a se manter no poder de mando. Não seriam "grandes" homens influenciadores dos rumos do país e dos três poderes? As algemas caíram porque a justiça passou a exercer a sua real função: ser cega e tratar a todos de igual modo perante a lei (CF Art. 5º). Mas o fato que os ministros elegeram para justificar a queda das algemas foi o do pedreiro Antônio Sérgio da Silva, condenado a 13 anos e 6 meses de prisão por homicídio, cuja anulação pelo STF justificou-se porque o pedreiro foi algemado durante o julgamento. Este foi o primeiro caso do país? Então, levando em consideração a nova lei, aquelas pessoas das camadas populares que, nos últimos anos, foram execradas e degredadas publicamente, não poderiam, no Ministério Público, entrar com um processo, solicitando indenização dos danos morais ao Estado?
Portanto, aguardemos como será a partir da determinação do STF, o comportamento policial frente aos casos de decretação de prisão. Acompanhemos se, realmente, os policiais serão orientados para bem interpretar a lei, e quais serão os indivíduos que entrarão na tipologia de "casos considerados excepcionais", considerando que as leis brasileiras são aplicadas somente a alguns segmentos sociais - como diz o sociólogo Arnaldo Eugênio: uma justiça à moda da causa (a expressão é uma construção própria com base em cardápios de restaurantes à moda da casa), até porque estes não dispõem de recursos para contratar profissionais que advoguem em sua causa. Esperemos!