BUROCRACIA
Por NERI P. CARNEIRO | 22/11/2009 | EducaçãoEstou reapresentando este texto que saiu, em 2005, no jornal Folha da Mata (Rolim de Moura-RO) e depois, em maio de 2007 no blog falaescrita, podendo ser acessado no endereço: http://falaescrita.blogspot.com/2007/05/burocracia.html. Note que de 2005 até este final de 2009 ele se mantém atual e, infelizmente, creio que continua mostrando um dos graves motivos de nosso atraso ou de nosso emperramento. À pergunta: porque muita coisa não funciona em nosso país? A resposta é: por causa da burocracia.
Burocracia, em nossa bela língua nacional, é uma corruptela de uma palavra francesa que significa escritório, ou mesa – digo isso porque o mico que hoje pagamos pelos americanismos já o pagávamos, tempos atrás, pelo modismo francês. Mas isso pouco tem a ver com o que hoje quero comentar. Hoje quero falar da burocracia que impera e emperra este país.
Acredite ou não o que vou contar é a mais pura verdade e, não duvido, você deve conhecer casos semelhantes – ou piores!
Um amigo meu dia desses precisou de uns documentos que deveriam ser expedidos por um determinado órgão público. Chegou à repartição. Informou-se sobre os procedimentos para solicitar e receber o tal documento: "você tem que preencher este formulário, requerendo" – disse a pessoa que atendia. Meu amigo, que tinha pressa do documento, pegou sua caneta e preencheu o formulário; assinou e entregou. "Não, meu amigo, você tem que preencher usando aquela máquina ali", retorna o atendente, apontando para uma velha máquina de datilografia, ao lado. Meu amigo pediu desculpa – quem precisa de um documento tem que se sujeitar a certas humilhações – e pediu outro formulário, pois o primeiro fora preenchido à caneta, na frente do funcionário que atendia e que exigia que o preenchimento fosse à máquina.
Não pense que a história acabou com o fornecimento de um novo formulário. O funcionário dessa dita repartição pública – o escritório que se traduz por "burô" (que não tem nenhuma relação com o animal, pois o U francês se pronuncia I e se pronuncia "birro" e daí se origina a tal burocracia!) – procurou pelas gavetas e não achou outra via do tal formulário. Ato contínuo, foi ao computador, sobre sua mesa de trabalho, selecionou um documento e o imprimiu – era o formulário. Meu amigo só pensou, mas não quis perguntar: "Já que o formulário está no computador, por que, o próprio funcionário não o preenche e o requerente só assina....?" conteve-se e nada falou! Pegou a nova cópia, foi para a empoeirada máquina de datilografia e preencheu o formulário que poderia ser agilizado pelo computador.
A história ainda não terminou. Depois de assinar e entregar o requerimento, meu amigo ouviu a sentença: "O senhor pode passar aqui amanhã, às 10 horas!" Meu amigo saiu. E voltou no outro dia às 10 horas. O documento estava pronto, menos por um detalhe: Faltava o chefe assinar!
Mas o chefe estava na mesa ao lado. Meia hora depois o documento estava assinado.
Meu amigo recebeu o documento e passou os olhos para conferir. Seu nome estava escrito errado. Sentiu o coração esfriar, pensando na dificuldade que deveria enfrentar novamente para receber o documento; pensou que receberia o documento só no outro dia...
Mas não foi o que aconteceu. Meu amigo mostrou que seu nome estava errado. O funcionário conferiu e constatou o erro – só disse que quem havia digitado fora seu colega, que não estava ali no momento – e foi para o computador que fora usado na véspera para emitir o formulário. E o funcionário deu os comandos, corrigiu a letra que estava errada e imprimiu o novo documento. Menos de 5 minutos depois o meu amigo estava saindo com o documento que necessitava...
Conseguiu sentir o drama dos brasileiros: 24 horas de espera (sem contar a meia hora de espera pela assinatura!) por um documento que poderia ser emitido em menos de 5 minutos. É uma situação que dispensa comentários, não é mesmo?!
Mas vou comentar! Se não fizer isso não fica um texto burocrático!!!!
Pense um pouquinho: os órgãos públicos tem a função de atender – e bem – ao público. Então esse órgão e informatizado. A gente pensa que isso é para melhorar o atendimento, apressar o processo. Mas não! O requerente tem que preencher, numa velha máquina de escrever (nada contra ela, que teve seu espaço e foi muito útil, até ser substituída pela nova tecnologia informatizada!), um formulário que poderia ser preenchido no computador. Aliás, para quê esse formulário de requerimento se o requerente está ali na frente, e o documento solicitado está disponível no mesmo computador que imprime o formulário? Note-se que poderíamos se ter acesso a essas informações em nossa própria casa, pela internet, como se tem para várias certidões da receita federal, por exemplo...
Com os programas de busca, o computador localiza a ficha da pessoa em segundos. É só atualizar os dados exigidos e mandar imprimir. E alguns órgãos públicos – e alguns privados também! – mandam o sujeito esperar 24 horas por um documento que pode ser emitido em apenas alguns minutos.
A questão é que ainda existem funcionários públicos que se consideram senhores do mundo e fazem questão de fundamentar a antiga piada de que a cura para o câncer é um produto muito raro e se chama "suor de funcionário público!"
E, para manter a atualidade desta narrativa, vamos acrescentar outro episódio: A justiça eleitoral, numa postura inovadora e anti-burocrática, anunciou que os jovens podem preencher os formulários para obtenção do título de eleitor pela internet e, depois passar nos cartórios eleitorais para retirar o documento.
Louvável.
Mas pasmem!
Uma jovem, alegre e ansiosa por poder completar sua documentação e integrar o rol dos cidadãos, – pois se diz que votar é ser cidadão! (si lá!) – seguiu a orientação. Dias depois passou no cartório eleitoral. A pessoa que a atendeu lhe disse que era muito mais complicada a emissão do título dessa forma. E a jovem ficou quase a manhã toda, esperando e assistindo a um festival de má vontade e inexperiência informacional dessa pessoa. Além de ouvir, por várias vezes que teria sido mais fácil a jovem ter levado seus documentos pessoais até o cartório para que um funcionário preenchesse os dados necessários e emitisse o documento.
Ao ouvir a história fiquei pensando: será que o funcionário não sabe operar o computador que é sua atual ferramenta de trabalho? Será que é só má vontade e estultice de um funcionário público? Será que o sujeito é tão incompetente que pensa que a informatização do sistema lhe tirará o emprego?...
Ou será que estão brincando de serviço público. Ou será que estão pensando que o contribuinte – que paga os impostos com os quais se paga o salário daquele servidor que atende de má vontade – procura o órgão de serviço público só por brincadeira? Será que pensam que o povo não percebe a má vontade no atendimento? Será que quem gerencia os órgãos públicos normalmente a partir de uma função eletiva é conivente com essa falta de profissionalismo... ou o sujeito eleito é tão ineficiente quanto os funcionários que gerencia... ?
Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.
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