BREVE COMENTÁRIO SOBRE PANTOMIME DE DEREK WALCOTT

Por Helio Rocha | 10/01/2009 | Literatura

Helio Rodrigues da Rocha
Pantomime
(1ª publicação - 1978), do escritor caribenho
Derek Walcott (1930 -), é uma peça teatral que
retrata a tensão entre a figura do colonizador e do
colonizado a partir da reescrita de Robinson Crusoe, de Daniel Defoe.
Walcott estrutura sua peça tendo por base a
relação senhor/escravo retratada em Robinson
Crusoe. Nessa narrativa colonialista, Defoe constrói a
figura do "senhor" em Robinson Crusoe - um
britânico que é capaz de construir seu
império em uma ilha do mediterrâneo, nomear as
coisas e seres em inglês, de ensinar a sua língua
(inglesa) ao seu escravo (Friday), bem como instruir-lhe no
cristianismo ? e Friday, um nativo da ilha que fora salvo da
morte por Robinson Crusoe e passa a servir seu
?senhor?, porém aprende sua
língua para amaldiçoá-lo,
também. A reescrita de obras consideradas
canônicas na literatura mundial é uma
característica de escritores pós-colonialistas,
como Derek Walcott, por exemplo.
Em Pantomime, há apenas
dois personagens: Harry Trewe, um ator inglês aposentado, na
faixa dos quarenta anos de idade, dono de um hotel e Jackson Philip,
natural de Trinidad, quarenta anos de idade, empregado de Harry
(factotum ? empregado que faz de tudo). A peça se
inicia em uma casa próximo a um penhasco na ilha de Tobago.
A primeira fala é de Harry que entra dançando e
cantando uma pantomima natalina chamada Robinson Crusoe. No momento que
ele sai, Jackson entra trazendo o café, põe
à mesa e chama pelo patrão. "Sr. Trewe,
o senhor ta aí? Seus ovos mexidos estão
aqui?" Sai e chega Harry cantando e dançando: Is
this the footprint of a naked man, or a is it the naked footprint of a
man that startles me this morning on this bright and golden sand. Fala
para a platéia: "There is no one here but I, just
the sea and lonely sky?" Jackson retorna,
saúda o chefe com bom dia! Harry o chama de Friday e Jackson
pede que não insista nessa conversa. Assim, para Harry,
Jackson representa Friday e ele o Robinson Crusoe. Harry
está preocupado em encenar algo que apresentará
aos turistas que se hospedarão no hotel após sua
reforma. Também, para Harry, Jackson pode representar o
papagaio, já que Robinson Crusoe tem um, porém,
um papagaio crioulo, já que Jackson é um nativo
crioulo.
A única idéia que Harry tem para
poder entreter seus hóspedes hipotéticos
é a pantomima de Robinson Crusoe e, como se pode esperar,
Harry pede que Jackson encene Friday. A peça fica
interessante quando Harry propõe reverter os
papéis. Quando Jackson anima-se com a idéia, o
resultado não parece bom para Harry, que começa a
pensar que sua sugestão de inverter os papéis
não foi ideal para ele. Ao longo da peça, o
diálogo mostra a exibição de seus
talentos, pois os homens invertem os papéis numerosas vezes,
mas não sem lutar ? (colonialismo não
bem sucedido nas Guianas, por exemplo/ onde houve
colonização, houve resistência). Ao
final, ambos têm ganhado com a
exploração das suas diferenças.
A
escolha de Walcott de reencenar o modelo Crusoe-Friday permite-lhe a
troca de papéis dos atores. A pantomima de Crusoe funciona
como uma peça dentro de uma peça, daí
a subversão, pois as facetas dos atores podem ser exploradas
tanto pelo autor quanto pelos autores envolvidos. Ao mesmo tempo,
embora Harry e Jackson estejam apenas encenando, no hotel
mantém-se a posição mestre/servo.
Walcott lembra ao público que a vida do colonizado
é sempre um ato, ou seja, só resta o drama ao
colonizado: "We already had the theatre of our lives". Harry Trewe vive
sua vida como um ator, imagina-se a si mesmo seguindo um script: "I'd
no idea I'd wind up in this ironic position of giving orders, but if
the new script I've been given says: HARRY TREWE, HOTEL MANAGER, then
I'm going to play Harry Trewe, Hotel Manager, to the hilt, dammit. So
sit down!". Isso implica que a dominação do
colonizador sobre o colonizado tem sido sempre um ato. Pantomime mostra
a situação de servidão que se encontra
o colonizado e o condena à imitação:
"You mispronounce words on purpose, don't you Jackson?" says Harry,
"Don't think for one second that I'm not up on your game Jackson.
You're playing the stage nigger with me". Walcott torna claro ao
leitor/espectador, como também aos personagens, que eles
seguem um modelo ? o modelo da metrópole.
Em
Pantomime há o poder de nomear objetos/seres, como fez
Adão, conforme discurso religioso cristão, no
Éden. Em Pantomime, Jackson toma o controle e chama o
personagem da narrativa de Daniel Defoe não de Friday, como
quer Harry, mas "Thursday", e segue nomeando outros objetos (mesa,
patamba ? p. 114) ao seu redor, tentando ensinar ao
patrão a língua do servo.