Brasília é uma festa
Por mariza angela donizete campos | 15/09/2012 | CrônicasUm grande palco com continuas apresentações de variadas peças teatrais, onde os atores representam seus próprios personagens, esta montado no centro de Brasília. O teatro brasiliense planalto ocupa quarteirões divididos em várias casas de espetáculos. Com um quadro extenso de funcionários e seus salários polpudos, sendo que alguns nem mesmo sabem para que servem. De segunda a quinta-feira é uma roda viva de grandes atrações, sendo que as sextas e domingos todos viajam em recreação. Só os seguranças fazem suas rondas e as faxineiras limpam, preparando a casa de espetáculo para a próxima semana. Poucos são os que tem acesso às apresentações ao vivo encenada no planalto, na verdade essa regalia é só para credenciados. Cabe ao povão contentar-se em assistir através da televisão ou jornal, sem ter a oportunidade de opinar a respeito com vaias ou aplausos. Deobaldo é um cidadão brasiliense que mora nas proximidades do teatro e faz parte da categoria F, de favelado, faminto, falido, f... Classe humana totalmente excluída da grande festa de Brasília. Na verdade só 1% da população vizinha e até mesmo do Brasil tem o direito de freqüentá-lo. Ao restante assim como para Deobaldo, fica a opção de vê-los nos noticiários da TV ou dos jornais. A sorte é que, pelo ao menos uma televisão de 14 polegadas, em preto e branco os desvalidos ainda conseguem ter. Muitos não conseguem sequer ler um mero jornal, pois são analfabetos funcionais.
Na casa de Deobaldo não é diferente: não possui geladeira, mas em cima do caixote de feira – como um troféu à pobreza – está seu pequeno aparelho de TV. A imagem não é lá grande coisa, mas o importante é poder assistir seus personagens favoritos. Gosta da encenação dos atores do Piauí – sua cidade natal, é claro.
“Maria, corre, vem ver o Dr. Depultado Pedro Leopoldo... Tá falando de nóis” – grita para a mulher.
“Escuta aí e depois ocê me conta, purque tenho muita roupa para lavar... – responde Maria do quintal.
Na tela mágica, a peça teatral “Os Posseiros” é exibida ao vivo e quase sem cor. O ator principal: Deputado Pedro Leopoldo, como coadjuvantes o Delegado e alguns policiais. Figurantes: os posseiros. Narrador: o jornalista. A apresentação então inicia e entra em cena o Delegado dando ordens... Narra o repórter.
“Se não houver acordo para desocupação, desçam o cacete sem dó, usem gás de efeito moral e balas de borracha. O importante é expulsar esses maloqueiros da área.”
“Sim senhor delegado, agiremos com rigor – respondem os policiais ávidos em ‘manter a ordem no pedaço’ ”.
Enquanto os posseiros levavam cacetadas e respondiam com pedras nas mãos, uma outra cena mostrava o Deputado em questão discursando: “Como representante político do povo, peço uma solução para essa gente, é necessário construir casas populares para acolhê-los antes de desalojá-los. Conto com o apoio e senso de justiça dos nobres colegas e do governo.” É aplaudido pelos atores presentes e em seguida mudam de pauta.
Nas favelas todos são expulsos, os barracos são queimados e alguns foram presos. A polícia é elogiada, “Parabéns, bom trabalho!” Fim do primeiro ato. Fecham-se as cortinas.
Deobaldo e Maria, assim como seus vizinhos, estão espalhados, tendo como teto os viadutos, sem esperança de um final feliz. E a festa em Brasília continua. Atores cada vez mais convincentes atuam no palco do teatro planalto, às vezes desacreditados pelo povo, mas sempre apoiando uns aos outros na arte de representar.
As peças em cartaz e pré-estréias acontecem de segunda à quinta-feira, exceto nos fins de semana, feriados prolongados, durante o recesso e em caso de viagens à “negócios”.
As antigas e lucrativas que continuam fazendo sucesso são: corrupção ativa no parlamento, desvio de verbas hospitalares, uso de dinheiro público em campanha eleitoral, rombo no INSS. E os atores, despreocupados, vivem a magia da ilusão como se a vida fosse uma grande festa, cheia de riquezas e poder onde tem e fazem tudo que desejam.
Domingo à noite, Eurico Gomes prepara as malas pois irá viajar para Brasília, na segunda-feira em seu jatinho particular.
“Amor vamos passar uma semana em Paris? Esse mês ainda não viajamos.” Pede sua mulher.
“Sinto muito querida ,não vai dar, já sou o ator principal da peça em cartaz no teatro planalto – responde pesaroso ao contrariar sua linda companheira, trinta anos mais jovem.
“Mas você poderia pedir para um colega substituí-lo. Queria tanto ir à Paris... – fala fazendo beicinho.
“Sem chance. O papel que vou representar nesse trabalho artístico estréia na próxima semana. Estarei em Brasília, fica para outra ocasião.”
“Então, posso ir com você?”
“Dessa vez não, tenho que me concentrar para incorporar o ministro Eurico Gomes e com muita convicção provar a sua não participação no escândalo do ‘Mensalão’, nome da nova peça apresentada no teatro planalto.
“Você poderia me apresentar ao diretor, quem sabe eu consigo o papel de testemunha fatal. Levo jeito para coisa. Sei que existem mulheres atuando junto com seus maridos.”
“Nem pensar. É preciso muita malícia para fazer parte desse grupo, eles encarnam o papel com tanta perfeição que é impossível distinguir o homem do personagem. Você não conseguiria tal proeza.”
Em Brasília o alvoroço era geral; o comentário um só: a grande estréia da peça teatral “O Escândalo do Mensalão”. Formou-se uma fila de quilômetros ao redor do teatro planalto, na tentativa de comprar ingressos. De repente, a polícia montada apareceu instigando os cavalos contra a multidão, provocando a maior correria. O povo gritava revoltado, ‘queremos ingresso’ - inútil protesto. Sem forças para lutar, voltaram para casa. Poucos permaneceram em barracas armadas no gramado do prédio. O policiamento fora mantido caso houvesse alguma confusão.
Mais tarde ficaram sabendo que apenas trezentos e sessenta e oito pessoas teriam o privilégio de assistir ao vivo à apresentação encenada no teatro planalto; onde os atores mais bem pagos do mundo, estão perfeitos ao representar. Ao vê-los e assisti-los, todos têm a certeza de que não existe diferença entre o homem e o personagem.
Luzes, ação! Abrem-se as cortinas, entram em cena os políticos em seus próprios papéis nas peças que estão em cartaz no maravilhoso teatro planalto, tornando Brasília eternamente um palco iluminado e festivo.