BRASIL: UM PAÍS DE MIGRANTES
Por Ciro Toaldo | 20/10/2014 | História
SEMINÁRIO “MIGRAÇÕES E GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA”
CEUD – DOURADOS - 16 DE JUNHO DE 2004
BRASIL: UM PAÍS DE MIGRANTES!
No canto que acabamos de ouvir foi afirmado que “nossa terra é tão repleta de migrantes e todos trazem o costume da partilha e quando partem à procura de outras terras é porque sonham ter amigos e família”, mas a grande indagação, dentro do processo histórico de nossa nação brasileira, que uma história repleta de migrações, é entender, primeiro quais as causas destas migrações? O que leva nosso povo migrar?E, como estas pessoas foram e são acolhidas? Só poderemos entender a política da acolhida e sua existência ou não, se procurarmos fazer um retrospecto do contexto histórico da migração no Brasil e perceber que em muitos casos a migração no Brasil e perceber que em muitos casos a migração acaba sendo forçada.
As migrações ocorrem por inúmeros fatores desde as inconstâncias dos ciclos econômicos, planejados independentemente das necessidades da população e por tantos outros. Se pensarmos no processo histórico do Brasil, vemos que uma cultura vai impondo-se sobre outra cultura por força política, econômica ou militar.
O POVO É VÍTIMA
A economia brasileira teve como maior fundamento a surpresa e o não-planejamento. O povo correu atrás da economia e esta não o levou em conta, a não ser como mão-de-obra barata. Na exploração do pau-brasil os índios tornarem-se escravos dos europeus. Depois com a cana-de-açúcar, além do índio, escravizaram-se também negros africanos. Com o ouro e pedras preciosas, milhares de brancos pobres, índios e negros padeceram nas ricas jazidas. Com o café, achou-se melhor mandar embora o negro e trazer para as fazendas mão-de-obra barata da Europa e do nordeste. Entretanto, não podemos deixar de ressaltar que a escravidão, no Brasil, até o final do século XIX, foi a principal forma de trabalho.
A respeito do fim da escravidão, em 13 de Maio de 1888, devemos entender que esta data como momento crucial de um processo que avançou em duas direções. Para fora: o negro sendo expulso de um país moderno e europeizado. Para dentro: o negro tangido para os porões do capitalismo nacional brutesco. O senhor libertou-se do escravo e traz ao seu domínio o assalariado, migrante ou não. Não se decretava oficialmente o exílio do ex-cativo, mas passaria a vivê-lo como estigma na cor da sua pele. Entre as conseqüências dos séculos de escravidão no Brasil desenvolveu-se um quadro de exclusão dos negros. No Brasil um branco recebe mensalmente, em média o dobro do negro. Num país agrário, com poder concentrado na aristocracia branca, explica-se em parte o motivo do racismo. Imigrantes, mestiços ou negros chegavam ao país para trabalhar em funções de baixa remuneração.
Lembramos que no ciclo da borracha (no início do século XX) os nordestinos foram atraídos para a Amazônia fugindo da seca e da miséria. E, com o advento da indústria, os camponeses migram para a cidade.
Assistiu-se, dessa forma, à corrida dos trabalhadores para as regiões que prometiam fartura e sossego, mas encontraram somente a exploração barata e rigorosa de sua força.
Dentro deste cruel sistema que valoriza apenas os ciclos econômicos – como os migrantes foram acolhidos? Aliás, será que existiu espaço para a acolhida destes miseráveis?
UM POVO DESENRAIZADO
Segundo os levantamentos populacionais, em 1980, 40 milhões de brasileiros viviam num município diferente de onde tinham nascido. E isso sem contar as transferências dentro de uma mesma municipalidade: da roça para a cidade e de uma roça para outra. Isso daria quase o dobro de migrantes.
Os números são frios e escondem uma realidade bem mais dura: o migrante é aquele que perde sua raiz, seu chão natal, o contato com os parentes, os amigos, sua igreja, suas festas, enfim na sua identidade.
ÍNDIOS E NEGROS
Quanto aos povos indígenas devemos ressaltar que foram os primeiros brasileiros forçados à migração. Levados à força para o trabalho agrícola, foram privados de seu chão. Os índios que não fugiram para o interior foram escravizados para plantar na terra que há pouco era sua.
Os bandeirantes são o maior símbolo do extermínio e escravização desses povos. Os imigrantes europeus, que receberam no Sul terras supostamente vazias, pois índio não era considerado gente, também combateram os indígenas. Não podemos deixar de colocar que também os Jesuítas intensificaram o processo migratório dos povos indígenas.
A migração indígena continua, tanto pela invasão dos garimpeiros, como pela expansão da agroindústria. Hoje se fixam nas beiras de estradas ou vivem favelados em zonas urbanas. De cerca de cinco milhões no século XVI, hoje são 325 mil.
Como já mencionamos, não menos dura foi a sorte dos negros trazidos escravos para as plantações de cana-de-açúcar, para a mineração e os trabalhos domésticos. O negro perdeu o país, a tradição, a família, a língua e a religião. Felizmente, muitos deles conseguiram preservar, com duras penas, as suas tradições humanas e religiosas.
A mão-de-obra escrava encontrou a oposição internacional, encontrou-se um meio mais econômico para as grandes fazendas de café: o imigrante europeu. Se o escravo negro precisava ser comprado, vestido, alimentado e ter moradia e amparo na velhice, o europeu era diarista: trabalhava por uma diária, o que era mais barato. Assim, após a Lei Áurea de 1888, muitos negros acabaram indo para as periferias urbanas.
Houve também negros que retornaram à África, uns 10 mil, onde constituíram bairros brasileiros e mantiveram o catolicismo. Os cerca de 5 milhões de negros trazidos da África proliferaram-se - hoje os negros e mulatos constituem 40% da população brasileira.
Nesta retrospectiva histórica – onde encontramos a acolhida do índio e negro? Será que eles foram acolhidos? E hoje: em nossas comunidades, Universidades – como anda a acolhida em relação aos índios e negros?
OS POBRES QUE VÊM DA EUROPA
Outro aspecto que não podemos esquecer é que inicialmente, com a chegada dos portugueses, muitos enriqueceram, contudo, outros apenas sobreviveram ou cumpriam pena.
No início do século XIX, evidenciou-se um problema racista: a supremacia das raças. Atribuiu-se a miséria e a violência à "raça" brasileira. O negro, mulato, índio, teriam características genéticas atrasadas, era necessário então embranquecer o Brasil. A importação de brancos, especialmente de alemães, era o melhor caminho para o progresso. Nem os chineses serviam. Depois de muita discussão e imigração, em 20 de junho de 1890 se aprova a lei de imigração, aceitando todos, "menos os indígenas da Ásia e da África". Ainda em 1945, Getúlio aprova um decreto reforçando a necessidade da vinda de mais europeus. Um país de pobres selecionando pobres.
Entre 1871 e 1920, o Brasil recebeu 3,3 milhões de imigrantes, provenientes da Alemanha, Itália, Portugal, Ucrânia e Polônia. Na década de 30, houve imigração maciça de japoneses. Também vieram coreanos, chineses, libaneses e turcos. Normalmente os imigrantes faziam parte dos empobrecidos de suas pátrias, pela falta de terras e de empregos.
Os imigrantes foram levados para trabalharem como braçais nas fazendas de caféem São Paulo, Rio, Minas e Espírito Santo. Outros passaram a trabalhar nas indústrias. Os que vieram para os estados do Sul se dedicaram à agricultura, à indústria e fundaram muitas cidades nesses estados.
Como estes migrantes pobres estrangeiros foram acolhidos? E hoje, como acolhemos os pobres estrangeiros que chegam em nossas comunidades são acolhidos? Existe esta preocupação?
MIGRAÇÕES INTERNAS
Internamente, o nordestino é o migrante brasileiro por excelência. Vítima das secas ou da exploração latifundiária foi para a Amazônia, como já vimos no ciclo da borracha e com o desenvolvimento da indústria e construção civilem São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Brasília. Assim que pode, ele retorna ao seu nordeste: lá está sua raiz, seu chão natal.
A partir da década de 30, na era Vargas, promoveu-se a Marcha para o Oeste, com a ocupação do MT e GO. Em seguida, dos estados de RO, AC, RR, entre outros.. Gaúchos, catarinenses, paranaenses, paulistas e outros fundaram e fundam novas comunidades, dedicando-se à agropecuária.
A grande migração do final do milênio é o êxodo rural, com o inchaço das cidades e o empobrecimento de muitas famílias que na roça tinham do que viver. Em três décadas, a população brasileira mudou de 80% no meio rural para 80% no meio urbano.
Causa disso: sedução da cidade, melhor condições para a educação dos filhos, a falta de terra e a perda da propriedade pela hipoteca bancária... Não há uma política convincente para se fixar o homem na roça.
Existe uma preocupação de acolher aqueles que vem da roça e com culturas diferentes em nosso meio? Valorizamos a pluralidade cultural de nossas comunidades e em nossa universidade?
MIGRAÇÕES EXTERNAS
Outro aspecto que muito se tem falado e pouco estudado, diz respeito ao êxodo de brasileiros com destino aos países ricos – reflexo da política neoliberal e da acentuada globalização mundial da economia, ao longo de uma década e meia, milhares de Trabalhadores brasileiros, muitas vezes qualificados submeteramm-se aos riscos da vida clandestina, ao subemprego e à discriminação, em busca da miragem de dias melhores, em vários países ricos da Ásia, Europa e América. Fenômeno pouco estudado deveria ser analisado pela academia – são casos de migrações – onde se envolve a construção de uma "identidade brasileira" no exterior, onde a saudade e as dificuldades da volta precisam também devem ser levados em consideração.
São fortes as imagens que estes migrantes deixam a respeito da procura, de onde é possível formar um vasto painel de desesperança e sonho. Este contexto recente em nossa história, que é o estudo das migrações de brasileiros, ainda é parco em estudos.
Será que estes migrantes que deixam a sua terra e partem para outros lugares mais distantes em territórios diferentes, será que lá eles são acolhidos? E quando voltam, como são acolhidos?
Na atual conjuntura nacional e internacional, os migrantes tranformaram-se em ‘massa sobrante’ que é explorada quando interessa ao sistema ou mão de obra dos países e regiões desenvolvidas. O sistema econômico neoliberal, que concentra as riquezas nas mãos de poucos, cria muros para excluir os pobres. Interpretada nesta ótica, a migração representa a busca, por parte dos excluídos, de alguma fenda que permita o acesso parcial a alguns dos benefícios produzidos pelo sistema. Os deslocamentos dos excluídos lembram o movimento dos cães ao redor da mesa em busca de algumas migalhas.
Se desejarmos de fato, que a inclusão social seja se concretize, precisamos rever nossas políticas e ações no que diz respeito a acolhida, pois, como afirmava Mahatma Gandhi (Índia – 1869/1948) “Nosso futuro depende das ações do presente”.