Brasil e Itália: o caso Battisti ? 1ª Parte
Por Roberto Jorge Ramalho Cavalcanti | 04/08/2009 | DireitoRoberto Ramalho é Advogado, Relações Públicas e Jornalista.
A decisão
recente do ministro da Justiça, Tarso Genro, concedendo refúgio
político ao ex-terrorista e atualmente escritor italiano Cesare
Battisti, continua causando polêmica na imprensa brasileira e italiana,
a ponto do primeiro-ministro italiano Silvio Beluscconi cancelar sua
visita que estava programada para acontecer nos depois do Carnaval,
onde visitaria o estado de São Paulo e o Rio de Janeiro. A decisão do
governo brasileiro tem causado e provocado reações dentro do território
brasileiro que vão do aplauso à desaprovação contundente. Porém, isso
não se constitui no internamente uma afirmação contrária ao direito
brasileiro, indo, inclusive de encontro ‘as tradições que o Brasil
aplica em suas relações internacionais com todos os países membros da
ONU (Organização das Nações Unidas). Sobre o refugiado italiano Cesare
Battisti há informações oficiais do governo italiano que ele foi membro
de um grupo armado de extrema esquerda denominado Proletários Armados
pelo Comunismo (PAC), que praticou inúmeros crimes políticos no final
da década de 1970, em território italiano, sendo condenado pela Justiça
italiana à prisão perpétua por atos terroristas que causaram a morte de
quatro pessoas, nos anos 70. No entanto, na década seguinte, seus
militantes renunciaram à luta armada, sendo que muitos haveriam de
viver na França, onde obtiveram refúgio político do governo francês,
principalmente no mandato do presidente François Mitterrand, entre 1981
a 1990, do Partido Socialista, como no caso do ex-terrorista e
ex-revolucionário Battisti. Porém, o seu refúgio na França não o
impediu que fosse julgado e condenado na Itália a prisão perpétua a
revelia, sendo a prova mais significativa constante dos autos o
depoimento de um ex-membro de seu grupo armado, que o delatou em troca
de algumas regalias no seu processo. O instituto da delação premiada
por sorte não existe no Brasil. Ameaçado pelo governo italiano e
temendo ser seqüestrado por agentes do governo italiano, Battisti,
segundo a Revista Isto É, conseguiu, por meio de agentes secretos
franceses, ajuda e passaporte para viajar até a Espanha e depois
Portugal, fazendo escala na Ilha da Madeira, depois pegando um barco
até Ilhas Canárias. Das Canárias, foi de avião até Cabo Verde, chegando
posteriormente à cidade de Fortaleza, no Brasil. Em seguida veio ao Rio
de Janeiro, no bairro de Copacabana onde alugou uma kitchenette,
mantendo, depois, um encontro com o deputado federal Fernando Gabeira,
do Partido Verde, de quem ele disse ter sido ajudado. No Estado
Democrático de Direito, a defesa do acusado deve ser plenamente
garantida e o processo seguir o seu curso. Não foi o que aconteceu com
Battisti, que foi condenado a revelia na Itália, sem estar presente
para se defender das acusações que lhe são imputadas naquele país, de
tradição democrática, embora já tenha vigorado um governo ditatorial,
como o de Benito Mussolini, na década de 40. Ainda em matéria publicada
na Revista Isto É, Battisti alega inocência e diz textualmente “nunca
ter matado ninguém”, embora lhe seja imputado quatro assassinatos,
incluindo o de Pierluigi Torregiani, que sofreu um atentado do grupo a
que ele pertencia. Diz ele: “Nunca matei ninguém. Eu nunca fui um
militante militar em nenhuma organização. Nem na Frente Ampla nem nos
PAC, onde fiquei dois anos, entre 1976 e 1978. Saí dos PAC em maio de
1978, depois da morte de Aldo Moro”. Ele foi condenado com base na lei
de exceção criada para combater a violência política, a Lei Cossiga, de
1981, e que lhe foi aplicada retroativamente aos crimes imputados,
crimes esses que teriam ocorrido entre 1977 e 1979. No Brasil isso não
é compatível com o Estado Democrático de Direito, em que vigora a
irretroatividade da lei penal que afirma taxativamente que “Não há
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal”. É o que consta da nossa lei penal.
Embora naquela época a Itália fosse um Estado Democrático de Direito,
como continua sendo, a insurreição armada não tinha porque acontecer e
não se justificava. Porém, o governo italiano, mesmo assim, não podia
se afastar dos princípios que norteavam e norteiam o Estado Democrático
de Direito para reprimir com o direito da força os insurgentes,
incluindo Battisti. Nesse sentido, nunca os fins não podem justificar
os meios. Isso vai de encontro à democracia e a liberdade de um povo.
Na sua decisão, tomada com bastante precaução e com base legal, o
ministro da Justiça considerou que Battisti foi condenado pela prática
de crimes políticos e não por crimes comuns. Naquela época, o próprio
ex-presidente da Itália, Francesco Cossiga, reconheceu que o crime
praticado por Cesare Battisti tinha natureza política, embora devamos
lembrar que na Itália essa é uma circunstância agravante. A denominação
dada à legislação de exceção aplicada ao caso de Battisti, recebeu o
nome de Lei Cossiga, datado de 1981. No caso do direito brasileiro, o
artigo 77 do Estatuto do Estrangeiro é muito claro ao determinar que
“não se concederá extradição (...) quando o fato constituir crime
político”. Portanto, o ministro da Justiça como a autoridade competente
para conceder o refúgio, proferiu sua decisão, mesmo ela tendo sido
contrária pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) órgão vinculado
e subordinado ao ministério da Justiça, a quem cabe decidir se concede
ou não asilo e refúgio político a um estrangeiro que a solicita,
cabendo, entretanto, a decisão final ao próprio ministro da Justiça.
Esse não é e não foi o primeiro caso de asilo e refúgio político
concedido pelo governo brasileiro a um estrangeiro. Lembremos do caso
do ex-ditador do Paraguai, Alfredo Strossener, que conseguiu seu asilo
e refúgio político no Brasil, embora tenha sido responsabilizado de
crimes ideológicos em seu país durante a ditadura política que vigorou
no Paraguai nas décadas de setenta e oitenta. O Brasil ao conceder
asilo e refúgio político jamais decidiu tendo em vista filiações
ideológicas ou partidárias, e sim por questões humanitárias. É preciso
reconhecer que a Itália tem todo o direito de protestar contra a
decisão do governo brasileiro e querer a todo custo a extradição de
Cesare Battisti. Faz-se necessário lembrar que o Brasil também
protestou quando a Itália lhe negou a extradição de Salvatore Cacciola,
acusado da prática de crimes financeiros de natureza gravíssima
cometida em solo nacional, com a quebra do Banco Marka. Ao negar o
pedido do governo brasileiro, tomada de acordo com a lei e pelas
autoridades competentes da Itália, o Brasil mesmo sob protestos
respeitou o ponto de vista daquele país. Salvatore Cacciola, que faliu
o Banco Marka, deixando um prejuízo de mais de U$$ 1,2 bilhões de
dólares, além de ser brasileiro, tinha, também, a nacionalidade
italiana. O Parlamento Europeu Já se pronunciou. Através de uma moção
uma moção comum e reiterado o pedido de extradição de Cesare Battisti e
é exigido das autoridades brasileiras segundo eles “pleno respeito aos
princípios do Estado de Direito da União Europeia (UE)”. A proposta de
moção contou com o apoio do Partido Popular Europeu (PPE), dos Liberais
Democráticos (LD, do Partido do Socialismo Europeu (PSE),) e da União
pela Europa das Nações (UEN). O texto da moção é bastante incisivo e
lembra também que “a parceria entre UE e Brasil se baseia no
reconhecimento recíproco de que as duas partes respeitam o Estado de
Direito e os direitos fundamentais”, conclui. Cabe, portanto a decisão
final, ao Supremo Tribunal Federal (STF), que mandou o governo italiano
se pronunciar sob o assunto em no máximo cinco dias, que o fez pedindo
a revogação da decisão do governo brasileiro, mas o relator do caso,
ministro Cezar Peluso, negou liminar requerida pelo governo italiano,
em Mandado de Segurança, embora a Procuradoria Geral da República já
tenha dado seu parecer final aprovando o asilo e o refúgio político de
Battisti no Brasil. A decisão do governo brasileiro é soberana, assim como o
direito da Itália em requerer a extradição do ex-terrorista italiano
também o é. Vamos esperar o que o STF decida definitivamente a questão
em abril. Mas em minha opinião, embora o ministro do STF , Celso de
Melo, tenha dito à imprensa que a corte está dividida e que possa mudar
a jurisprudência atual sobre a extradição, creio que a instituição
máxima do Poder Judiciário brasileiro possa manter a decisão do governo
brasileiro ou conceder a extradição do ativista italiano que em carta
dirigida aos ministros do STF, entregue pelo Senador do PT, Eduardo
Suplicy, nega ter cometido os crimes que lhe são imputados. Diz ele num
trecho da carta: “Não sou responsável por nenhum dos homicídios dos
quais sou acusado, senhores ministros. Constantemente fui utilizado no
processo como um bode expiatório, por arrependidos”, afirma. Enquanto
isso não acontece, a defesa de Cesare Batistti requereu pela quarta vez
a sua soltura. Segundo o advogado de defesa de Batistti, o Luiz Eduardo
Greenhalgh, que dirigiu petição ao ministro Cezar Peluso, do Supremo
Tribunal Federal, relator do processo de extradição do ex-terrorista
italiano, insiste “seja revogada de imediato a prisão preventiva do
refugiado e determinada à expedição do competente alvará de soltura”.
No entanto, em entrevista recente a imprensa brasileira, o presidente
do STF, Gilmar Mendes afirmou taxativamente se a Corte máxima da
Justiça Brasileira conceder a extradição do ex-ativista italiano,
Cesare Batistti, o presidente da República, Luis Ignácio Lula da Silva,
não terá outra saída a não ser a de conceder a sua extradição, por
caber a última decisão ao STF.