BORDEL SEMÂNTICO: A PALAVRA QUE SE DISPUTA EM MÍDIA DIGITAL

Por Ivana Rodrigues Silveira | 24/01/2013 | Literatura

BORDEL SEMÂNTICO: A PALAVRA QUE SE DISPUTA EM MÍDIA DIGITAL

SILVEIRA, Ivana Rodrigues.

nanarodsi@hotmail.com 

Orientador: Prof. Dr. Antônio Ponciano Bezerra

RESUMO

              Este artigo irá apresentar o blog Bordel Semântico, do poeta Juliano Beck, como uma produção poética contemporânea em mídia digital. Entendendo a internet como facilitadora no processo de comunicação, na qual a publicação e a leitura de textos acontecem de forma instantânea, facilitando assim o dialogo entre o escritor e o seu público. No Bordel Semântico, a palavra que se disputa é aquela que ocupa o espaço de forma inovadora, conjugando-se às cores, a imagem e ao som, para desconstrução da estética e da semântica habitual, gastas socialmente.

 

PALAVRAS-CHAVE

Bordel Semântico, Juliano Beck, palavra, poética, pós-modernidade.

 

ABSTRACT

 

   This article will present the Semantic blog brothel, the poet Julian Beck, as a poetic contemporary digital media. Understanding the Internet as a facilitator in the communication process, in which the publication and reading of texts happen instantly, thus facilitating the dialogue between writer and audience. In Semantic brothel, the wordis disputed is that which occupies space in an innovative way, combining the colors, the image and sound for the deconstruction of the aesthetic and semantic usual social spending.

KEYWORDS
Semantic Brothel, Julian Beck, word, poetry, post-modernity.

               A contemporaneidade é o momento das novas concepções de criação e divulgação artística. Com a globalização a utilização dos meios de comunicação tornou-se mais difundida, sendo a internet um dos recursos mais utilizados como forma de acesso para comunicação e aproximação entre as pessoas, podendo também ser estudada como um meio de exposição e/ou divulgação de produções literárias.

               A pós- modernidade consolidou a liberdade do trabalho com a palavra junto ao processo de comunicação dentro das mídias digitais. Ampliou a visão artística dos que fazem a literatura, assim o trabalho com a palavra pode ser vinculado a vários recursos, destacando aqui a união entre linguagem, língua, som e imagem, através do uso da internet.

               Observa-se que a internet é uma ferramenta de fácil acesso e de baixo custo, logo, contribui para que mais escritores possam produzir textos e de imediato publicá-los, deixando-os a disposição do seu público. Diferente do que se lê sobre os séculos anteriores em que a literatura só era publicada em folhetins, jornais, revistas ou livros, e por isso o acesso a essas produções era mais difícil. Hoje, com a internet, o processo entre criador, obra e apreciador pode ser estabelecido de maneira instantânea.

              Este trabalho considerará o uso do blog¹ como uma ferramenta de mídia digital, aliada à criação e exposição de um trabalho poético pós-moderno. Partindo da ideia de que qualquer um pode ter acesso à internet, pode-se abrir uma interrogação sobre o que é literatura ou não. Sabendo que um blog pode ser criado por qualquer indivíduo, não só por um escritor literato. Por isso, é preciso cuidado ao classificar o que está sendo escrito nas redes sociais, para não haver banalização do conceito da literatura.

 

________________________

¹ O blog é uma página web que pode ser atualizada frequentemente por seu usuário.

Qualquer grupo ou indivíduo pode ter, a partir de agora, os        meios técnicos para dirigir-se, a baixo custo, a um imenso público internacional. Qualquer um (grupo ou indivíduo) pode colocar em circulação obras ficcionais, produzir reportagens, propor sínteses e sua seleção de notícias sobre determinado assunto.

            (LÉVY, 1999, p. 240).

                         

              Há-se de considerar que o percurso histórico da Literatura Brasileira é marcado por influências externas que foram as desencadeadoras de novas concepções. Vivemos uma “ditadura poética” em tempos passados, pois apesar de não haver um “regimento” da poesia, havia uma similaridade entre os autores, e quem fugisse disto eram rejeitados em seu meio. Portanto, eram inclinados inconscientemente a produzirem sobre uma mesma temática e de uma mesma forma. Hoje, as amarras que prendiam os intelectuais foram soltas e há uma liberdade sem penalidades, surgindo então uma poesia totalmente nova, que é fruto da história literária no Brasil, agora amadurecida e independente, outrossim, mesmo tendo um passado literário altamente influenciado pela Europa, o Brasil conseguiu construir sua identidade.

              É com essa visão sobre o cenário da criação contemporânea, conquistada através da história da literatura brasileira, que este artigo analisará o Bordel Semântico, Blog do escritor Juliano Beck de Oliveira, como uma obra poética. Mostrando como a sua poesia em mídia digital estabelece um dialogo entre várias possibilidades de significação dos signos verbais os quais se relacionam aos demais códigos envolvidos na criação poética contemporânea.

               Segundo Ezra Pound poético é a linguagem carregada de sentido em seu grau máximo.  Por conseguinte, entende-se como poético a linguagem trabalhada, em seus vários aspectos, e não apenas a que se enquadrada esteticamente em métricas e ritmos. Logo, analisa-se a obra Bordel Semântico como um blog genuinamente poético, livre de classificações literárias.

              Juliano Beck, brasileiro, 26 anos natural de Ijuí- Rio Grande do Sul é graduando em Letras- Português na Universidade Tiradentes, localizada no estado de Sergipe, local onde reside atualmente. Sua bibliografia é composta apenas por um livro, A Plêiade Tributo à Paz. A obra é uma antologia poética, escrita por vários poetas, datada do ano de 2011. No livro estão publicadas três dos seus poemas: Saudade, Da Descoberta do Amor e A chuva.

O escritor é membro colaborador dos blogs Grupal ² e Poetas del Mundo ³. Estes são blogs coletivos, em que Juliano Beck participa junto a outros escritores, postando os seus poemas, comentando e discutindo temas literários. Mas, em maior importância, ele é o criador do Bordel Semântico ⁴, blog de única autoria, onde posta e compartilha a sua poesia, assinada pelo seu pseudônimo , o qual, ele diz que finge ser:

Há um caos dentro de mim, um ódio benevolente, uma paz bélica, uma revolta que se declama em poesia anônima que finjo que sou. Julio Beckovski.

              O Bordel Semântico foi criado pelo Beck em 24 de Março de 2010 e foi por causa do seu sucesso, comprovado pelo com grande numero de acessos diários, seguidores e comentários, que o escritor foi convidado a participar dos outros blogs já citados acima. O Bordel Semântico tem esse nome, pois o poeta acredita estabelecer relações promíscuas com as palavras.

No começo era a palavra que se disputa...

Veja bem, ela é que se disse primeiro, não fui eu.

Eu sou à/penas o poeta. O que faço é fabular...
Tu, moça bonita, que se imaginou comigo na infância (e por isso me conhece bem), bem sabe o quão se faz árdua a minha intelecção. Este mundo é coercitivo, o que me obriga a despojar dos recursos de semiótica para dissimular...
Para ser um bom poeta tem que ter algo de mau. É fingir ser

Você mesmo e usar nomes alheios simplesmente porque rimam. Para ser um bom poeta, não precisa se explicar.
Ao poema, não resta ser nada além de um arquétipo do desejo em meus devaneios concupiscentes, ficar ali, estereotipado no

______________________________

²In: http://poesiagrupal.blogspot.com/

³ http://poetasdelmundose.blogspot.com/

In: http://nasentrelinguas.blogspot.com/

papel como quem clama por qualquer vã interpretação.

Então vem o leitor e o liberta:

Vai, poema teimoso, ser gauche na vida!
E mesmo que meu corpo pertença a uma só mulher, meus vocábulos voluptuosos discorrerão nas bocas de homens e mulheres alheios...
Pois bem, andam dizendo por aí que sou poeta. Então, vou sibilando, fingindo ser isso mesmo e me iludindo com o que dizem os outros que iludi primeiro... Ao tempo em que 'giro nas calhas de roda a entreter a razão' faço das

sublimações dizeres não demasiado sibilinos para olhares mais vorazes... E das aliterações crio orgasmos fugidios nos poemas constantemente inacabados...
Se chego em casa tarde, minha mulher nem reclama mais ao constatar minhas mãos calejadas pela pena, um odor ébrio em minha boca ou alguma marca escarlate das entrelinhas na gola da camisa. Já deduz onde estive.
Escrevo pra não fumar. Escrevo porque não sei dançar... nem dizer. Escrevo como quem afaga um corpo no papel... Já nem sei mais que relações promíscuas estabeleço com as palavras, são todas minhas amantes, minhas putas.

(BECK, Juliano. O Poeta.

 In: http://nasentrelinguas.blogspot.com/2010/05/o-poeta.html)

   Em seu blog, Juliano Beck trabalha a palavra como se fosse um operário do campo semântico, abusando da metalinguagem, metáforas, aliterações e da desconstrução da estética dos vocábulos. No blog é possível adicionar foto, música, vídeo e fazer marcações junto ao texto que será publicado, dessa forma, evidencia-se a união entre linguagem, som e imagem.  Toda essa tecnologia aliada à criação poética do Juliano Beck é inovadora, causando como tudo que é novo e diferente, certa estranheza. Comprovando aos tradicionalistas que a arte tem multifaces.

               Bauman, ao tratar dos precursores da pós-modernidade, denomina-os de estranhos, justamente pela reação da sociedade diante de uma inovação. Esses estranhos estão presentes em qualquer sociedade. Deles ele afirma que:

Se os estranhos são as pessoas que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo – num desses mapas, em dois ou em três; se eles, portanto, por sua simples presença, deixam turvo o que deve ser transparente, confuso o que deve ser uma coerente receita para a ação, e impedem a satisfação de ser totalmente satisfatória; se eles poluem a alegria com a angústia, ao mesmo tempo que fazem atraente o fruto proibido; se, em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as linhas de fronteira    que devem ser claramente vistas; se, tendo feito tudo isso geram a incerteza, que por sua vez dá origem ao mal-estar de se sentir perdido – então cada sociedade produz esses estranhos

(BAUMAN, O mal-estar da pós-modernidade. Rio de janeiro. 1998. p. 27).

              Na obra do escritor exposta em seu blog podemos perceber as inúmeras inovações em sua estética pós-moderna, feitas com o auxílio da tecnologia. A poesia do Juliano é concebida muitas das vezes em letras garrafais, recurso utilizado para que o leitor possa sentir o destaque daquele vocábulo dentro do seu poema, noutras, observa-se variações de cores, negritos e itálicos também presentes em seus versos.  Ainda, analisando as inovações feitas com os recursos que o blog oferece, pode-se perceber forte influência da poesia concreta dos irmãos Campos em sua estética, o lirismo pós- moderno exibido nas marcações feitas pelo autor com canções de autoria Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro, Renato Russo, e em citações de Poetas como o Julio Cortázar e o Carlos Drummond de Andrade.          

Ah mar,
foi o Amor que o inventou?

Delineia as costas nuas
_______________ [da América menina...
sob suas veias abertas escrevo...

Amor é coisa difícil de ver-ba-li-zar
É como tentar uns versos
Depois de muito “prosear”

Sinceramente, eu só sei mentir
_______________[Eis minha condição de poeta,
_______________marceneiro da palavra,
o ser que simula o verbo sentir.

Acaso minto casualmente?


Em nome da nossa predileção pelo mar,
Te peço: não peças
para que eu seja
____________[o poeta do amor,
das coisas afáveis.

Sou o poeta das putas
- porque é preciso haver poesia
entre os abrires e fechares de pernas,
porque é preciso haver metalinguagem
para que as coisas não se tornem meras
__________________[vul ga ri da des ...

.

                                                         (BECK, Juliano. Para não dizer que não falei das putas. 2010)

  A junção da sua arte com outras artes (gráfica, música e vídeos) a imagem aliada ao som e a palavra se faz presente no Bordel Semântico. Sobre isso, Bosi coloca o seguinte: “A verdade sui generis do poema está, precisamente, na intersecção dessas três realidades: o significado aparece sob as espécies do nome concreto, ou da figura, e é trabalhado pelos poderes da voz”. (BOSI, O ser e o tempo da poesia. São Paulo. Companhia da Letras, 2000. p. 107).

               Outra característica da poesia em mídia digital é que o poeta pode dialogar com os seus leitores, pois, os mesmos, logo após a leitura do texto publicado, podem tecer um comentário sobre a obra do escritor. Tornando assim o diálogo entre o escritor e leitor mais acessível, diferente de quando se tem uma obra publicada em livro. Com esse recurso também é possível perceber o comportamento dos leitores diante dessa estranheza. No caso estudado, o blog Bordel Semântico, essa estranheza é reconhecida como belo, pelos leitores do Juliano Beck. Os quais fazem comentários bem construtivos e satisfatórios para o autor. 

                                                         Analuz disse...

Adoro me submeter, entremear-me e me aprofundar em teu lirismo sarcástico... E o faço sem qualquer vergonha nem receio... Faço por paixão a tua metalinguagem...

Beijo de Luz, poeta quase cafetão...

(In: http://nasentrelinguas.blogspot.com/2010/12/pra-nao-dizer-que-nao-falei-das- putas.html#comments).

              Conclui-se que a palavra que se disputa é a palavra nova, aquela que o autor consegue dar outro sentido semântico, diferente do já conhecido e gasto socialmente. A palavra no Bordel Semântico é trabalhada com intuito de satisfazer os desejos literais, insatisfeitos, com os sentidos comuns das palavras. O verbo, para Juliano Beck pode se transformar através do seu trabalho estético literal em prazer, para ele e para os seus leitores.  Em seus poemas as palavras ocupam o espaço de forma inovadora, conjugando-se às cores, a imagem e ao som. Pois, assim como o Manoel de Barros ⁵ ele acredita que “o verbo tem que pegar delírio” (BARROS, 1993). Logo, a palavra tem que mudar; alcançar outros objetivos, outras empregabilidades, outras formas de interpretação, com outros significados idealizados, mexer com os sentimentos, dialogando assim com o seu contexto poético.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

_________________________________

⁵ Manoel Wenceslau Leite de Barros – 1916 – poeta brasileiro contemporâneo, nascido em Cuiabá/MT.

 

REFERÊNCIAS

 

BARROS, Manoel de. O Livro das Ignorãças, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Record, 1993.

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998.

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. 7. ed. rev. São Paulo: Companhia das Letras, 2000

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34. 1999

POUND, Ezra . ABC da literatura.11ª ed. Trad. Augusto. São. Paulo: Cultrix, 2006.

SITES CONSULTADOS

http://www.blogger.com/

http://www.blogger.com/profile/05419965468281802823

http://poesiagrupal.blogspot.com/

http://poetasdelmundose.blogspot.com/

http://nasentrelinguas.blogspot.com/

http://nasentrelinguas.blogspot.com/2010/05/o-poeta.html

 http://nasentrelinguas.blogspot.com/2010/12/pra-nao-dizer-que-nao-falei-das- putas.html#comments

Artigo completo: