Bonsucesso, o Rubro-Anil da Leopoldina

Por Laércio Becker | 25/01/2012 | Sociedade

            Por: Laércio Becker, de Curitiba-PR

 

O primeiro impulso é dizer que a origem do nome “Bonsucesso” está em Nossa Senhora do Bonsucesso, santa de grande devoção no bairro. Ou na Fazenda Nossa Senhora do Bonsucesso (antiga Fazenda do Engenho da Pedra, pertencente à sesmaria de Inhaúma), que ia de Manguinhos à Penha, passando por Bonsucesso, Ramos e Olaria.

No entanto, segundo Brasil Gerson, a devoção foi decorrência do nome do bairro, não o contrário. Para ele, quem trouxe esse nome pela primeira vez para a região foi D. Cecília Vieira de Bonsucesso. Ela ficou famosa por ter, em 1754, reformado e embelezado uma capela erguida em 1738, por um devoto de Santo Antônio. Depois disso, os canaviais das redondezas passaram a ser conhecidos como “os campos de Bonsucesso”. Daí em diante, virou o nome do bairro, da estação da Estrada de Ferro Leopoldina e, é claro, do Bonsucesso Futebol Clube.

 

O Bonsucesso foi fundado, em 12.10.1913, por um grupo de garotos de 12 a 16 anos, liderados por Altamiro de Castro Leitão, na casa do pai dele, Francisco da Silva Leitão (que acabou aderindo à idéia e se tornou o primeiro presidente do clube), que ficava no nº 574 da Estrada da Penha – atual Av. dos Democráticos (por solicitação do clube de mesmo nome, sobre o qual falamos em nosso artigo “Influências carnavalescas no futebol carioca”) e Rua Cardoso de Morais (médico e poeta).

Sua partida inaugural foi cinco dias depois, uma vitória de 3x1 sobre o CA Riachuelo. Mandava seus jogos nas terras do angito Engenho da Pedra e arredores, que o engenheiro Guilherme Maxwell havia adquirido para urbanização e loteamento. Mais especificamente, na região em que seriam construídas a Praça das Nações e a Estação Bonsucesso, da então The Leopoldina Railway (Estrada de Ferro Leopoldina, a partir da década de 1940).

Segundo o site do clube, seu primeiro campo oficial foi na Rua Uranos, inaugurado em 03.02.1918, numa derrota de 3x4 para o River FC, arbitrado por Máximo Martins. Seu segundo campo, na Av. dos Democráticos, inaugurado em 03.05.1927. Na preliminar, o time da casa goleou o Olaria AC por 4x1. No jogo principal, o São Cristóvão AC aplicou um 4x2 no CR Flamengo.

Em 1931, o clube deu início a um projeto: montar um time imbatível e, para isso, dar todas as condições necessárias. O homem forte do clube era Juan Manuel Cabalero, um uruguaio radicado no Rio, e o diretor de esportes era Aníbal Bastos. Para o time, conseguiu um jovem que estreara no ano anterior, pelo Syrio e Libanez AC, clube que foi desligado da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (Amea): Leônidas da Silva, o famoso Diamante Negro. Para técnico, outro novato: Gentil Cardoso, também do Syrio. Quando a maioria dos clubes ainda era reticente na aceitação de jogadores afrodescendentes, o surpreendente Bonsucesso de 1932 tinha sete negros em campo e Gentil no comando.

Quanto à infraestrutura para esse projeto, o Bonsucesso se mudara para uma sede mais ampla e moderna, com um campo melhor, que inaugurou em 1929, no nº 54 da Av. Teixeira de Castro, antiga Estrada Nova do Engenho da Pedra. Ali, construiu um estádio todo em concreto, considerado por Adolpho Schermann, ainda na década de 60, um dos melhores da cidade: com cobertura nas sociais, instalações elétricas, gerador próprio, alambrado, vestiários amplos e arejados. Anos depois, foi batizado como Estádio Leônidas da Silva, em homenagem à maior revelação de toda a história do clube. Sua capacidade, inicialmente para 10 mil torcedores, já comportou 15 mil e atualmente é de 2 mil (cf. Cadastro Nacional de Estádios de Futebol, da CBF, de 2009). Além do estádio, a sede do clube conta com uma piscina, uma academia de artes marciais e uma boutique, em que é possível adquirir camisas e calções do Rubro-Anil – expediente: de 3ª a sábado, das 9:00 às 18:00.

 

Umas palavrinhas sobre o homenageado pela rua onde fica o clube. Há consenso nas fontes de que foi um médico. Ponto. O problema é a continuação. Brasil Gerson diz que ele era dono de uma farmácia no Largo de Bonsucesso, foi benfeitor do bairro e “amigo do clube”. Mas Carlos Alberto de Lima informa que ele faleceu em 1891... E agora?

Segundo Lima, o imigrante português Joaquim Teixeira de Castro, Visconde de Arcozelo, teve nove filhos, foi sócio do Derby Club e “um precursor dos esportes hípicos brasileiros”. Vislumbro aqui duas hipóteses: a) pode ser que um de seus filhos ou netos tenha sido amigo do Bonsucesso, ou b) pode ser que Brasil Gerson tenha confundido o clube.

Quanto à hipótese de ser um dos filhos ou netos, cumpre notar que Carlos Alberto de Lima diz que Teixeira de Castro, além de médico e fazendeiro, foi “comerciante”. Seria uma farmácia? Não menciona. Fala apenas sobre sua atuação como comissário (i.e., intermediação de negócios mediante comissão) de café.

Quanto à hipótese de confusão dos clubes, vejamos como está escrito na clássica obra de Brasil Gerson: “O Bonsucesso FC nasceu ao tempo dos loteamentos urbanizadores de Guilherme Maxwell, em cujas terras, e onde ele formaria a Praça das Nações e a atual estação da Leopoldina seria construída, foi que os seus primeiros jogos se realizaram. Mais tarde é que teve campo melhor na Estrada Nova do Engenho da Pedra (a Avenida Teixeira de Castro, na nomenclatura nova, em louvor desse médico tão amigo do Clube)”. Como se vê claramente, não há dúvida que o autor se refere ao rubro-anil, não ao Derby Club, que nem sequer é mencionado na página.

Curiosidade: a sala de troféus do Fluminense se chama Afonso Teixeira de Castro, que foi atleta e dirigente tricolor. Algum parentesco? Provavelmente.

 

O Bonsucesso é conhecido como grêmio leopoldinense. Ou simplesmente Leopoldino, a mascote criada pelo cartunista argentino Lorenzo Molas, na década de 1940 (ver o capítulo “Primeira mascote”, em nosso livro Do fundo do baú). “Seu” Leopoldino, um distinto cavalheiro de terno, gravata, cartola e guarda-chuva, era uma personagem que buscava retratar uma espécie de torcedor-símbolo do clube. Nas palavras do rubronegro José Lins do Rego (apud Coutinho), “é homem de bem, de boa consciência, de bom proceder”, e que “um dia terá sua grandeza”.

Falando em Leopoldino, os jogos com o Olaria são conhecidos como “Clássico Leopoldinense”. A própria região em que ficam ambos os clubes é conhecida como Zona da Leopoldina. Das quinze estações da EF Leopoldina até Gramacho, dez compõem a Zona da Leopoldina, de Manguinhos a Vigário Geral, passando por Bonsucesso e Olaria. E com estações bem próximas a ambos os clubes: Estação Bonsucesso e Estação Pedro Ernesto, respectivamente.

Por que Leopoldina? O famoso Samba do crioulo doido, de Sérgio Porto, diz que “Dona Leopoldina virou trem”. Noronha Santos e Charles Dunlop dizem que foi uma homenagem à Princesa Leopoldina, filha de Pedro II. Outros, contudo (Rodriguez, Gerodetti, Cornejo, Campos e Silva), dizem que o nome decorre, na verdade, da cidade mineira de Leopoldina, por onde passava o primeiro ramal da estrada de ferro.

Até aí, tudo bem. Digo, essa é a controvérsia sobre a origem do nome da Estrada de Ferro. Mas será que a Zona da Leopoldina deve seu nome à ferrovia? Faço essa pergunta porque li alhures que a origem poderia estar no nome de Leopoldina Rego, descendente de Francisco José Pereira Rego (ver nosso artigo “Olaria, o Clube da Rua Bariri”), legendária professora que ficou famosa por ter fundado a primeira escola particular de Olaria, em 1900. Depois, seu pai, João Gualberto Nabor Rego, o “Noca”, abriu em suas terras uma rua com o nome da filha, justamente ao longo de trecho da linha do trem, perto da estação de Olaria. Como a família era proprietária de grandes glebas na região e a professora Leopoldina ganhou fama, essa é uma hipótese interessante, que justificaria o nome da Zona pelo menos ao bairro de Olaria.

Precisamos confrontar essa informação com a data da chegada da EF Leopoldina na região. Pois bem, a ocupação da Zona da Leopoldina com concentrações residenciais começou ao longo da Estrada de Ferro do Norte, que partia da Estação São Francisco Xavier rumo a Meriti (atual Duque de Caxias). Era uma concessão pertencente à Rio de Janeiro Northern Railway Company, que, em 23.10.1886, inaugurou estações em Bonsucesso, Ramos e Penha, em terrenos cedidos pelas famílias da região (em Olaria havia uma simples parada; uma estação só foi inaugurada em 1917). Em 1897, a The Leopoldina Railway Company Ltd. comprou a concessão dessa ferrovia (ou seja, só a partir desse ano que se justifica chamar de Leopoldina). De 1898 a 1902, as regiões servidas por essas estações tiveram seus terrenos loteados, bem como assistiram à constituição de empresas de construção civil. Em 1909, a Leopoldina Railway se comprometeu com o governo federal a prolongar suas linhas até o centro do Rio de Janeiro. Mas só concluiu esse intento em 1926, quando inaugurou a Estação Barão de Mauá, próxima ao Estádio do São Cristóvão.

Com esses dados, ainda não se pode concluir peremptoriamente, mas é possível afirmar, com um certo grau de segurança, que a Zona da Leopoldina deve seu nome mesmo à ferrovia. Se a empresa tivesse comprado a concessão muito tempo depois da fama da professora, ainda poderia haver alguma dúvida. No entanto, a concessão da ferrovia à The Leopoldina Railway e a inauguração da escola da professora Leopoldina Rego ocorreram num curto intervalo de apenas três anos. Ademais, as terras do Noca se concentravam na região de Olaria, não justificando, a princípio, que a fama dele e de sua filha se estendessem de Manguinhos a Vigário Geral, bairros coincidentemente servidos pela linha do trem...

Por fim, como explicamos no artigo “Madureira, o Tricolor Suburbano”, com base em Brasil Gerson, os arrabaldes próximos às linhas ferroviárias eram conhecidos como “subúrbios da Central”, “subúrbios da Leopoldina” (antes de 1897, “subúrbios da Northern”) etc. Não é de estranhar que os “subúrbios da Leopoldina” passassem a ser conhecidos como Zona da Leopoldina ou, simplesmente, Leopoldina.

 

OBS.: No arquivo PDF em anexo, fotografias do clube, tiradas por mim em 2010 e 2011.

 

HINO DO BONSUCESSO (autor: Lamartine Babo)

 

Para a torcida rubro-anil

Palmas eu peço (clap! clap!)

Na Leopoldina em cada esquina

Quem domina é o Bonsucesso

Lá surgiu um jogador sensacional

Surgiu Leônidas, o maioral!

 

Quando a turma joga em casa

A linha arrasa

Que baile... Que troça!

A torcida grita em coro

Não há choro

A vitória hoje é nossa

 

FONTES:

ALENCAR, Edigar de. O carnaval carioca através da música. 5ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985. v. 2, p. 491.

BUCHMANN, Ernani. Quando o futebol andava de trem. 2ª ed. Curitiba: Imprensa Oficial, 2004. p. 165.

CAMPOS, Alexandre; SILVA, Da Costa e. Dicionário de curiosidades do Rio de Janeiro. São Paulo: CIL, s/d. p. 162, 168-9, 208.

CASTRO, Bertholdo de. Na trilha das ferrovias. Rio de Janeiro: Reler, 2005. p. 55.

COELHO NETTO, Paulo. História do Fluminense: 1902-2002. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pluri, 2002. p. 169-72.

COELHO NETTO, Paulo. O Fluminense na intimidade. Rio de Janeiro: Borsoi, 1969. v. 2, p. 105.

COUTINHO, Edilberto. Zelins, Flamengo até morrer. Rio de Janeiro: ed. do autor, 1995. p. 74, 98-9, 195.

DUNLOP, Charles. Os meios de transporte do Rio antigo. Rio de Janeiro: Ministério dos Transportes, 1972. p. 60.

FRAIHA, Silvia; LOBO, Tiza. Ramos, Olaria & Penha. Rio de Janeiro: Fraiha, s/d. p. 19-20, 22, 30-1.

GERODETTI, João Emilio; CORNEJO, Carlos. As ferrovias do Brasil. São Paulo: Solaris, 2005. p. 55.

GERSON, Brasil Görresen, dito Brasil. História das ruas do Rio. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lacerda, 2000. p. 366, 375, 377-80, 386.

GUIMARÃES, Benício. O vapor nas ferrovias do Brasil. Petrópolis: Jornal da Cidade, 1993. p. 69.

LIMA, Carlos Alberto de. Nomes que marcam o Rio: quem são as personalidades que dão nomes aos logradouros públicos no Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: ed. do autor, 2011. p. 273-4.

LOPES, Nei. Guimbaustrilho e outros mistérios suburbanos. Rio de Janeiro: Dantes, 2001. p. 202.

REZENDE, José; QUADROS, Raymundo. Vai dar zebra. Rio de Janeiro: ed. do autor, s/d. p. 19-20.

RIBEIRO, André. O diamante eterno: biografia de Leônidas da Silva. Rio de Janeiro: Gryphus, 1999. p. 15 e ss., 31.

RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A formação das estradas de ferro no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2004. p. 126.

SANTOS, Newton Ernesto Pacheco dos. Palco das emoções: uma pequena enciclopédia dos estádios. Curitiba: ed. do autor, 2005. p. 43.

SANTOS, Noronha. Meios de transporte no Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1996. v. 1, p. 364-5, 373.

SCHERMANN, Adolpho. A história do futebol carioca. Rio de Janeiro: Os Desportos em Todo o Mundo, 1960. p. 18.

SCHERMANN, Adolpho. Os desportos em todo o mundo. Rio de Janeiro: AABB, 1954. v. 2, p. 423-4.

SILVA, Maria Lais Pereira da. Os transportes coletivos na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1992. p. 51.

SOUKEF JR., Antonio. Leopoldina Railway: 150 anos de ferrovia no Brasil. São Paulo: Dialeto, 2005. p. 68, 79.

VALLA, Victor Vincent; OLIVEIRA, Rosely Magalhães de (orgs.). Conhecendo a região da Leopoldina: informações básicas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995. p. 31, 55, 62.