Bob Reiss ? Um Nova-iorquino Na Amazônia Brasileira
Por Helio Rocha | 15/05/2007 | LiteraturaAo narrador, cabe a manipulação, ou seja, o
fazer persuasivo: ao leitor, cabe o fazer interpretativo. O narrador edifica,
no decorrer de todo o discurso, um dispositivo veridictório e deixa marcas, no
texto, para serem encontradas e interpretadas.
Marisa Martins Gama-Khalil
The Road to Extrema é o resultado da busca, apreensão e manipulação feita por Bob Reiss, aos
dados amazônicos e nova-iorquinos. Na capa desse livro, na parte frontal, há
uma fotografia aérea da BR-364, o que está em consonância e traduz o seu
título. Na parte de trás, há três comentários de intelectuais norte-americanos:
Alex Shoumatoff, Thomas Lovejoy, diretor do Instituto Smithsonian e Andrew
Revkin, autor de The Burning Season.
Shoumatoff reconhece que o “tema central do livro -
explorar a relação entre a Amazônia e Nova Iorque, a última floresta natural do
mundo e a grande selva humana – é interessante e pioneira. Há uma grande
necessidade de examinar esses tipos de interações. Para ele, Reiss inicia esse
desafio literário de forma legível, e no processo, introduz o leitor em muitos
diálogos de ambos os lados, na luta pela Amazônia”.
Thomas Lovejoy ressalta que é “um relato magnífico que
se inicia nos campos de ouro da
Amazônia para os hospitais
Na contracapa há uma espécie crítica misturada com resumo que traduzimos, indiretamente, para a língua portuguesa.
Nessa dramática jornada na estrada de sonhos que se tornou um pesadelo, Bob Reiss traz à tona os conflitos do crescimento e conservação no Terceiro Mundo e as liga às conseqüências do outro lado do planeta.
The Road to Extrema conta a história de pessoas na Amazônia e
pessoas nos Estados Unidos da América. Explora os interesses da colisão política,
econômica, científica e ambiental ao longo da mais controversa estrada na
América do Sul – a BR-364, que corta a floresta tropical brasileira. Viajando
Cortando para frente e para trás, entre a mais intensa selva natural do mundo, e uma das maiores selvas humanas, Nova Iorque, The Road to Extrema dar uma face humana à divulgação global da co-evolução e desenvolvimento sustentável. Cada história ilustra diferentes aspectos da destruição da floresta. Encontramos um invasor procurando abrigo para sua família em uma choupana suja da cidade; uma nova-iorquina de dezesseis anos de idade, (no Centro Médico da Universidade de Nova Iorque), lutando contra o câncer, com drogas vindas da floresta; uma bióloga tentando salvar os pássaros numa área de construção da represa de uma hidrelétrica; um banqueiro na Wall Street, contraindo débito para pagar com a natureza; um acusado de assassinato na Amazônia lutando para vencer na luta pela terra; um homem advertindo, na Madison Avenue, que o protetor solar deteriora com a elevada temperatura da Terra; Índios em suas malocas na selva, vítimas fáceis de doenças trazidas pelos turistas; e um policial desarmado patrulhando a bem-denominada cidade fronteiriça, Extrema.
“Milhares de pequenos atos ajudaram a destruir
as florestas,” escreve Reiss. “Milhares
de pequenos atos podem ajudar a salvá-las.” De uma
grande corrida ao ouro na selva para os Encontros
Diante desse quadro,
que resume e ao mesmo tempo redime a América do Norte de qualquer feito para
contribuir com o aquecimento global, a Amazônia transforma-se em um verdadeiro
caos. A construção da estrada dos sonhos, transformara-se
The Road to Extrema, com um narrador em primeira pessoa que mescla discursos diretos e indiretos, é um livro não-ficcional espetacular que reúne, como já fora dito, histórias de amazônidas ou de migrantes e histórias de nova-iorquinos. Começando por uma visita à Represa de Samuel, em companhia da bióloga e pesquisadora Rosa Lemos, Reiss destaca o cenário de desolação em contraste com a beleza da floresta, dos pássaros e dos gastos para a construção de hidrelétricas na Amazônia. Não esquece de alertar que a floresta amazônica está encolhendo a cada ano. Termina o primeiro capítulo com uma interrogação de Rosa Lemos: when are they going to turn on that dam1? Segue para a zona leste da cidade, após alguns dias, em companhia de Birmázio Fábio Filho, um migrante nordestino que tinha vindo para Porto Velho naquela época e estava em busca de um terreno para a construção de moradia de sua família. Nessa passagem, Reiss, em um desabafo orgulhoso, afirma que os Estados Unidos levam duzentos anos para transformarem uma população rural em urbana, enquanto o Brasil faz isso em vinte anos.
Continuando sua jornada, Bob Reiss visita os Karitianas, nação indígena que vive em uma reserva no estado de Rondônia e se surpreende com as formas de representação do índio. Denuncia, também, o descaso do Governo e, instigado pelo médico da FUNAI, que diz ser a história dos Karitianas a história de qualquer tribo do Brasil, transcreve a história que ouviu de Cizinio Karitiana sobre a origem dos homens na Terra. Dessa parte, a narrativa é engendrada no Centro Médico da Universidade de Nova Iorque, no oeste de Manhattan. Nos cinco hospitais e clínicas para o tratamento de pacientes com câncer, mais de cinco mil desses pacientes são tratados com drogas vindas da Amazônia. Darlene Huertas e Andrew Von Bassion são personagens reais que recebem o tratamento contra o câncer. “Talvez eles encontrem uma daquelas flores”, diz Darlene no fim do capítulo, na esperança de que na Amazônia esteja a cura para o câncer.
Dos hospitais de
Nova Iorque, Bob Reiss vem direto para os “campos de ouro”
De volta à BR-364, vai para a fazenda Santa Carmem em busca de provas para o que os ecologistas haviam anunciado. Nesse espaço, Reiss descreve a fauna, flora e as pessoas. Lembra a SUDAM, projeto governamental de ajuda ao desenvolvimento amazônico e o INCRA, projeto de reforma agrária. Entrevista o proprietário e alguns funcionários da fazenda, terminando essa parte, com um ligeiro aceno para as matas em volta, ainda para serem derrubadas. Em seguida, estabelece uma relação entre os bancos que concedem empréstimos em defesa da floresta. Uma parceria nunca realizada antes entre conservacionistas e banqueiros, para a preservação das florestas em perigo.
Para Extrema, uma cidade de colonos e serrarias, na divisa entre os estados de Rondônia e Acre – (ninguém sabia a qual estado pertencia) - Reiss viajou na esperança de encontrar a famosa a Polícia Florestal. Em companhia do único agente desarmado – Roberto Vital – visitou uma área de floresta desmatada e presenciou uma conversa entre o proprietário da terra e o policial. Desse quadro, conecta-se com Nova Iorque, onde médicos, farmacêuticos e simpatizantes lutam pela conscientização da população em relação aos danos causados à pele pelo sol. Na Avenida Madison, um homem alertava para o uso protetor solar. Órgãos não governamentais alertavam a população para que se protegessem dos raios solares. Em contraposição, as agências de moda lançavam produtos de beleza e roupas que deveriam ser usadas.
No distrito de Nova Califórnia, cidade às margens da BR-364, depois de Extrema, Reiss entrevistou uma família de seringueiros. Com esse material escreveu o XI capítulo – The Rubber Tapper 4. Com a história de vida de dona Josefa, uma mulher seringueira e artesã (fazia sapatos com o látex da Hevea brasilienses), e com discursos de outros moradores do lugar, Reiss congelou imagens de uma vida na floresta tropical. Costurando várias falas de personagens internacionais e nacionais Reiss se preocupa com o que poderá acontecer, no futuro, às florestas, se a população amazônica continuar a crescer e a se utilizar dos produtos florestais. Ainda na selva, entrevista João branco, um fazendeiro do Acre, que era um dos acusados do assassinato do líder sindical que, conforme Esteves, foi o “primeiro brasileiro a ganhar o prêmio global 500, da ONU, e o da Sociedade para um Mundo Melhor, da Grã-Bretanha, em reconhecimento de sua luta pela preservação da Amazônia”. Nessa sessão de entrevistas, conversou com Roberto, o responsável pela guarda de uma testemunha do crime – o garoto Genésio, que trabalhava na fazenda do fazendeiro Darli, outro acusado do assassinato.
Ainda preocupado com
a floresta, Bob Reiss conversa com os membros da Rain Forest Aliance,
Antes de escrever o último capítulo de seu livro, Bob Reiss conversa com Doug Daly, um professor universitário que estava no Acre procurando por plantas medicinais. Um o penúltimo capítulo é dedicado a essa pesquisa e intercâmbio cultural entre os dois países.
Doug Daly had two
purposes in the Acre forest: He was teaching part of a course on how to study
jungle plants and animals, sponsored jointly by the New York Botanical Garden,
the University of Acre, and the University of Florida, and he was scouting
unofficially for the National Cancer Institute, memorizing potential plants to
include in the program.
The Last Mile, ultimo capítulo de The Road to Extrema, se transforma em uma espécie de redenção e autocontemplação do autor-narrador. Seguro, em sua casa, declara:
I’ve always loved
travel books, the kind where a writer journeys far from home, has adventures,
and comes back. At the end, safe with his family, he contemplates the gap
separating the place he visited and the place where he lives.
In my own case the
opposite happened. When I return from the Amazon I felt closer to it. Over
three thousand miles separate Acre and Rondônia from
That was the first lesson. To preserve rain forests, we must destroy their illusions: that they are protected by magical distance. That they are unconnected to life thousands of miles away 7(p. 278).
Finalizando a obra, Bob Reiss lembra a imagem amazônica apreendida por seus olhos apropriadores. A imensidão verde, a curva dos rios em formato de S, os buracos na floresta desmatada, as cabanas, o arco-íris e a história contada a ele por um índio: as árvores seguram o céu, contou-lhe o indígena. Se cortarmos as árvores, os céus caíram sobre os homens.
Como a maioria dos
estrangeiros viajantes que passaram pela Amazônia, embriaga-se com a imensidão
verde e não ficaria surpreso, diz Reiss, se visse dinossauros na floresta. Uma
espécie de saudosismo e burrice apodera-se do jornalista, que ainda dentro do
Boeing 727 da Varig, declara: “We broken from the clouds. I wouldn’t have been surprised to see dinosaurs below8” (p.12). Embevecido,
tanto pela vastidão verde da floresta, quanto pelo fato de estar chegando à
Amazônia brasileira, Reiss suspira, provavelmente, extasiado diante tal
grandeza natural. Surpresas e julgamentos de valor que inferiorizam os sujeitos
amazônidas, suas formas de vida, a política e a própria cultura amazônica são,
em muitos enunciados dentro dessa contação, visivelmente, marcas de um narrador
presunçoso e metido a sabichão. Não compreendendo o contexto em que havia se
metido, inventa mais uma Amazônia – a Amazônia discursiva vista por um
americano intruso nos anos finais de 1980. De fato, não houve transformação da
Amazônia
REFERÊNCIA
REISS, Bob.
The Road to Extrema.
1 Quando eles vão colocar a represa para funcionar?
2
Nas noites quentes, o crime aumenta
3 Está muito quente para sair, disse ela.
4 O seringueiro.
5 Quando todas as florestas forem derrubadas em toda a América Latina, milhares de Julios se dirigirão para o norte.
6 Doug Daly tinha dois objetivos na floresta do Acre: estava lecionando parte de um curso sobre a maneira de estudar as plantas e animais da selva, patrocinado juntamente com o Jardim botânico de Nova Iorque, a Universidade Federal do Acre e a universidade da Flórida e estava investigando, não oficialmente, para o Instituto Nacional do Câncer, catalogando o potencial das plantas para o programa. O Brasil não tinha ainda permitido a presença dos pesquisadores do NCI no país, mas um acordo estava sendo negociado.
7
Eu sempre gostei de livros de viagens, onde o escritor viaja para longe de
casa, tem aventuras, e retorna ao lar. No final, salvo com sua família, ele
contempla o espaço separando o lugar visitado e o lugar onde ele mora. Londres
e Tibet. São Francisco e os Andes. Eles parecem tão distantes, quase como se
ele nunca tivesse ido. No meu caso aconteceu o oposto. Quando retornei da
Amazônia, me senti mais perto dela. Mais de três mil milhas separam Acre e
Rondônia de Nova Iorque, mas eles estão pertos também. Se eu pegar um avião no
aeroporto, eu poderia estar
8 Cruzamos as nuvens. Eu não ficaria surpreso se visse dinossauros lá embaixo.