Boaventura de Souza Santos e seus paradigmas: um breve ensaio.
Por Frederico Cesarino | 10/04/2015 | SociedadeBoaventura de Souza Santos busca resgatar, por meio de um pensamento baseado na utopia, a importância das experiências que são construídas e que pulsam no âmbito próprio e local dos grupos sociais que podem se tornar colaboradores para uma visão pós-moderna de emancipação da ciência, do poder e dos direitos pessoal e coletivo. Esta tentativa de resgate, por sua vez, é baseada na crítica da indolência da razão, de acordo com o autor.
Santos considera que a vida das sociedades e das culturas ocorre sempre de forma cíclica, intervalar, e que ambas situam-se na transição do paradigma da modernidade e do paradigma emergente. Para ele, o primeiro paradigma possui uma visível passividade de falência, enquanto o segundo paradigma ainda é difícil de ser identificado. Esta transição entre os dois paradigmas possui duas epistemologias: a epistemológica propriamente dita, e a societal. Esta última é menos visível, e ocorre entre o paradigma dominante (a produção capitalista, o consumismo individualista e mercantilizado, as identidades-fortaleza, a democracia autoritária, o desenvolvimento global desigual e excludente) e um novo paradigma, ou conjunto de paradigmas de que apenas se vislumbra os sinais.
Existe, segundo Boaventura, uma grande dificuldade das Ciências Sociais em se produzir uma teoria crítica. Como possíveis causas, cita que a teoria crítica modera concebe a sociedade como uma totalidade e, assim, propõe uma alternativa total à esta sociedade. Esta totalidade acaba por abarcar erroneamente a totalidade social, no entanto abarca de uma forma crível. Desta forma impõe um princípio único de transformação social e um agente coletivo capaz de levar a cabo um contexto político institucional bem definido que torne possível formular lutas reais à luz dos objetivos a que se propõe. Como “alternativa à esta alternativa” propõe uma teoria crítica pós-moderna. Boaventura afirma que a teoria crítica que se pretende é uma teoria da tradução capaz de tornar compreensíveis as diferentes lutas existentes, em que podem ser ouvidas as opressões e as aspirações de todos os atores e que é construída com base em um senso comum emancipatório (o “conhecimento-emancipação”), no reconhecimento, na solidariedade e na luta contra o consenso hegemônico.
Sobre os paradigmas no Discurso sobre as ciências.
O conhecimento científico, como hoje é concebido, foi construído progressivamente desde o século XVI. Os cientistas mais influentes nesta construção, como Newton, Darwin, Durkheim (este nas Ciências Sociais, que trouxe o método científico das ciências naturais para as humanidades), Lavoisier ou Adam Smith, trabalharam e viveram entre o século XVIII e o início deste século. Dos trabalhos desses cientistas resultou o paradigma científico dominante, que procura um conhecimento objetivo, universal, racional e determinista.
Este modelo de racionalidade foi desenvolvido principalmente no âmbito das ciências naturais, com base em regras metodológicas e princípios epistemológicos definidos no caráter da razão de uma forma específica de conhecimento. A característica mais marcante deste modelo é uma confiança quase absoluta na previsibilidade da Ciência, o que resulta na convicção de que a explicação de todos os fenômenos está ao alcance do homem. Segundo Souza Santos, apesar do seu sucesso, este paradigma parece estar hoje a ser posto em dúvida. Sua crise iniciou-se a partir da Teoria da Relatividade de Einstein e da mecânica quântica, não sendo possível ainda saber quando se conhecerá o desfecho da mesma.
Em sua obra Um Discurso sobre as Ciências, Boaventura de Sousa Santos afirma que os sinais conhecidos permitem ao indivíduo tão somente a especulação acerca do paradigma que emergirá deste período revolucionário. No entanto, desde o presente, é possível afirmar com segurança que as distinções básicas em que assenta o paradigma dominante entrarão em colapso. Este colapso do paradigma dominante resulta de um conjunto de novos conhecimentos científicos, dos quais se podem destacar quatro descobertas fundamentais: a Relatividade da Simultaneidade de Einstein, o Princípio da Incerteza de Heisenberg, o Teorema da Incompletude de Gödel e a nova abordagem da complexidade em sistemas dinâmicos.
A crise do paradigma dominante tem destruído, progressivamente, as fronteiras disciplinares em que, arbitrariamente, a Ciência havia dividido a realidade. A ciência determinista tem sido substituída por uma ciência probabilística. Quanto à caracterização do paradigma emergente, esta só pode ser antecipada especulando sobre o que se pode depreender da crise do paradigma dominante.
Boaventura afirma que a fragmentação do conhecimento na pós-modernidade parece ser temática e não disciplinar. Ou seja, todo o conhecimento é local e total. Isto leva que, na praxis interveniente, seja recomendável pensar globalmente para agir localmente. Por outro lado, a composição transdisciplinar e individualizada sugere um movimento no sentido da maior personalização do trabalho científico, ou seja, a dimensão subjetiva tão arduamente combatida pelo paradigma dominante ganha agora uma nova importância fundamental. Boaventura de Sousa Santos afirma mesmo que todo o conhecimento pode ser considerado como autoconhecimento.
Por fim, afirma que existe uma tendência para que todo o conhecimento científico se converta em senso comum. A Ciência pós-moderna, ao saber que nenhuma forma de conhecimento é racional em si mesma, procura a racionalidade pelo diálogo com outras formas de conhecimento, pois somente a configuração de todas as formas de conhecimento é racional. Numa inversão completa dos papeis definidos pelo paradigma dominante, agora é o senso comum é considerado como a forma de conhecimento mais importante, uma vez que este, no cotidiano, orienta ações humanas e a compreensão da realidade.