BIOTECNOLOGIA E TRANSGÊNICOS Tutela do Patrimônio Genético no Brasil
Por dayanne estrela | 19/04/2013 | DireitoRESUMO
Organismos transgênicos caracterizam-se pela modificação de seu material genético (DNA/RNA) por técnicas empregadas pela engenharia genética. A finalidade da aplicação da biotecnologia na produção de plantas e animais é a fabricação de alimentos mais nutritivos e baratos. A legislação brasileira criou um conjunto de normas com o intuito de fiscalizar e controlar a comercialização desses produtos, assim, destaca-se a promulgação da lei 11.105.
PALAVRAS-CHAVE: Biotecnologia. Transgênicos. Biossegurança
INTRODUÇÃO
Como conseqüência da denominada “Revolução Verde”, ocorrida na década de 70, o melhoramento genético evoluiu extraordinariamente a partir dos novos conhecimentos sobre a estrutura do DNA. Os cruzamentos controlados entre variedades da mesma espécie misturaram as cargas genéticas dos seres vivos, desenvolvendo novos híbridos, que se revelaram mais produtivos. Logo em seguida, os cientistas começaram a transferir, ainda através de cruzamentos sexuados, genes de resistência a doenças e pragas.
Surge, então, a Biotecnologia e, através da Engenharia Genética, introduz um novo paradigma científico até então não conhecido: a manipulação do DNA. A manipulação de diferentes espécies realizadas em laboratório deu origem a espécies animais e vegetais transgênicos, e que tem pôr objetivo o barateamento de dos alimentos, a redução da agressão ao solo e ao ecossistema como a eliminação da utilização de agrotóxicos, o aumento da produção de alimentos mais ricos de componentes nutritivos etc.
Entretanto, a possibilidade de produzir organismos geneticamente modificados, os ditos transgênicos, tem sido bastante discutida no país nos últimos anos. Como forma de controlar e fiscalizar essa produção fez-se necessário a criação de um corpo de normas voltadas especificadamente para esse assunto.
1 BIOTECNOLOGIA E A MANIPULAÇÃO GENÉTICA
Biotecnologia é a tecnologia empregada por cientistas, biólogos e engenheiros para a realização de pesquisas em organismos vivos para a melhoria de plantas e animais, tornando-os mais resistentes á herbicidas e também mais produtivos.
[...] o termo biotecnologia pode ser compreendido como uma complexa rede de saberes na qual a ciência e a tecnologia são aplicadas a agentes biológicos com a finalidade de produzir conhecimentos, bens e serviços. [...] inserem-se nessa complexa rede de saberes a engenharia genética e, mais particularmente, a tecnologia de do DNA recombinante, abrangendo um conjunto de técnicas utilizadas para identificar, isolar, multiplicar e transferir material genético entre células e organismos. (FERREIRA, 2010, p. 58)
A engenharia genética, mais propriamente chamada de tecnologia de DNA recombinante, é um conjunto de técnicas que permite aos cientistas identificar, isolar e multiplicar genes dos mais diversos organismos. (AMABIS, MARTHO, 1997, p.179)
Foi o uso dessas técnicas que foi possível a recombinação de diferentes moléculas de DNA e, como conseqüência, a sua introdução em organismos com objetivo de que determinadas características desses seres fossem alteradas ou eliminadas. Surgiram então os transgênicos, organismos que tiveram sua constituição genética alterada pela introdução de genes provenientes do meio externo.
Destaca-se que a legislação brasileira, em sua Lei 11.105, não faz menção ao significado do termo “biotecnologia”, porém, refere-se à engenharia genética como sendo a atividade de produção e manipulação de moléculas ADN/ARN recombinante (Lei 11.105, art. 3º, inc. IV).
2 ORGANISMOS TRANSGÊNICOS
Organismos geneticamente modificados (OGMs ou transgênicos) são organismos produzidos por meio da transferência de genes de um ser vivo para outro, geralmente de espécies diferentes. Por exemplo, um peixe que recebe características de porco ou a soja que recebe genes de vírus, bactérias ou de outros organismos. (BARBEIRO,2008,p.3)
Embora os termos “organismo geneticamente modificados” e “organismos transgênicos” sejam comumente empregados como expressões sinônimas, alguns autores consideram que existe uma diferença semântica. Assim, concebem como geneticamente modificados todos aqueles organismos cujo material genético foi modificado pela transferência de genes provenientes e outros organismos, sejam da mesma espécie ou de espécies diferentes. Por outro lado, consideram como transgênicos somente aqueles organismos que sofreram incorporação de fragmentos de DNA originários de organismo que não partilham o mesmo acervo genético. Em suma, seguindo o pensamento desses autores, pode-se concluir que a denominação “organismos geneticamente modificados” é mais abrangente e pode ser aplicado a qualquer organismo que teve seu genoma manipulado por meio da introdução de genes exógenos, independendo a sua origem. No que tange a legislação brasileira, inexiste qualquer tipo de distinção entre os dois termos, ambos são considerados transformações que da Engenharia Genética realiza ao produzir DNAr. (FERREIRA, 2010, p. 63).
A produção dos organismos transgênicos é feita através da injeção de DNA clonado de um organismo em ovos de outro organismo. Em geral, uma ou mais moléculas de DNA injetado se incorporam aos cromossomos da célula-ovo, sendo transmitidas às células-filhas quando o zigoto se dividir. Assim, todas as células desse organismo conterão esse DNA. Quando o organismo se reproduzir, os genes se incorporados serão transmitidos aos descendentes como qualquer outro gene.
3 OS TRANSGÊNICOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
De acordo com o artigo 225, § 1º, II, da Constituição Federal cabe ao poder público “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”, esse dispositivo protege a biodiversidade e o patrimônio genético do país. Entretanto, nada impede a realização de pesquisas científicas de manipulação genética, incubindo ao poder público exercer o controle eficaz dessas atividades.
O Legislativo como forma de controlar as conseqüências do exercício das atividades ligadas à engenharia genética sobre a produção de organismos geneticamente modificados, resolveu disciplinar essa atividade mediante a criação da Lei 11.105/05 (Lei da Biossegurança).
Foi com a intenção de evitar os excessos na área da engenharia genética que o legislador regulamentou os incisos II, IV e V do § 1° do artigo 225 da CF, sete anos depois da sua promulgação, com o advento da Lei n. 8.974/95, a qual foi recentemente revogada pela lei n. 11.105/05. Referida lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados (SIRVINSKAS, 2006, p. 306)
O objetivo dessa Lei é a de estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente (art. 1° da lei 11.105/05).
Consolida-se, portanto a aplicação de normas de biossegurança na legislação brasileira, normas que possuem o escopo de estabelecer critérios e técnicas para manipulação genética, cujo intuito é o de evitar danos à saúde humana e ao meio ambiente.
4 CONSELHO NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA (CNBS) E COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA (CTNBIO)
A gestão dos potenciais riscos ambientais conexos ao uso dos organismos transgênicos, de acordo com a organização institucional do governo estipula pela atual lei de Biossegurança, passou a ser de competência do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNbio) e dos órgãos de registro de fiscalização.
O CNBS é um órgão administrativo e vinculado à presidência da república criado para dar a este acessória no que tange a implementação da Política Nacional de Biossegurança.
Compete ao CNBS: a) fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades federais com competências sobre a matéria; b) analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de transgênicos e seus derivados; c) avocar e decidir, em última e definitiva instância, com base em manifestação da CTNBio e, quando julgar necessário, dos órgãos e entidades responsáveis pelo registro e fiscalização de atividades que envolvam OMG, no âmbito de suas competências, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados.
Este órgão, aplicando os princípios ambientais da precaução e prevenção, deverá exigir, dependendo do risco do grau de risco da atividade envolvendo organismos geneticamente modificados, o estudo prévio de impacto ambiental e seu respectivo relatório.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, é instância colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, criadopara prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança de OGM e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente.
5 COMPETÊNCIAS DE EXERCÍCIO, DE REGISTRO E DE FISCALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES LIGADAS A ENGENHARIA GENÉTICA
De acordo a Lei de Biossegurança, as atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial só podem ser realizados por pessoas jurídicas de direito público ou privado. Por tanto, caberá à esses entes a responsabilidade pelos eventuais atos danosos caudados ao homem, às plantas, aos animais e ao meio ambiente.
É necessário, entretanto, que essas entidades solicitem registro na comissão Nacional de Biossegurança. Esse pedido deverá conter entre outros documentos, os nomes dos cientistas responsáveis pelas atividades e projetos. Organizações financiadoras ou patrocinadoras das atividades ou projetos deverão exigir do o CTNBio Certificado de Qualidade em Biossegurança sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento dos termos impostos pela Lei de Biossegurança.
A fiscalização dos entes que realização atividades e projetos relacionados com os organismos geneticamente modificados é de competência dos órgãos e entidades de registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República.
Competirá a esses órgãos: a) fiscalizar as atividades de pesquisa de OGM e seus derivados; b) registrar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e seus derivados; c) emitir autorização para a importação de OGM e seus derivados para uso comercial; d) manter atualizado no SIB o cadastro das instituições e responsáveis técnicos que realizam atividades e projetos relacionados a OGM e seus derivados; e) tornar públicos, inclusive no SIB, os registros e autorizações concedidas; f) aplicar as penalidades de que trata esta Lei; g) subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação de biossegurança de OGM e seus derivados.
6 ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL E LICENCIAMENTO AMBIENTAL PARA LIBERAÇÃO DE TRANSGÊNICOS NO MEIO AMBIENTE
Compete à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança definir em quais casos o empreendimento ambiental ligado aos organismos geneticamente modificados poderá causar significativa degradação ambiental, com conseqüência, a necessidade de se conceder licença ambiental para o funcionamento dessa atividade.
O estudo e a avaliação dos impactos ambientais é um dos instrumentos da Política Nacional Do Meio Ambiente, cujo objeto é a eficaz proteção do meio ambiente. Cabe ao poder publico exigir na forma da lei para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental (art. 225, § 1º, IV da Constituição Federal). Deste modo, o procedimento de licenciamento ambiental é precedido de um estudo de impacto ambiental (EPIA) e seu relativo relatório de impacto ambiental (RIMA).
De acordo com a Lei 6.938, a competência de estabelecer normas que visam o licenciamento de atividades capazes de causar degradação ambiental, a determinação de realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais dos empreendimentos e por fim a necessidade de prévio licenciamento de atividades que possam causar degradação ambiental é de responsabilidade do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Entretanto, verifica-se que em se tratando de atividades ambientais envolvendo organismos geneticamente modificados a aplicabilidade dessas prerrogativas dependerá de apreciação favorável da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (FERREIRA, 2010, p.139).
7 ROTULAGEM DE ALIMENTOS TRANSGÊNICOS
A Introdução dos OGMs no mercado de consumo vem sendo discutida mundialmente pelas conseqüências ainda não conhecidas destes alimentos na saúde e no meio ambiente. Pauta-se ainda a discussão de se informar de maneira clara e adequada ao consumidor acerca da existência desses organismos na composição de determinados alimentos, respeitando-se, deste modo, o direito fundamental de livre escolha, de opção e de independência do consumidor em querer ou não adquirir e consumir tais produtos.
No Brasil, os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham, ou seja, produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento. (art. 40 da lei 11.105).
O Decreto n. 4.680 de 24 de abril de 2003 determinou a obrigatoriedade de se inserir no rótulo de produtos que se trata de alimento geneticamente modificado se o percentual de ingredientes transgênicos estiver acima de 1%, não havendo, portanto necessidade de informar ao consumidor se o produto não atingir essa porcentagem.
As penalidades para o descumprimento do dever de rotulagem são as de multa e retirada do produto do mercado, previstas no Código de Defesa do Consumidor, além de outras sanções administrativas e penais de detenção, conforme os arts. 56 a 60, 63 a 64 e 66 a 69 do CDC (Lei 8.078/90). Mais do que isso, dependendo de como ocorra o descumprimento, poderá a empresa ser responsabilizada civil e administrativamente, sendo aplicada multa por infração conforme o art. 20 e seguintes, sem prejuízo da aplicação das sanções penais dispostas nos arts. 24 e seguintes, da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005).
O direito à informação é supedâneo constitucional e deve ser observado quanto à rotulagem do produto geneticamente modificado. Essa necessidade também está prevista nos arts. 6º, 7º e 9º do Código de Defesa Do Consumidor. (SIRVINSKAS, 2006,p. 323)
CONCLUSÃO
A aplicação da engenharia genética, principal ferramenta da moderna biotecnologia, à produção de alimentos vem provocando profundos debates quanto aos possíveis riscos à saúde e ao meio ambiente.
Os que aprovam sua utilização alegam o enriquecimento e melhoramento genético dos alimentos, bem como, o aumento da resistência dos alimentos geneticamente modificados a pragas, redução de custos e aumento de produção. Já aqueles que elencam vários aspectos negativos, como empobrecimento da biodiversidade com a eliminação de insetos e microorganismos que sustentam o equilíbrio ecológico e o desconhecimento das conseqüências a longo prazo das modificações genéticas.
As normas implementadas na legislação vigente devem ser respeitadas para que os possíveis danos ambientais, decorrentes da utilização dos transgênicos, possam ser evitados ou ao menos minimizados.
REFERÊNCIA
AMABIS, J.M; MARTHO, G.R. Biologia das Populações. 1 ed. São Paulo: Moderna, 1994.
FERREIRA, Heline Silvini. Desvendando os organismos transgênicos: as interferências da sociedade de risco no estado de direito ambiental brasileiro. Rio de Janeiro: Florence Universitária, 2010.
BARBEIRO, Ventura. Transgênicos: a verdade por trás do mito. São Paulo: Greenpeace, 2008.
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2006.
BRASIL. Lei 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória nº 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10 e 16 da Lei nº 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Vade Mecum,2009.