BIODIREITO E A INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA: Uma análise principiológica e legal sobre filiação e sucessão

Por Ana Letícia Braga Fonseca | 16/11/2017 | Direito

Ana Leticia Braga Fonseca²

Sumário: Introdução; 1. Inseminação Artificia Heteróloga; 1.1 Aspectos Preliminares Referentes À Inseminação Artificial Heteróloga; 2.2 Investigações Da Origem Genética; 2.1 Frente Ao Princípio Dignidade Da Pessoa Humana; 3 Direito De Filiação E Sucessão; 3.1 Panorama Geral Frente Ao Direito De Filiação E Sucessão; Considerações Finais.

RESUMO

Será demonstrada a importância da família, e sua construção a partir do biodireito, e as possíveis consequências individuais e coletivas das novas técnicas de reprodução assistida, em especial, a inseminação artificial heterológa. Com as inovações científicas, o biodireito fomentou diversas discussões, principalmente as que tratavam sobre o direito de família, no que tange a filiação, sucessão e o direito do nascituro. Essa analisa vai ter base tanto legal quanto principiológica.

Palavras Chaves: Biodireito; Direito de Familia; Filiação; Sucessão; Inseminação Artificial Heterológa.

INTRODUÇÃO

O complexo de normas que estuda as relações familiares em relação aos seus aspectos patrimoniais, sociais, morais e jurídicos denomina-se Direito de Família. Este instituto se vale de uma relação afetiva que gera efeitos jurídicos, patrimoniais e sociais. Não se trata de um tema de fácil abordagem, pois estamos lidando com um núcleo extremamente subjetivo das relações humanas, com um viés interessante que advém do relativamente novo Biodireito.

     O biodireito é um conceito muito recente, trazido em meados de 1960. Esse tema teve um grande salto acadêmico devido as grandes revoluções científicas e do conhecimento que ocorreram durante aquela época. Com a evolução da ciência e com o surgimento de diversas técnicas permitiu-se que casais que não podem ter filhos tenham a possibilidade de tê-los. Contudo, reconheceu-se uma lacuna entre essas práticas e o Direito, este deixando de criar normas para legislar tais assuntos.

No presente artigo abordaremos as questões problemáticas a respeito do filho concebido por intermédio da técnica de reprodução assistida através de inseminação artificial heteróloga, que consiste na utilização de material genético de terceiro doador, estranho ao casal, ou a mulher que conceberá a criança. Voltaremos nosso diálogo para as questões da identidade genética como pressuposto para a dignidade da pessoa humana, e as consequências jurídicas e patrimoniais que envolvem o tema, buscando uma analise além de doutrinária e legal, principiológica.

1 INSEMINAÇÃO ARTIFICIA HETERÓLOGA

1.1 Aspectos preliminares referentes à inseminação artificial heteróloga

A evolução científica e da medicina proporcionaram uma série de benefícios para sociedade, e no que tange a fertilização, muitos avanços ainda vem sendo apresentados. Contudo, um processo que já é realizado há muito tempo, mas não deixa de ser moderno, denomina-se inseminação artificial.

Entende-se por inseminação artificial o momento em que são injetados na mulher, espermatozoides, facilitando a união de gametas, para que assim possa formar o embrião. Essa injeção é feita no período fértil da mulher, em seu momento de ovulação. O primeiro teste de inseminação artificial foi feito nos Estados Unidos, no ano de 1884. Porém, no Brasil só foi ser realizado na década de 70.

Tal procedimento é indicado quando o casal possui alguma alteração na sua fertilidade, denominadas de impotência. Essa impotência poderá ser generandi ou coeundi, as quais consistem na impossibilidade de gerar, tanto pelo homem, quanto pela mulher.

A inseminação artificial poderá ser realizada de duas maneiras: homóloga e heteróloga.  A homóloga efetiva-se através da inseminação do material genético do homem que pressupõe ser marido ou companheiro da mulher. Logo, a heteróloga, ocorre quando o esperma é doado de uma terceira pessoa. Nesse sentido, afirma Machado (2011, p. 33)

O cônjuge ou companheiro que não produzir espermatozóides ou produzi-los em número inferior ao necessário para que ocorra a fertilização, poderá resolver o seu problema de infertilidade, utilizando-se de esperrmatozóides de doadores, através dos bancos de sêmen. Neste caso, tem-se uma inseminação artificial heteróloga.

No referente trabalho, será abordado especificamente sobre a inseminação artificial heteróloga, por se tratar de tema que ainda não possui uma uniformidade nas decisões, em razão da existência de certa lacuna no direito.  Segundo Guilherme Calmon:

Para a realização da inseminação heteróloga é indispensável que o casal preencha o requisito que se encontra previsto no art. 226, §7º da CF/88, ou seja, possua e desenvolva seu projeto parental que permita aferir a legitimidade do interesse de ambos os cônjuges ou companheiros em ter acesso à técnica de reprodução assistida heteróloga. [...] não se pode admitir a procriação assistida heteróloga em favor do casal que não tenha por exemplo condições de oferecer ambiente familiar adequado

Nossa legislação ainda não regulamenta as questões referentes à reprodução humana assistida, restando ao Conselho Federal de Medicina deliberar sobre as questões éticas e obrigacionais, o que não é muito eficiente, pois essas Regulamentações não tem força legal e não preveem sanções penais em caso de descumprimento. Portanto, resta aos Tribunais promoverem um tratamento a matéria.

Maria Helena Diniz mostra-se contrária ao processo técnico de inseminação artificial heteróloga ao afirmar que esta deveria ser proibida, para evitar possíveis riscos de origem física e psíquica para a descendência, além da incerteza sobre a sua identidade. Por isso, no Brasil, é necessário que homem autorize tal tipo de procedimento, para que não haja contestações posteriores. Muitos doutrinadores defendem que, o suposto pai da criança não pode retratar-se após a implantação do material genético na mãe. Para Maria Berenice Dias, também não há a possibilidade de impugnação pelo pai, pois a inseminação artificial heteróloga gera presunção de paternidade jure et de jure.

Compreendidas as questões preliminares sobre a inseminação artificial heteróloga, nota-se, portanto, muitos problemas no que tange à reprodução humana assistida. Tal problemática será dissertada durante o trabalho, para que, sejam mais bem compreendios os aspectos referentes à filiação, sucessão e investigação genética.

2.1.2 Abordagem sobre a evolução do Biodireito

Em razão da evolução dos campos do conhecimento, surge à necessidade de regular determinadas medidas que antes não tinham normatização. Essa regulamentação respeita princípios éticos e dos direito humanos, determinando um ponto de equilíbrio entre a ciência, medicina, e o direito.

Sendo assim, “biodireito o ramo do Direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência relativas às normas reguladoras da conduta humana em face dos avanços da Biologia, da Biotecnologia e da Medicina’’ (ARNAUD, 1999)”. Essa área do conhecimento oferece os mais diversos temas em decorrência do dinamismo de questões que a ele são tratadas. Além da inseminação artificial, o biodireito também versa sobre muitas outras polêmicas, tais como, células-troco, transplante de órgão, clonagem, alteração de sexo, eutanásia, aborto e etc.

Na nossa legislação, o biodireito tem três pilares: Direito Constitucional, Direito Civil e Direito penal. A Carta Magna trás preceitos fundamentais os quais devem ser garantido a todos, e por isso, constituem como objetivo principal do biodireito. O Direito Civil, no âmbito do biodireito, versa sobre o direito de disposição do próprio corpo ou parte dele (art. 13 e 14, do CC) e direito a personalidade civil, que ocorre a partir do nascimento. Porém, há quem critique no que tange ao momento de concessão de personalidade. Silvia Mota, em sua obra ‘’O biodireito como novo ramo do direito civil’’ afirma que:

Faltou ao legislador galhardia suficiente para assumir o início da personalidade civil da pessoa humana, a partir do momento da concepção 8 e, com esta atitude, contribuir para o desvendar de inúmeras questões relacionadas ao aborto ou à procriação assistida

Já o Direito Penal, regula sobre questões referentes à proteção de condutas consideradas antijurídicas, a exemplo do aborto. Mesmo assim, ainda existe uma carência legislativa referente a tal aspecto. Em razão da necessidade de argumentação, biodireito vem sido trabalho como ramo isolado do direito.

A evolução do biodireito começa a partir da revolução da biotecnologia e medicina por meio das modernas descobertas inerentes à saúde do indivíduo, da bioética, compreendida como “o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz de valores e princípios morais (...)” (PESSINI; BECHIFONTAINE, 1996). Compreendido tal momento, a Constituição Federal, através de seus princípios, abordaram sobre o biodireito, no que tange à dignidade da pessoa humana, igualdade, saúde, segurança e etc.

Através desta evolução, o biodireito começou a ser estudado e normatizado por vários regulamentos, tais como: reprodução Medicamente Assistida, amparada pela Resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) nº. 1.358/92; Gestação de Substituição (“barriga de aluguel”), cujas normas também se encontram na Resolução do CFM nº. 1358/92; Os direitos do embrião e do nascituro, discutidos à luz do Código Civil e da Constituição Federal.

Na verdade, o biodireito nada mais é do que a produção doutrinária, legislativa e judicial acerca das questões que envolvem a bioética. Vai desde o direito a um meio-ambiente sadio, passando pelas tecnologias reprodutivas, envolvendo a autorização ou negação de clonagens e transplantes, até questões mais corriqueiras e ainda mais inquietantes como a dicotomia entre a garantia constitucional do direito á saúde, a falta de leitos hospitalares e a equânime distribuição de saúde à população (FERNANDES, 2013)

Portanto, o biodireito está em uma fase de construção de normatização, sendo um tema de muita importância para o nosso ordenamento e que tem necessidade de ser amplamente trabalhado pela legislação e jurisprudência. A bioética que deu o pontapé nas discussões sobre procedimentos a serem realizados por cientistas e profissionais da saúde, apoiando-se sempre na ética e conduta idônea daquele que realiza, e que faz parte de todo o processo. O biodireito possui muitas questões emergentes que também precisam ser abarcadas, restando à doutrina a abordagem sobre os temas, devidos as amplas lacunas existentes.

2.2 INVESTIGAÇÃO DA ORIGEM GENÉTICA

2.2.1 Frente aos preceitos constitucionais

A dignidade da pessoa humana é um princípio altamente abrangente, pois, encaixa-se em todas as relações interpessoais que ocorrem na nossa sociedade. Tal princípio está elencado no rol dos direitos fundamentais, e tem como objetivo, regular sobre o valor moral e espiritual inerente ao indivíduo. É um direito que cabe a todos, até mesmo aqueles que são privados de liberdade.

A dignidade vem sendo considerada (pelo menos para muitos e mesmo não exclusivamente) qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano e certos de que a destruição de um implicaria a destruição de outro, é que o respeito e a proteção da dignidade da pessoa (de cada uma e de todas as pessoas) constituem-se (ou, ao menos, assim o deveriam) em meta permanente da humanidade, do Estado e do Direito. (SARLET, 2001)

Com a evolução da sociedade, começou a perceber, internalizar e adquirir consciência no sentido de proteger os direitos e valores do ser humano, blindando-o como todo, desde a racionalidade até o seu aspecto físico. Por isso, a inseminação artificial também tem relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, pois envolve questões sobre, vida, liberdade, saúde, proteção e etc. Impõe aos profissionais cientistas, médicos, pesquisadores e todos aqueles envolvidos na reprodução assistida, o cumprimento do referente princípio, não podendo ultrapassar as barreiras do respeito e ética. Para Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003):

A dignidade humana é valor próprio e extrapatrimonial da pessoa, especialmente no contexto do convívio na comunidade, como sujeito moral, sendo assim não há dúvida que todos os interesses têm como centro a pessoa humana, a qual é foco principal de qualquer política pública ou pensamento, sendo necessário harmonizar a dignidade da pessoa humana ao progresso científico e tecnológico, porquanto este deve tender sempre a aprimorar e melhorar as condições e a qualidade de vida das pessoas humanas, e não o inverso.

 

O biodireito precisa está em harmonia com os princípios constitucionais para que a sua aplicação seja ainda mais vasta. Vivemos em uma sociedade que ainda é muito preconceituosa em relação a uma série de procedimentos, isso também influencia na aplicação dos princípios para que sejam garantidos todos os aspectos protecionistas à sociedade do presente e futuro.

Em razão disso, faz-se essencial a caminhada em conjunto do biodireito e princípios constitucionais, visando maior avanço do referente direito. Por ser um tema que ainda possui muita lacuna legislativa, vários doutrinadores afirmam da necessidade de utilização dos direito fundamentais para justificarem correntes por ele adotadas. No referente caso, utilizam-se dos preceitos trazidos pela Magna Carta para responder sobre a omissão da lei no que tange a investigação de paternidade na inseminação artificial heteróloga.

Como antes mencionado, na inseminação heteróloga, o material de uma terceira pessoa é utilizado para fertilização. O que será discutido aqui diz respeito ao direito que a criança gerada tem de conhecer a sua origem genética.

O direito de conhecimento da origem genética encaixa-se no rol dos direitos à personalidade em razão de não ser reconhecido expressamente como Direito Fundamental. O direito à personalidade é irrenunciável, intransmissível e inerente a todo indivíduo, o qual versa sobre o direito de identidade e tudo aquilo que a ele está englobado.

De acordo com Ana Claudia Brandão, em sua obra “Reprodução humana assistida e as consequências nas relações de família’’, o reconhecimento da origem genética:

Consiste em saber sua origem, sua ancestralidade, suas raízes, de entender seus traços (aptidões, doenças, raça, etnia) socioculturais, conhecer a bagagem genético-cultural básica. Conhecer sua ascendência é um anseio natural do homem, que busca saber, por suas origens, suas justificativas e seus possíveis destinos. Não hácomo negar o direito a conhecer a verdade biológica, pela importância enquanto direito de personalidade

 

Desta maneira, o indivíduo tem o direito de conhecer a sua origem genética, e tudo aquilo que diz respeito sobre seu passado, sua forma de geração e seus ascendentes biológicos. Apesar desse direito ser reconhecido, o mesmo não está disposto de maneira taxativa na Constituição Federal, mas, por ser um direito tão majestoso, outras disposições o acolheram, por exemplo, princípio da dignidade da pessoa humana, disposto no art. 5°, parágrafo 2° da Constituição Federal de 1988.

O conhecimento à origem genética é de extrema importância. Além de garantir ao indivíduo o direito de conhecer os seus ascendentes biológicos, esse reconhecimento pode ajudar a combates doenças genéticas, e a até mesmo evitar enlaces matrimoniais com pessoa da mesma família. Ademais, tudo isso é fundamental para o indivíduo, para que haja uma melhor construção psicológica do mesmo dentro da sociedade.

Portanto, o indivíduo gerado a partir de inseminação artificial heteróloga, não pode ser privado do conhecimento da sua origem genética, nem que essa seja por mera curiosidade. Não existem impedimentos constitucionais, e nem legais, que proíbam tal conhecimento.

3 DIREITO DE FILIAÇÃO E SUCESSÃO

3.1 Panorama geral frente ao Direito de Filiação e Sucessão

Com intuito introdutório, faz mister conceituarmos primeiramente os dois institutos que servirão de base para fundamentação deste capitulo.

Para Carlos Roberto Gonçalves (2009), filiação é a relação jurídica que vincula o filho a seus pais. Ela deve ser assim denominada quando visualizada pelo lado do filho. Por seu turno, pelo lado dos pais em relação ao filho, o vínculo se denomina paternidade ou maternidade.  Maria Helena Diniz (2010) conceitua filiação como sendo o vínculo existente entre pais e filhos, a relação de parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe geraram a vida ou a receberam como se a tivessem gerado.

A Carta Constitucional de 1937, no seu artigo 126, trouxe a equiparação entre os filhos legítimos e os naturais, facilitando a estes o reconhecimento e estendendo-lhes os direitos e deveres que incumbiam aos pais em relação aos legítimos. Revogou, portanto, o artigo 1.605 do Código Civil de 1916, que restringia os direitos sucessórios de filhos naturais que concorressem com legítimos ou legitimados. Já a Constituição brasileira de 1946 silenciou sobre o tema. Até o advento da Carta Magna de 1988 a filiação era subdividida, do ponto de vista jurídico, em diversas espécies, entretanto, "Diante do novo texto constitucional, forçoso parece ser para o intérprete redesenhar o tecido do direito civil à luz da nova Constituição". (FACHIN, Luiz Edson, 1999,p. 35)

Portanto, atualmente, não mais se permite sequer a pronúncia de expressões como ilegítimo, adulterino, espúrio, incestuoso, o doutrinador Sérgio Gischkow Pereira (1989) explica que o art. 227, § 6º, da CF/88 representa o avanço no Direito de Família brasileiro, pois é responsável por destruir uma das mais deploráveis hipocrisias naquele ramo do Direito, de efeitos perniciosíssimos, consistente em "punir" os filhos ilegítimos por eventos no tocante aos quais não têm eles qualquer responsabilidade.

Voltando nosso olhar para o objeto do paper observamos que os avanços da engenharia genética repercutiram diretamente na questão da filiação, a reprodução humana assistida é uma das possibilidades de ampliar a moderna família, já que se baseia igualmente na sócio-afetividade. Criou-se o fenômeno da “desbiologização”, ou seja, a substituição do elemento carnal pelo elemento psicológico, em termos de procriações. (FACHIN,2000)

O artigo 1.597, nos incisos III, IV e V do novo Código Civil (2002), cuida da presunção de paternidade dos filhos havidos por fecundação artificial homóloga, concepção artificial homóloga e inseminação artificial heteróloga, o que constitui inovação em face ao direito anterior que, naturalmente, não previa tais situações.

Está no artigo 1597, V, onde estabelece a presunção da filiação àqueles “havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido” [grifo nosso]. Vale ressaltar que as expressões trazidas no inciso remetem que, mesmo que seja utilizado sêmen de um terceiro doador, é necessário que o casal seja casado, ou presume-se que vivam em união estável.

A respeito, Moreira Filho (2002),

Sendo admitida a inseminação de mulheres solteiras, separadas ou viúvas, como fica a situação da criança gerada, quanto à filiação? Nesses casos não é possível, segundo Moreira Filho, atribuir-se ao doador qualquer vínculo de filiação. Sustenta ainda, o referido autor, que deve ser usada analogia ao instituto da adoção, devendo a criança ser registrada somente em nome da mãe, mas podendo no futuro requerer o reconhecimento de seu vínculo genético de filiação biológica. Ressalta, ao final que: "Isto, porém, não acarretará ao doador quaisquer obrigações ou direitos relativos à criança, uma vez que, ao doar seu sêmen ele abdica voluntariamente de sua paternidade, da mesma forma que o faz quem entrega uma criança para adoção ou quem perde o poder-familiar." (apud MOREIRA FILHO, José Roberto. Op. cit. p.3)

Portanto, não há dúvidas sobre à  filiação matrimonial que se estabelece, basicamente, pelo parto da criança, onde há a incidência da presunção legal da paternidade conferida ao marido da parturiente, nos casos previstos no artigo anteriormente mencionado. Porém, o filho concebido pela mãe solteira, não poderá ser registrado no nome do doador, uma vez que segue a analogia feita pela doação, que por consequência só será registrado no nome da mãe.

Antes de passarmos para o outro instituto, vale fazer uma observação, se a concepção decorrente da técnica de transferência de embrião ocorreu durante o convívio entre os companheiros, independente do consentimento do homem, não há como reconhecer a paternidade, ao menos que voluntária.

A autora Janice Bonfiglio Santos Souza (2006) explica que, se companheiro consentiu, será possível o êxito em ação de investigação de paternidade, eis que trata de vontade associada à situação de fato existente à época da concepção. Se não consentiu, o companheiro não pode ter a paternidade estabelecida, uma vez que inexistem certos deveres que são próprios do casamento, isentando-o de qualquer responsabilidade parental.

Outro ponto fundamental para se discutir é o Direito de Sucessão. Como foi dito anteriormente se faz importante, antes de tudo, conceitua-lo, para depois adentrarmos no tema sugerido. Direito das Sucessões é o ramo específico do Direito que tem como objetivo a transmissão patrimonial do falecido aos seus sucessores. Adotada morte como chave para o desencadeamento da sucessão, os bens se transmitem instantaneamente para os herdeiros.

Maria Helena Diniz (2010) em seus ensinamentos, o sucessor toma posição jurídica do autor da herança no momento de sua morte não alterando em nada a relação jurídica, apenas se muda o sujeito. A sucessão implica em “não extinção da relação jurídica”, o sujeito (herdeiro) assume os direitos e obrigações de seu antigo titular. A palavra “sucessão”.

Em relação à inseminação artificial heteróloga, como ficará a relação sucessória? Conforme já exposto anteriormente, doador do sêmen, mesmo que conhecido, não tem responsabilidades patrimoniais nem alimentares perante a criança que nasceu. Porém o marido, ou a esposa, companheiro(a) que permitiu a inseminação artificial heteróloga, o direito sucessório desta criança seguirá o rito ordinário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As técnicas desenvolvidas pela ciência passaram a possibilitar que uma criança fosse gerada por homens e mulheres estéreos. Desse advento, vem o ingresso de um terceiro, o doador, que dispõe seu material genético para que casais possam realizar o sonho de ter um filho. Essa técnica de reprodução assistida é a heteróloga.

Através das nossas pesquisas foi possível constatar que para a reprodução assistida heteróloga ocorra é necessário que se recorra a um banco de sêmen composto pelo material genético de diversos doadores que, para realizarem tal doação, confiam na inviolabilidade de sua identificação por parte daqueles que recebem os gametas. Estabelece o Conselho Federal de Medicina que os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa, mantendo-se o sigilo sobre os envolvidos.

Tendo como ponto norteador o princípio da dignidade da pessoa humana onde se busca uma solução para o conflito entre doador do sêmen e indivíduo gerado a partir deste material genético, tal princípio se mostra eficaz para embasamento de todas as conclusões obtidas com este trabalho. Partimos da premissa de que o princípio da dignidade da pessoa humana é uma égide do direito ao reconhecimento da origem genética, eis que este direito deve ser estabelecido e garantido a todo e qualquer cidadão que queira saber sua ancestralidade.

O direito de conhecimento da origem genética encaixa-se no rol dos direitos à personalidade em razão de não ser reconhecido expressamente como Direito Fundamental. O direito à personalidade é irrenunciável, intransmissível e inerente a todo indivíduo, o qual versa sobre o direito de identidade e tudo aquilo que a ele está englobado.

Em relação aos Direitos tanto de filiação quanto de sucessão, o ponto fundamental foi entendermos que, apesar da possibilidade de se conhecer o doador, havendo a quebra do anonimato, este não poderá configurar o polo paterno/materno, uma vez que este abdicou desse direito/dever. Porém, quando se trata de casal, e o parceiro(a), tanto na união estável, quanto no casamento a relação de paternidade será a mesma, da biológica,  esta premissa é advinda do art. 1.597 do CC de 2002, que versa sobre presunção de filiação.

REFERÊNCIAS

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SARLET. Ingo Wolgang. A dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na Constituição federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 28.

¹Paper apresentado à disciplina de Direito de Família e Sucessões do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB

² Alunas do 6º período da instituição UNDB

³ Orientadora

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