Baudelaire e a arte na emergência do capitalismo
Por Leonardo Caieiro Geyer | 07/12/2010 | Literatura1. INTRODUÇÃO
Pretendo, no presente trabalho, esboçar em termos gerais as principais características da poesia de Baudelaire, o que ela retratava e qual era seu foco, bem como o contexto histórico em que esse autor estava inserido, sendo de fundamental importância compreendê-lo para poder compreender este autor. Nesse sentido, farei uso de alguns textos para me auxiliar na base teórica do tema proposto, os quais são: "Charles Baudelaire ? um lírico no auge do capitalismo", de Walter Benjamin, mais especificamente o capítulo "Sobre alguns temas", no qual o autor trata de maneira geral diversas questões acerca de Baudelaire, e em particular, de maior importância a meu ver, do fato da experiência estar sobre grande importância na poesia deste autor. Trabalharei também com o texto "A modernidade de Baudelaire", de Teixeira Coelho, em que o autor explicita diversas obras de Baudelaire e o seu significado para a época, mais especificamente com o livro "As flores do mal". Por último, tenho por base o texto "Baudelaire e a tradição da crítica literária à burguesia", de Dolf Oehler, obra na qual o autor reflete sobre o contexto histórico de emergência do capitalismo e o que isso significava na obra de Baudelaire.
Vale ressaltar que se trata de um trabalho acadêmico que visa a dar um panorama geral ao conhecimento de Charles Baudelaire, o que significa que o assunto é extremamente vasto e que meu objetivo trata-se aqui de se atentar a alguns pontos principais de sua obra.
2. BAUDELAIRE E A ARTE NA EMERGÊNCIA DO CAPITALISMO
Baudelaire foi um poeta que viveu na França, no séc. XIX, e é considerado por muitos autores como o principal poeta a fundar a arte moderna. Nesse sentido, Baudelaire, ao viver em uma França marcada por conflitos revolucionários ? como a revolução de 1848 ? e de um fortalecimento de uma burguesia nascente e que havia se consolidado após a revolução francesa em 1789, vai ser alvo de um momento histórico totalmente revolucionário, no qual o capitalismo estava se expandindo pela Europa e pelo mundo, a ciência era tida como a detentora da razão e a precursora do conhecimento científico e, sobretudo, a arte estava se modificando.
Nesses termos, Baudelaire é o primeiro artista a fundar uma arte na então Modernidade nascente, que estava sendo transformada juntamente com o mundo naquele momento. Baudelaire rompe, portanto, com o romantismo ? agora obsoleto para a realidade moderna ? e passa a inserir sua poesia nos acontecimentos empíricos da época, no sentido de não mais idealizar um mundo utópico e que deveria se constituir, mas sim de retratar as mudanças que já estavam ocorrendo, uma vez que elas eram carregadas de alto teor revolucionário. Nas palavras de Dolf Oehler, ele retrata o momento de Baudelaire e o que suas obras começariam a representar:
[?] Na verdade, todos esses textos de Baudelaire servem a um duplo propósito: trazer os artistas 'românticos' e seu público de volta ao nível dos fatos, romper seu firmamento de clichês ideais e substituir a exaltação retrógrada por uma estética prática que faça jus à realidade [?] (OEHLER, 1981, p.47).
Desse modo, podemos agora entrar no conceito principal que emerge na poesia de Baudelaire, que é o da experiência. O objetivo do autor, com a mudança que a arte estava passando juntamente com seu momento histórico, era agora retratar o que era real na época, bem como seus significados para a vida dos atores e personagens daquela história, com por exemplo a burguesia e a chamada multidão. Baudelaire, portanto, "colocava o choque como normal, e reproduzia sua experiência" (Benjamin. Sobre diversos temas). Ele tinha por objetivo retratar o que via mundo à fora, e representar uma nova realidade, trazendo seus problemas e questões para o debate dentro da própria arte. Assim, Baudelaire faz isso, através da sua poesia, em forma de analogia, ao representar personagens que, à primeira vista pareciam simples personagens, mas que faziam referência ao seu principal público: a burguesia.
Podemos indicar, com isso, que a poesia de Baudelaire se encontra no fluxo da história e do seu movimento, visto que a sua obra abarca suas experiências como artista e como um homem que está inserido naquela realidade emergente, retratando todos os acontecimentos pertinentes, de maneira crítica. Nesse sentido, Baudelaire revela que a modernidade é um momento único, e deve ser entendida por si só, sendo o dever do artista representá-la no que diz respeito ao novo. Nas palavras de Teixeira Coelho, podemos observar:
[?] O autor considera a vida moderna como um lado épico tão fecundo quanto o da 'vida antiga' e onde o artista contemporâneo poderia alimentar-se tranquilamente, deixando de recorrer às fontes da Antiguidade [?] (COELHO, 1991, p.17).
Ou seja, o artista tem sua inspiração posta no seu próprio contexto histórico, basta agora que ele faça uso dessa inspiração. Porém, Baudelaire não apenas retrata seu momento histórico de maneira descritiva e passiva, ao contrário, em forma de analogia, o poeta vai procurar direcionar suas críticas àquela burguesia e aos seus padrões de vida, bem como retratar a perda de significado que o mundo moderno vai trazer ao seu próprio mundo. Assim, o poeta vai procurar retratar um mundo exterior a si próprio, assinalando sua experiência de vida como um critério verdadeiro e insubstituível para se compreender a realidade.
Entretanto, Baudelaire, apesar de precursor da arte moderna, estava inserido naquela realidade capitalista e mercantilista, onde os valores de troca sufocam a mentalidade criativa de um artista, de modo a que este passe a direcionar sua poesia a um público-alvo, o qual tem o poder de comprar aquilo que lhe é de agrado. Assim, a arte passa a se enquadrar na economia mercantil, e deve agora apontar indícios atrativos para os novos compradores: os burgueses.
Podemos pensar sim que Baudelaire foi um artista que revolucionou o modo de pensar arte, ao sair de uma representação utópica do mundo e a entrar em uma descrição analógica da sociedade moderna, mas também devemos levar em conta que o autor, ao representar em suas obras aquela burguesia e passar a tomá-los como o principal personagem de sua arte, também leva em conta que seria de agrado dessa burguesia uma arte que lhe retratasse de modo sistemático, uma vez que é agrado de todas as pessoas ver suas vidas simbolizadas em uma poesia. Nesse sentido, Dolf Oehler revela o modo de pensar de Baudelaire ao tentar conciliar uma arte crítica com a reprodução de sua obra:
[?] O anseio pelo sucesso e a integridade artística são plenamente compatíveis na visão de Baudelaire; eles incentivam um ao outro graças à lamentável e generalizada falta de cultura do público burguês: a possibilidade de manipulação do burguês no mercado constitui a liberdade do artista moderno [?] (Oehler, 1981, p.51).
Assim, portanto, podemos perceber que Baudelaire, mesmo crítico de uma classe burguesa e de uma modernidade sem significado, tenta conciliar uma arte moderna com o mundo capitalista, no sentido de colocar a arte em paralelo com o capital, transformando-a em uma mercadoria crítica de seu próprio público.
3. CONCLUSÃO
Vimos que Baudelaire é tido como o precursor da arte moderna, rompendo com um ideal romântico utópico de representação da realidade, e trazendo a arte para um mundo concreto, no qual a transformação e as revoluções estavam presentes em todos os âmbitos da sociedade. Assim, percebemos, com isso, que a mudança na arte se dá através de seu engajamento político e social, seguindo um caminho extremamente importante para outras formas de arte, como a pintura, a música, etc. Nesse sentido, podemos concluir que a arte engajada tem um valor imensamente maior que uma arte 'pós-moderna', chamada arte pela arte, uma vez que a arte engajada retrata uma realidade social e política de modo sistemático, não somente por representá-la por si só, mas sobretudo por exercer uma crítica a uma modernidade sem sentido, a qual traz conceitos e problemas a serem resolvidos, mas que, na verdade, retratam justamente os problemas da ciência de outrora, indicando um caminho sem fim para um problema maior, em contraponto com uma arte pós-moderna com falta de sentido, onde o seu retrato se dá através de valores crus, onde o objeto de sua arte se faz apenas no âmbito do gosto de pseudo artistas.
Termino meu trabalho com uma máxima de Dolf Oehler, a qual revela o significado principal da obra de Baudelaire, em um mundo onde tudo se transforma em mercadoria, inclusive a arte:
[?] As obras do jovem Baudelaire aspiram a ser os modelos que preceituam: a concorrência ao romance-folhetim, sucesso de vendas da arte pura, unidade entre mercadoria e verdade [?] (OEHLER, 1981, p. 53).