Batizando o Mundo Desconhecido
Por Julio Cesar Souza Santos | 18/11/2016 | SociedadeDe Que Forma Foi Dado à América o Nome de “Novo Mundo”? Como Determinar a Longitude em Alto Mar? Como o Papa Alexandre VI Demarcou a Separação da Terra?
O nome “Novo Mundo” dado à América descoberta correu de forma acidental, pois o encontro europeu com este mundo não foi intencional. Enquanto o nome e a pessoa de Colombo estavam destinados a ser celebrados no Novo Mundo, Américo Vespúcio praticamente não foi reconhecido e também não se tornou um herói popular.
Este pioneiro do mar – que merece a fama como desbravador da mentalidade moderna – foi apanhado pelo fogo cruzado entre pedantes e ignorantes, mas homens letrados entusiasmados. Américo Vespúcio nasceu de uma família influente de Florença em 1454 – no tempo da Renascença italiana – e aí adquiriu a curiosidade e as ambições intelectuais que regeram toda sua vida.
Sua família tinha ligações com artistas e intelectuais da época e Leonardo da Vinci admirava tanto o avô de Vespúcio, que o seguia pelas ruas a fim de gravar na sua mente as feições que depois desenharia em uma pintura famosa. Em 1499 os interesses comerciais e geográficos de Vespúcio tinham-se combinado para atraí-lo a uma nova vocação. Tornara-se evidente que o futuro comércio espanhol para o Oriente teria de fazer-se do oceano ocidental, pois os portugueses tinham-se apropriado da rota à volta da África, mas Colombo mostrara que se podiam alcançar terras navegando para o ocidente.
Comandando dois navios, Américo Vespúcio se juntou à uma expedição que partiu de Cádiz em maio de 1499 e avistou terra ao sul do ponto onde Colombo chegara na sua 3ª viagem. Vespúcio estava disposto a continuar procurando a passagem à volta de Catígara, mas as algas tinham devorado os cascos dos seus navios, as provisões eram escassas, os ventos e as correntes estavam contra ele, o que fez com que ele regressasse à Espanha.
Pouco depois de voltar à Sevilha tomou a decisão de fazer outra tentativa e escreveu a um amigo: _ “espero regressar com novidades e descobrir a ilha de Ceilão, a qual fica entre o oceano Índico e o golfo ou mar de Ganges”. E quando avançou através do oceano, Vespúcio também pensava no mundo de Ptolomeu, embora agora ele falasse com uma nova voz:
“Parece-me que minha viagem é refutada a opinião da maioria dos filósofos, os quais afirmam que ninguém pode viver na zona tórrida por causa do grande calor, pois verifiquei que acontece o contrário. O ar é mais fresco e mais temperado nesta região e, nela, vive tanta gente que o seu número é maior do que aquele que vivem fora dela”.
O problema de determinar a longitude – de crucial importância nas viagens para o ocidente – há muito tempo intrigava Vespúcio e, para resolver esse problema, levou consigo tabelas astronômicas da Lua e dos planetas. Durante 20 dias de descanso, enquanto sua tripulação se refazia de um combate com os índios, voltou ao assunto:
“Quanto à latitude, confesso que encontrei tanta dificuldade em determiná-la que tive muito trabalho para avaliar a distância leste-oeste que percorrera. O resultado final foi que não achei nada melhor que fazer do que vigiar e observar à noite a conjunção da Lua com os outros planetas, porque a Lua é mais veloz do que qualquer outro planeta. Depois de ter feito experiências durante muitas noites, numa delas houve uma conjunção da Lua com Marte, o que, segundo o almanaque, deveria ocorrer à meia-noite ou meia-hora antes. Verifiquei que quando a Lua nasceu hora e meia depois do pôr do Sol, o planeta passara essa posição no Oriente”.
Servindo-se desses dados, ele calculou até que distância chegara a ocidente. O seu método poderia dar resultados mais precisos do que o cálculo “a olho nu” usado por Colombo, mas por falta de instrumentos de precisão ainda não era prático. Mesmo assim, melhorou o número vigente e obteve um cálculo da circunferência equatorial da Terra que foi o mais exato dos obtidos até essa altura – apenas 80 km aquém da dimensão correta.
Quando Vespúcio iniciou a viagem seguinte, não navegou mais sob a bandeira da Espanha e sim pelo rei D. Manoel I de Portugal. Essa mudança mostra a notável colaboração que existia entre essas duas grandes potências marítimas. Durante mais de um quarto de século depois da 1ª viagem de Colombo, Espanha e Portugal se mantiveram em paz e foram até colaboradores em seus esforços para descobrirem o novo mundo no oceano ocidental.
Os casamentos de herdeiros e soberanos de Portugal com os de Castela e Aragão não foram tudo, pois antigos competidores se tornaram companheiro de demanda. Estabeleceram regras para compartilharem um mundo de dimensões desconhecidas, recursos inesgotáveis, dividindo entre si todo o mundo não cristão. O que tornou esse acordo possível foi a aceitação de uma autoridade exterior – o Papa – que, sem exércitos, exercia enorme poder espiritual.
O respeito pela autoridade papal era tanto que, quando Colombo fez a sua 1ª viagem, o trono de São Pedro estava ocupado por um Bórgia – Alexandre VI – que, enquanto era cardeal, tivera muitas amantes e numerosos filhos. Nascido em Aragão, assegurara sua eleição ao papado por meio de suborno e da intervenção dos reis católicos Fernando e Isabel.
A comunidade cristã europeia reconhecia o direito do Papa de conceder a soberania sobre quaisquer terras ainda não reivindicadas por um soberano cristão e, antes mesmo de Colombo, os reis de Portugal já tinham reconhecido esse poder pontifício ao solicitarem bulas papais para confirmarem os seus direitos a toda a costa africana. Depois as viagens de Colombo e as surpreendentes ilhas “das Índias” tinham suscitado novas possibilidades, as quais os reis da Espanha se aperceberam rapidamente.
Em abril de 1493, um mês depois de Colombo regressar de sua viagem, escreveu uma carta contando seu feito e parte dela foi incluída em uma bula papal a respeito dessas novas terras: _ “de todos os pontífices que jamais reinaram, Maquiavel confirmara este Alexandre VI como o que melhor mostrou como um Papa podia impor-se tanto pelo dinheiro como pela força”.
Ao mesmo tempo em que se conluiava com os inimigos da Espanha, o Papa dava-lhe todas as terras descobertas nas “Índias” recém-exploradas. Nessas bulas ele traçou a famosa linha de demarcação que partia do Polo Norte para o Polo Sul “cem léguas na direção do ocidente e sul de quaisquer das ilhas geralmente conhecidas por Açores e Cabo Verde”. Sendo assim, todas as terras descobertas a ocidente dessa linha e ainda não propriedade de algum príncipe cristão, pertenceriam a Espanha.
O rei de Portugal (D. João II) não ficou de braços cruzados enquanto o Papa entregava seu império a outro e, com a força da sua marinha, ele negociou com Fernando e Isabel para evitar as consequências das declarações do pontífice. Nas Tordesilhas – norte da Espanha – em julho de 1494 um tratado desviou a linha de demarcação mais para ocidente, para o meridiano a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde. Tanto Espanha quanto Portugal demonstraram extraordinária boa vontade nos seus esforços para respeitarem os termos do tratado, apesar de a tecnologia daquele tempo ainda não permitir situar precisamente o meridiano em causa.
Um resultado duradouro do acordo foi a fixação de portugueses (e da língua portuguesa) no Brasil e o predomínio de pessoas (e da língua espanhola) noutros lugares da América do Sul. Esta complacência das principais potências que competiam pelo império da navegação só duraria enquanto a Espanha e Portugal – obedientes à soberania Papal – foram dominantes.
Depois da reforma protestante tais acordos pacíficos se tornaram difíceis e, quando os ingleses, holandeses e outros se juntaram à filosofia de “liberdade para todos”, as descobertas passaram a definirem-se apenas pelas forças concorrentes de exércitos e marinhas.
A primeira viagem de Américo Vespúcio sob a bandeira espanhola dera-lhe a ideia de que, a fim de alcançar a passagem para as Índias, teria de seguir a linha da costa para leste e depois para sul através de áreas que se encontravam sob a alçada dos Portugueses. Por isso, não surpreendeu que na viagem seguinte às Índias, Vespúcio navegasse não sob a bandeira espanhola, mas pela de Portugal.
Outras considerações podem ter levado a esta troca de bandeiras. Como os reis espanhóis ainda não sabiam que a ponta oriental da América do Sul se encontrava realmente do lado português da linha acordada, talvez tenham sido excluídos deliberadamente Vespúcio da sua força expedicionária, por preferirem ver esse império explorado pelos seus próprios cidadãos.
Em maio de 1501 – quase 10 anos após a 1ª travessia de Colombo – Vespúcio, comandando 3 caravelas, partiu de Lisboa no início de uma importante viagem de 16 meses que colheria a semente feita por Colombo. Vespúcio seguira a costa sul-americana ao longo de 800 léguas “sempre na direção sudoeste-oeste”, que o levou até a Patagônia apenas uns 650 km a norte da ponta sul da Terra do Fogo.
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